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Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro diz que jornalista Glenn Greenwald cometeu crime e insinua que ele pode ser preso

Em entrevista após cerimônia numa unidade militar no Rio de Janeiro no sábado 27 de julho, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, negou que a recente portaria que autoriza a deportação sumária de estrangeiros ‘perigosos’ possa ser usada contra o jornalista Glenn Greenwald, do The Intercept, que vem publicando uma série de reportagens sobre o conteúdo vazado de mensagens entre autoridades públicas. Na resposta, no entanto, disse que há a possibilidade de o jornalista ser preso no Brasil.

“(A portaria) nada a ver com o caso dele (Greenwald). Tanto é, que não se encaixa na portaria, o crime que ele está cometendo. Até porque, ele é casado com outro homem e tem meninos adotados no Brasil, está certo? Malandro, malandro para evitar um problema desse, casa com outro malandro ou não casa, adota criança no Brasil. É esse problema que nós temos, ele não vai embora, o Glenn pode ficar tranquilo. Talvez ele pegue uma cana aqui no Brasil, não vai pegar lá fora não”, disse o presidente.

Bolsonaro em cerimônia militar no Rio, onde disse que jornalista Glenn Greenwald poderia 'pegar cana' no Brasil (Palácio do Planalto/Cortesia)

Bolsonaro em cerimônia militar no Rio, onde disse que jornalista Glenn Greenwald poderia 'pegar cana' no Brasil (Palácio do Planalto/Cortesia).

Na quinta-feira, 25 de julho, uma portaria assinada pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, facilita a deportação em até 48 horas de estrangeiros que sejam “perigosos”. O texto define como perigosos aqueles acusados de terrorismo, de integrar grupo criminoso armado, de tráfico de drogas, armas ou pessoas, de pornografia ou exploração sexual infantil, e de violência nos estádios.

Greenwald e o site The Intercept Brasil vêm publicando uma série de reportagens sobre conteúdo de mensagens trocadas entre o promotor Deltan Dellagnol, coordenador da Força Tarefa da Operação Lava-Jato, e o então juiz Moro, responsável por julgar o caso, que indicariam uma suposta colaboração entre os dois. As publicações ganharam ares de escândalo no país e aliados do governo passaram a acusar Greenwald e The Intercept de cumplicidade com os invasores.

Na semana passada, o deputado federal Filipe Barros, do PSL, mesmo partido do presidente, protocolou Procuradoria-Geral da República (PGR) um pedido de prisão temporária de Greenwald, informou o portal IG. O parlamentar diz que haveria indícios de que o jornalista seja cúmplice do crime de obtenção dos dados de celulares de autoridades. 

Ao publicar a primeira reportagem sobre as mensagens vazadas, The Intercept escreveu que seu “único papel na obtenção do material foi recebê-los da nossa fonte, que nos contatou há várias semanas (muito antes da suposta invasão do telefone de Moro) e nos informou que eles já haviam obtido o conjunto de mensagens e estavam ansiosos para disponibilizá-lo a jornalistas”.

No dia 23 de julho, por sua vez, a Polícia Federal, subordinada ao ministério da Justiça agora comandado por Moro, prendeu quatro acusados de terem acessado os dados de autoridades públicas.

Após a publicação do decreto de Moro, alguns críticos, como a Associação Brasileira de Imprensa, entraram em alerta pela possibilidade de ele ser usado contra Greenwald.

Nesse contexto, a declaração de Bolsonaro, de que Greenwald “talvez ele pegue uma cana aqui no Brasil, não vai pegar lá fora não”, soou como intimidação ao jornalista, na avaliação de entidades de imprensa e de outros jornalistas.

Moro é alvo de reportagens baseadas em diálogos vazados a partir de chats em aplicativo de mensagens (Ministério da Justiça/Cortesia)

Moro é alvo de reportagens baseadas em diálogos vazados a partir de chats em aplicativo de mensagens (Ministério da Justiça/Cortesia).

Ao contrário do que Bolsonaro deseja, não temos uma ditadura, temos uma democracia e para prender alguém é preciso mostrar evidência de que a pessoa que você quer prender cometeu algum crime”, disse Greenwald à Folha de S.Paulo. “Bolsonaro não tem o poder para mandar pessoas serem presas por motivos políticos sem evidência de que a pessoa tenha cometido um crime. Ele quer ter, mas não tem”, completou o jornalista.

Ele também rebateu a acusação de que teria se casado e adotado filhos no Brasil para evitar ser deportado. “Isso é totalmente maluco porque o David e eu estamos casados há quase 15 anos. Peguei meu visto de permanência, baseado em nosso casamento, entre 2006 e 2007”, disse Greenwald, também à Folha.

Nesta segunda, 29 de julho, Bolsonaro voltou ao assunto e disse que “no meu entender, ele (Greenwald), cometeu um crime” e disse esperar que a investigação da Polícia Federal sobre o roubo de mensagens privadas de autoridades comprove isso: “em qualquer outro país, ele estaria já em uma outra situação. Espero que a Polícia Federal chegue realmente, ligue os pontos todos”, afirmou o presidente, segundo o G1.

Ele também insinuou que houve compra das informações e disse que o sigilo de fonte não pode servir de desculpa para acobertar um crime. 

 “No meu entender, isso teve transações. No meu entender, transações pecuniárias e, pelo que tudo indica, a intenção é sempre atingir, no caso aí, atingir a Lava Jato, atingir o Sérgio Moro, atingir a minha pessoa, tentar desqualificar, desgastar. (...) Invasão de telefone é crime e ponto final. Não tem o que discutir isso daí. Não pode se escudar, 'sou jornalista'. Jornalista tem que fazer seu trabalho. Preservar o sigilo da fonte, tudo bem. Agora, uma origem criminosa, o cara quer preservar um crime, invadindo a República, desgastar o nome do Brasil", afirmou o presidente, de acordo com o G1. 

Em mais uma resposta ao presidente, Greenwald publicou no Twitter trechos da constituição brasileira que garantem a liberdade de imprensa: “Se alguém puder mostrar ao presidente Jair Bolsonaro o que a Constituição brasileira garante, acho que seria útil. Eu destaquei as partes mais importantes para ele”.

Greenwald vem recebendo a solidariedade de jornalistas e de entidades de defesa da liberdade de expressão e de empresa.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) disse no Twitter que “ao ameaçar de prisão um jornalista que publica informações que o desagradam, o presidente Bolsonaro promove e instiga graves agressões à liberdade de expressão. Sem jornalismo livre, as outras liberdades também morrerão. Chega de perseguição”.

O editor executivo do The Washington Post, Marty Baron, publicou a tradução em inglês da nota da Abraji na sua conta no Twitter. 

Greenwald rebate ataques de Bolsonaro: constituição garante liberdade de imprensa. (Vinicius Loures/Câmara dos Deputados)

Greenwald rebate ataques de Bolsonaro: constituição garante liberdade de imprensa. (Vinicius Loures/Câmara dos Deputados)

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) disse que apesar de Greenwald não poder ser deportado, por ser casado com brasileiro e ter dois filhos brasileiros, “fica evidente a tentativa de intimidação ao jornalista. Como se trata de ação de governo, a Fenaj alerta para o perigo da volta da censura à imprensa e da perseguição a jornalistas, práticas adotadas durante a ditadura militar (1964-1985) e comuns a governos não democráticos”.

A entidade diz que o governo desrespeita a constituição e caminha para uma autocracia, lembrando outros casos de ataques de Bolsonaro a jornalistas. Mais recentemente, o presidente “classificou de ‘idiota’ a pergunta sobre a utilização de helicóptero da Força Aérea Brasileira por parentes. Diante da insistência dos jornalistas, encerrou a entrevista sem responder à questão. A Fenaj alerta para o perigo das restrições à liberdade de imprensa, das quais sempre lançam mão governos autocráticos”, diz a entidade.

Já em entrevista à BBC Brasil, uruguaio Edison Lanza, relator especial para liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, disse que "o presidente do Brasil lamentavelmente parece ter se esquecido da Constituição e de tratados internacionais sobre liberdade de expressão dos quais o Brasil é signatário".

Lanza disse ver a situação do Brasil com preocupação e a comparou com as lógicas adotadas pelos regimes de Hugo Chávez, na Venezuela, e Rafael Correa, no Equador. “Bolsonaro foi eleito com um discurso de liberdade de expressão e imprensa, mas o abandona rapidamente quando algo o incomoda. Não vejo diferença em relação ao comportamento de Chávez e Correa na América Latina”, disse ele à BBC Brasil.

O relator lembrou outro caso em que a imprensa revelou informações de interesse público obtido de forma ilegal pela fonte que a disponibilizou. “Há uma ignorância aí sobre como funciona justamente a liberdade de expressão. Isso não é novo. Imagine se os papéis do Pentágono da década de 1970 sobre a guerra de Vietnam não tivessem se tornado conhecidos, se os jornalistas que os divulgaram não tivessem recebido a proteção da suprema corte dos EUA. Isso é protegido por leis e acordos internacionais. Um jornalista publicar algo obtido ilegalmente, mas que tenha interesse público, como este é o caso, não pode ser criminalizado e não ameaça a segurança nacional", afirmou à BBC Brasil.

A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) realiza um ato em solidariedade a Greenwald e aos demais jornalistas do The Intercept Brasil.

Em nota publicada no Twitter do The Intercept Brasil, a chefe de redação Betsy Reed escreve que a acusação de Bolsonaro, de que Greenwald teria casado no Brasil para evitar ser deportado, “seria ridícula se não fosse perigosa”. O site publicou um editorial, assinado por Reed, Greenwald e o editor brasileiro Leandro Demori em que afirma que “a resposta agressiva do governo Bolsonaro mostra porque nossas reportagens sobre os arquivos secretos são vitais”.

"Somos gratos pela solidariedade dos defensores da liberdade de imprensa em todo o mundo, já que as instituições democráticas brasileiras enfrentam esse profundo teste sob o atual governo, comandado por um autoritário que não vê nada de errado em ameaçar um jornalista simplesmente por exercer a sua profissão", disse Reed via Twitter.

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