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Entrevista: Fernando Rodrigues, presidente da Abraji, discute jornada brasileira por lei de acesso à informação

O renomado jornalista Fernando Rodrigues, que já trabalhou como repórter, editor, correspondente internacional e colunista e, em 2007, recebeu uma bolsa da Fundação Nieman em Harvard, tem sido fundamental no esforço para que o Brasil finalmente adote uma lei de acesso a informações públicas . Presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), uma das principais do tipo no mundo, Rodrigues também desempenhou um papel essencial no lançamento, em 2004, do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas. Em parte por causa de sua incansável campanha pelo direito à informação, o país está prestes a aprovar sua Lei de Acesso à Informação. As comissões de Ciência e Tecnologia e de Direitos Humanos do Senado se reunirão na terça-feira 19 de abril para recomendar a aprovação da lei, que, espera-se, seja sancionada pela presidente Dilma Rousseff no dia 3 de maio, Dia Mundial da Liberdade de Expressão. O Centro Knight conversou com Rodrigues sobre sua participação no esforço pela aprovação da lei e o que ela representará para o país, assim como a proposta de uma iniciativa global batizada de "Parceria por um Governo Aberto", cuja liderança caberia aos Estados Unidos e ao Brasil.

Knight Center: Primeiramente, o sr. poderia explicar por que, em sua opinião, hesitou-se tanto em discutir e aprovar uma lei de acesso à informação?

Fernando Rodrigues: Na realidade, em todos os países o processo para aprovação de uma lei é sempre longo. Nos Estados Unidos, demorou bem mais de uma década desde o início do debate até a sanção do FoIA (sigla para Freedom of Information Act). Tudo depende da pressão e das demandas da sociedade. O Brasil passou por 21 anos de ditadura militar (1964-1985). Depois, as demandas passaram a ser consolidar eleições diretas para presidente, controlar a economia (o país viveu mais de dez anos com inflação muito alta e pouco crescimento).

Quando a democracia finalmente se instalou, a partir da segunda metade da década de 90, a sociedade brasileira se sofisticou um pouco mais. Outras demandas passaram a ser apresentadas. No início do século 21, em 2002, a criação da Abraji foi um marco para o direito de acesso a informações públicas. A Abraji fez seminários, sensibilizou os jornalistas (que não estavam ainda muito a par desse assunto) e fez pressão explícita sobre o Congresso e o Palácio do Planalto para que o país tivesse uma lei. Como se tratava de um assunto muito novo e sem apelo na sociedade, houve toda essa demora.

KC: Qual tem sido o seu papel no esforço pela aprovação da lei?

FR: Como sou um dos integrantes da direção da Abraji em Brasília, sempre fiquei com a responsabilidade de acompanhar o assunto e propor novas ações a respeito. Também tive de cuidar da organização e coordenação (com outras associações) do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas: www.informacaopublica.org.br. Trata-se de uma coalizão hoje de 25 associações da sociedade civil que são a favor de uma lei de acesso. Todas as entidades do Fórum tiveram papel essencial no trabalho de convencimento das autoridades sobre a necessidade de uma lei para o Brasil.

É importante aqui registrar que o Fórum foi criado em 2003, num seminário internacional sobre o tema promovido pela Abraji, em Brasília. Os diretores da Abraji Marcelo Beraba e Fernando Molica tiveram papel de grande relevância na criação do Fórum. E o professor Rosental Calmon Alves (fundador do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas) foi um dos idealizadores do encontro e tem muitos méritos pelo Brasil estar hoje próximo de ter uma lei. No meu caso especificamente, ajudei a coordenar os trabalhos do Fórum nos últimos 8 anos por designação da Abraji e por estar fisicamente em Brasília. Felizmente, está valendo a pena o esforço de ter conversado com tantos deputados, senadores e ministros. Foi um trabalho lento de evangelização sobre a necessidade da lei. Mas parece que está dando certo.

KC: Por que, agora, a lei está finalmente progredindo?

FR: A democracia, assim como tudo na vida, tem ciclos. Acabou um ciclo no Brasil com os oito anos do governo Lula. Agora, imagino, os novos agentes políticos entendem a necessidade de haver alguns avanços institucionais que não foram possíveis em anos anteriores. Parece-me ser esse o caso da orientação do Palácio do Planalto em relação à aprovação de uma lei de acesso.

KC: Por que é tão importante que o Brasil aprove essa lei?

FR: O Brasil é uma das maiores economias do planeta e uma nação importante para o equilíbrio democrático na América do Sul. Ao ter uma lei de acesso, o país emite um sinal vigoroso em direção a mais liberdade de informação -- o que é vital para os países sul-americanos.

KC: Qual é a sua opinião sobre a iniciativa liderada pelo Brasil e os EUA em favor da transparência? Quais seriam os seus impactos?

FR: É muito relevante que os países coordenem esforços como esse, porque o mundo globalizado exige iniciativas globalizadas. É uma forma a mais de incentivar a transparência dos dados públicos.

KC: Há algo que gostaria de acrescentar?

FR: Gostaria de dizer que a semana termina aqui no Brasil com muito otimismo a respeito da eventual aprovação da lei. Mas ressalto que em se tratando de um projeto ainda no Senado, é necessário ter cautela e esperar que o texto seja de fato aprovado. E, depois, que seja sancionado pela presidente Dilma Rousseff. Se tudo isso ocorrer, o Brasil terá uma lei que pode não ser perfeita, mas tem grandes inovações --inclusive em comparação aos EUA e a outros países.

As partes não muito positivas do projeto de lei brasileiro são:

1) o prazo máximo de sigilo (documentos ultrassecretos) pode chegar, em alguns casos, a até 50 anos (é um prazo muito longo);

2) não foi criada uma agência reguladora independente para comandar o processo de cumprimento da lei.

Já os aspectos positivos são os seguintes:

1) embora alguns documentos possam ficar até 50 anos em sigilo, há muitas dificuldades para que isso ocorra. É necessário que ministros de Estado pessoalmente façam essa classificação e exponham em detalhes os motivos;

2) apesar de não ter sido criada uma agência reguladora, a lei é bem detalhada sobre os procedimentos disponíveis para quem desejar ter acesso às informações. Há muitas punições para os agentes públicos que descumprirem a lei;

3) diferentemente de vários países, a lei brasileira se aplica a todos os governos municipais (5.600 cidades), estaduais (27 governadores) e presidente da República. Também se aplica aos Poderes Judiciário e Legislativo, em todos os seus níveis. Por fim, ficam também submetidas à lei de acesso as empresas de capital estatal ou misto e as ONGs que recebam dinheiro público. Até onde eu saiba, em nenhum outro país foi produzida uma lei de espectro tão amplo como a brasileira;

4) outro trecho de grande relevância obriga a todos os órgãos públicos a divulgar, anualmente, uma lista completa com todos os documentos que foram classificados, algum tipo de identificação e o prazo em que esses papéis vão se tornar públicos. Essas listagens são uma poderosa ferramenta na mão da sociedade cobrar responsabilidade dos governos.

Além das listas de documentos classificados, os órgãos públicos ficam também obrigados a divulgar um relatório estatístico com o número de pedidos de informação atendidos, recusados, com explicações detalhadas a respeito.

Este blog é produzido pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, na Universidade do Texas em Austin, e financiado pela John S. and James L. Knight Foundation


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Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.