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10 ações para melhorar o financiamento feito por leitores, segundo três meios digitais da América Latina

Na busca de criar modelos de sustentabilidade sólidos e duradouros, meios digitais na América Latina têm recorrido a várias estratégias. O financiamento de leitores é uma dessas estratégias que se repete em diferentes variantes, seja por meio de doações, campanhas de finaiciamento coletivo em redes sociais ou programas complexos de associação.

CIPER, no Chile, Agência Pública, no Brasil, e La Antígona, no Peru, são meios digitais da região que têm modelos inovadores de financiamento por parte do público que têm lhes permitido se sustentar ao longo do tempo e, ao mesmo tempo, fortalecer o vínculo com seus leitores.

Esses meios de comunicação compartilharam com a LatAm Journalism Review (LJR) 10 estratégias que consideram importantes ao buscar renda por meio dessa modalidade.

  1. Capitalizar os sucessos

A melhor estratégia para atrair contribuições de leitores é o bom jornalismo investigativo, disse Claudia Urquieta, editora de comunidade da CIPER. Ela disse que a CIPER publicou reportagens que tiveram um impacto na agenda pública chilena e resultaram em um número significativo de novos membros no programa de associação da publicação, chamado Comunidad +CIPER.

 

Em 2020, a CIPER publicou uma reportagem que revelou que o Ministério da Saúde estava relatando à Organização Mundial da Saúde um número maior de mortes por COVID-19 do que os chilenos estavam sendo informados todos os dias.

"Isso gerou um terremoto. De fato, no dia seguinte, o ministro [da Saúde], que já estava sendo muito questionado, pediu demissão", disse Urquieta à LJR. "Depois disso, tivemos alguns dias em que chegaram 600 novos associados."

Algo semelhante aconteceu mais recentemente, após a publicação de uma reportagem sobre áudios vazados que revelavam supostos atos de corrupção. Nos dias que se seguiram, o meio adicionou cerca de 700 membros ao +CIPER, disse Urquieta.

É uma boa prática para os meios de comunicação monitorar o impacto de suas histórias e comunicar isso aos leitores regularmente, disse Maria Martha Bruno, coordenadora do Aliados, o programa de contribuição dos leitores da Agência Pública. Isso ajuda a mostrar ao público exemplos concretos do que o jornalismo pode fazer para apoiar a democracia em um país.

"É importante mostrar a eles também os impactos que nosso trabalho tem na vida real. Portanto, isso é algo que sempre tentamos comunicar também", disse Bruno. "Quando comunicamos esse tipo de impacto, ele ressoa entre nosso público e é uma forma de atraí-los. [...] Monitoramos o impacto do nosso trabalho semanalmente e também comunicamos isso ao nosso público semanalmente, para que eles estejam atualizados sobre nós."

Tanto a CIPER quanto a Agência Pública oferecem a opção de receber doações únicas do público, mas ambos os meios concordam que seu foco principal são as contribuições recorrentes.

"Nosso esforço está concentrado principalmente em associações", disse Urquieta. "As doações têm um pico quando algo acontece, assim como as associações, mas a diferença é que uma doação é única, portanto não permite que você faça projeções."

De acordo com o relatório de receita da CIPER de 2022, naquele ano o meio de comunicação recebeu mais de 290 bilhões de pesos chilenos (cerca de 308 mil dólares) em doações recorrentes dos membros da Comunidad +CIPER. No mesmo ano, as doações únicas dos leitores totalizaram pouco mais de 10 milhões de pesos chilenos (US$ 11,3 mil).

Bruno disse que as doações recorrentes também são o modelo de negócios do qual a Agência Pública mais depende, e é por isso que seus esforços estão concentrados em atrair leitores para participar do programa Aliados.

"A Pública também é financiada por outros meios, mas quando se trata do relacionamento com nossos leitores, preferimos e optamos por doações recorrentes, o que não significa que não apelemos para doações únicas", disse ela.

Este ano, como parte da cobertura do 60º aniversário do golpe militar no Brasil, o meio de comunicação começou a experimentar a colocação de QR codes nas manchetes de suas newsletters, convidando as pessoas que foram impactadas por seu trabalho jornalístico a fazer doações únicas. Bruno disse que elas não descartam a possibilidade de colocar esses códigos em algumas histórias em coberturas futuras.

Um dos maiores obstáculos para jornalistas jovens e empreendedores que decidem iniciar um meio de comunicação é a captação de recursos, de acordo com a organização regional de jornalismo Distintas Latitudes. Com isso em mente, em 2021 a organização formou a Coalizão LATAM, uma estratégia para ajudar um grupo de pequenos meios de comunicação em vários países da América Latina a crescer coletivamente.

Instagram post showing the logos of the newsrooms that make up the LATAM Coalition.

Um dos objetivos da Coalizão LATAM, formada por redações de vários países, é buscar coletivamente novas fontes de financiamento. (Foto: Instagram de Distintas Latitudes)

A Coalizão LATAM, que, de acordo com seu site, foi inspirada na Aliança de Meios da Rede de Periodistas de a Pie, do México; e na Aliança Rebelde, formada pelos meios digitais Tal Cual, Runrunes e El Pitazo, da Venezuela, busca o intercâmbio de experiências, o estabelecimento de alianças editoriais e a implementação de um modelo comum de sustentabilidade financeira.

Esse modelo consiste em uma campanha de financiamento coletivo no Patreon, na qual jornalistas membros da Coalizão oferecem conteúdo, assessoria ou serviços (como consultoria ou workshops) em troca de doações que são distribuídas mensalmente entre os 10 meios da Coalizão.

"É um apoio significativo, pois com esse valor cobrimos, por exemplo, o pagamento anual do nosso site, ou também serve como dinheiro pequeno para usá-lo para anunciar uma história nas redes sociais", disse à LJR Emma Ramos, uma das diretoras do La Antígona, do Peru, um dos membros da Coalizão LATAM. "Quando os fotojornalistas têm tarefas externas ou um evento que temos que cobrir, também usamos [esse fundo] para transporte.”

Os meios consultados concordam que as campanhas de financiamento coletivo funcionam melhor quando há uma meta definida e um prazo para cumpri-la. A CIPER realizou campanhas pedindo quantias específicas de membros antes de uma determinada data, quase sempre no âmbito de um evento, como em seu aniversário, disse Urquieta.

Em outra ocasião, o meio chileno pediu a seus leitores que doassem para a compra de computadores de última geração para sua redação. A publicação de contadores no site e gráficos do progresso da arrecadação de fundos nas redes sociais incentiva as doações, acrescentou ela.

Da mesma forma, no ano passado, a Agência Pública lançou uma campanha para angariar dois mil assinantes e, assim, ter recursos para produzir a "Caixa-Preta do Bolsonaro", uma série que investigou o que estava escondido por trás da classificação imposta pelo ex-presidente Jair Bolsonaro a centenas de documentos com informações públicas.

"Essas campanhas são muito eficazes porque aumentam o senso de pertencimento e o senso de urgência", disse Bruno. "Com campanhas que têm um prazo, é quando percebemos que [os leitores] se sentem mais envolvidos e estão cientes de que estão se juntando a algo com um propósito específico."

La Antígona também recorreu a esse tipo de campanha no início de 2023 para arrecadar fundos para comprar equipamentos de proteção para seus jornalistas que cobriam as marchas contra a presidente Dina Boluarte, nas quais houve relatos de violência contra jornalistas. O meio de comunicação peruano usou as redes sociais para convocar os cidadãos a apoiá-los nessa causa e conseguiu arrecadar fundos para a compra de capacetes e máscaras de gás, disse Ramos.

"Vimos alguns colegas que já haviam sofrido esse tipo de incidente, atacados por um projétil ou por um policial", disse Ramos. "Então dissemos que não queríamos que a mesma coisa acontecesse com nossos colaboradores, e é por isso que recorremos a eles, se pudessem nos ajudar, dando-nos nosso número de conta e nosso número de telefone.”

A campanha da "Caixa-Preta do Bolsonaro" foi projetada para apelar para o desejo dos brasileiros de recuperar o direito de acessar informações que Bolsonaro havia restringido. Para a equipe da Agência Pública, apelar para as emoções dos leitores é altamente eficaz.

"Eles compartilhavam conosco o desejo de recuperar o acesso à informação, à informação livre, que é um direito básico para uma democracia saudável e que nos foi parcialmente tirado", disse Bruno. "Um dos motivos do sucesso dessa campanha, creio eu, foi o fato de nossa comunicação ter sido totalmente direcionada aos sentimentos deles. Nós nos sintonizamos com os sentimentos do público da Pública".

Estabelecer um relacionamento caloroso e atencioso com os assinantes ou doadores de um meio de comunicação é outra forma de apelar para as emoções que a CIPER colocou em prática.

"Nós nos concentramos muito em construir uma forma de comunicação com eles que não seja tão séria, como a comunicação que temos na CIPER", disse Urquieta. "Somos muito mais carinhosos. Nós ligaramos para eles se perguntam algo, se têm um problema e não conseguem continuar, nós conversamos com eles. Temos uma lógica de que eles fazem parte da equipe, que sem eles não há equipe".

Para se comunicar com assinantes ou possíveis assinantes, todos os canais de comunicação existentes na mídia podem ser usados. Isso inclui redes sociais, email e telefone, mas também canais mais sofisticados, como encontros virtuais, de acordo com a experiência da CIPER e da Agência Pública.

Além de ter um endereço de email específico para os membros e uma pessoa dedicada para atender às ligações telefônicas, a CIPER abriu recentemente um grupo de WhatsApp para os membros, no qual é enviado material para compartilhamento. Em uma semana após sua abertura, mais de 200 membros se juntaram ao grupo, disse Urquieta.

Além disso, o meio de comunicação realiza uma reunião virtual mensal com seus membros chamada Café con CIPER, onde eles discutem as investigações da CIPER, como elas foram conduzidas e as principais descobertas, entre outros temas.

A Agência Pública também conversa com seus doadores sobre os "bastidores" de suas reportagens por meio da newsletter semanal exclusiva para "aliados". De acordo com Bruno, nessa newsletter a Pública tem uma comunicação mais direta e individualizada com eles.

"Nossas newsletters são uma ferramenta muito poderosa para atingir esse público porque entendemos que esse público optou por receber nossas newsletters em suas caixas de entrada", explicou. "Eles já estão mais próximos de nós, no que consideramos 'o meio do funil [de aquisição de assinantes]'. Podemos ter um tipo diferente de comunicação.

Uma das principais lições aprendidas pelos meios beneficiários do programa de aceleração do Velocidad Fund, dirigido pela SembraMedia e pelo Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ, na sigla em inglês), é a vantagem de ter um jornalista na função de editor de audiência ou editor de comunidade. Ou seja, um jornalista encarregado de gerenciar a interação com os leitores e os esforços para financiar o veículo por meio deles.

"O mais importante é que [um editor de audiência] tenha uma visão jornalística e, portanto, entenda como dizer aos nossos parceiros o que estamos fazendo, que são questões de interesse público. Às vezes, um financista não consegue entender isso muito bem", disse Urquieta. "As pessoas se sentem tranquilas e confiantes de que estão conversando com um jornalista da CIPER, que está olhando para o lado comercial, mas que faz parte de uma equipe que entende no que estamos trabalhando. Não estamos tentando lhes vender detergente.”

Na CIPER, a editora de audiência faz parte da equipe de sustentabilidade, que é composta por cinco pessoas – quatro jornalistas e uma designer. Essa equipe representa um terço do total de 13 funcionários.

No caso de La Antígona, que tem 14 funcionários, são as próprias diretoras que fazem parte da equipe de sustentabilidade.

"Tudo o que diz respeito ao financiamento é tratado pelo Conselho Diretor. Tentamos nos reunir uma vez por mês para analisar o caixa pequeno, as despesas, as receitas e os gastos", disse Ramos.

 

Quando se trata de atrair assinantes para um meio de comunicação ou manter os já existentes, as redes sociais são grandes aliadas, na opinião de Urquieta. Ela disse que a CIPER recentemente se aventurou no TikTok para atingir um público jovem. No entanto, eles perceberam que muitos de seus associados atuais estavam nessa rede social. Isso levou a equipe de sustentabilidade a considerar a possibilidade de investir na promoção de conteúdo no TikTok, como fazem em outras plataformas digitais.

"Temos [posts pagos] no Facebook e no Instagram, que é o que funciona melhor para nós, mas também estamos vendo que há várias pessoas no TikTok comentando que estão interessadas em se associarem ou que são associadas, então talvez estejamos analisando a possibilidade de investir algo lá também para ver como nos saímos", disse ela.

Desde 2022, a CIPER tem postado vídeos no TikTok nos quais os jornalistas falam sobre as principais descobertas e a relevância de suas investigações e convidam o público a se juntar à Comunidad +CIPER para possibilitar mais histórias.

Embora as campanhas digitais para atrair contribuições possam ser muito eficazes, não há nada como os eventos presenciais em que uma redação pode ficar cara a cara com seus leitores, acredita Bruno.

A jornalista disse que nas recentes mesas-redondas e séries de debates que a Agência Pública realizou para seu 13º aniversário, eles tiveram uma taxa de recrutamento de novos "aliados" semelhante à taxa de conversão de uma de suas campanhas de newsletter no ano passado.

"A boa reunião presencial ainda é muito eficaz, porque a taxa de conversão de um evento ao vivo é muito alta", disse Bruno. "É claro que um evento requer mais energia e mais esforço, mas [...] no evento temos uma oportunidade de ouro para conversar com nossos assinantes, com nossos 'aliados', para fazer pesquisas de público. É uma oportunidade muito valiosa para estreitarmos nosso relacionamento com eles e conhecê-los melhor, para que possamos aprimorar o programa."

Por sua vez, o CIPER realizou por três anos consecutivos o Festival +CIPER, Jornalismo para a Cidadania, um evento presencial em aliança com o Centro de Pesquisa e Projetos de Jornalismo da Universidade Diego Portales que busca aproximar as pessoas do trabalho jornalístico do veículo por meio de painéis e discussões.

O evento também inclui oficinas para cidadãos sobre temas relacionados ao jornalismo ou a uma das investigações do meio. Nesses workshops, disse Urquieta, as pessoas têm a oportunidade de aprender sobre a relevância do trabalho do CIPER em suas vidas e, portanto, considerar apoiá-lo.

"Há pessoas que talvez não o conheçam ou que já ouviram falar de você, mas é diferente ouvir você falar sobre isso, fazer perguntas", disse ela. "Também acho que é importante fazer o máximo que pudermos, pois como somos uma equipe pequena, não podemos ir a muitas coisas.”

10. Prestar atenção às métricas, não apenas à sua intuição

Organizações de apoio a meios de comunicação, como a SembraMedia, argumentam que, para aumentar o impacto do conteúdo jornalístico e criar um modelo de sustentabilidade eficaz, é essencial adotar uma mentalidade de produto. E uma parte crucial dessa mentalidade é a atenção às métricas.

Bruno disse que na Agência Pública elas estão constantemente testando e analisando as métricas de suas plataformas para encontrar melhores estratégias de engajamento de "aliados". Para Bruno, entender as métricas é uma forma de ouvir o seu público.

"Temos que confiar em nossa intuição, mas também temos que ouvir nosso público, algo que os jornalistas às vezes não fazem muito bem. Ouvimos as fontes, mas não ouvimos o público", explica ela. "Portanto, estamos aprimorando as ferramentas para ouvir o público e entender o que ele quer.”

Traduzido por Carolina de Assis
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