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Além da representatividade, é preciso aumentar a sensibilidade nas redações, diz Gina Chua

A pergunta “O que é notícia?” orientou a intervenção da jornalista Gina Chua no segundo dia do 23o Simpósio Internacional sobre Jornalismo Online (ISOJ). Com mais de 30 anos de carreira, a atual editora executiva da Reuters muito em breve iniciará uma nova fase como editora executiva na startup de mídia Semafor, que tem previsão de lançamento online global no segundo semestre de 2022, segundo reportagem do jornal The New York Times.

Chua iniciou sua fala com provocações sobre o uso da tecnologia na indústria de notícias. Usando como exemplo as empresas Uber e Waze, que, segundo ela, “revolucionaram o sistema de transporte urbano” por meio do uso de dados de mobilidade dos usuários, a jornalista ponderou como seria se as empresas de mídia repensassem seus processos e a produção de notícias usando a mesma lógica.

“Tivemos várias inovações e vimos algumas delas no palco [no ISOJ] e há várias pessoas na sala que trabalham com inovações. E houve vários grandes aprimoramentos na narrativa, nos gráficos, na distribuição, multimídia… Mas o que poderíamos fazer se realmente começássemos do zero? E se realmente pensássemos sobre a estrutura da infomação e as necessidades de nossos públicos e nossas comunidades?”, questionou Chua.

“Em outras palavras, por que estamos tentando usar as ferramentas da era digital para recriar os produtos que tínhamos na era pré-digital? Por que não estamos repensando nossos produtos completamente? De novo, isso seria como se a Uber decidisse aprimorar a central de táxis”, brincou.

Chua argumentou que é importante repensar o que é notícia a partir das necessidades do público e da comunidade que está sendo servida pelo jornalismo produzido por cada meio de comunicação. E, nesse sentido, é importante jogar luz sobre quem são as pessoas que estão liderando estes processos.

“Qual é a definição de notícia? Um cachorro morder um homem não é notícia (...) Um homem morder um cachorro é notícia, certo? É incomum. (...) Mas o que é normal? Quem decide o que é normal? O que é incomum para você não é incomum para mim, e historicamente, as pessas que têm determinado o que é incomum são pessoas de um certo grupo demográfico, e isso precisa mudar. Por isso a representatividade é importante, mas também por isso a sensibilidade é importante no processo de distinguir as notícias”, disse ela.

“Você precisa encontrar novas perspectivas, isso é muito importante, e você precisa decidir o que é normal, para que você possa decidir o que é anormal, e isso é o que torna algo digno de ser noticiado. E a melhor medida do que é normal é o que a sua comunidade considera normal, e é aí que você precisa se aproximar da sua comunidade”, explicou.

Ela comentou que muitas vezes algo é “normal”, “comum”, mas isso não significa que não deva ser noticiado – muito pelo contrário. É o caso das altas taxas de assassinatos de pessoas negras por policiais nos Estados Unidos, exemplificou ela. E o questionamento do que torna algo digno de ser noticiado tem ainda mais valor em um ambiente digital de produção de notícias.

“Em uma era digital, podemos atrair e entender diferentes públicos. Isso também nos dá a capacidade de trazer múltiplas perspectivas para as histórias, de modo que podemos sinalizar as narrativas predominantes e as contranarrativas para nossos diferentes públicos. Só para deixar claro, não tem nada de errado em se concentrar em um público e servi-lo bem. Mas o serviço ao público melhora quando você fala sobre outras perspectivas também”, disse Chua.

Neil Chase, CEO do site CalMatters, de cobertura local do estado da Califórnia, nos Estados Unidos, foi o mediador da palestra de Chua. Após a fala da jornalista, ele a questionou sobre como ela pretende abordar a questão da representatividade em seu novo cargo na Semafor.

“Representatividade importa sim e acredito que não fizemos o suficiente como indústria tanto para colocar mais pessoas diversas dentro das redações como para, e isso é mais importante, colocá-las em posições de influência”, respondeu Chua.

Mas apenas a representatividade não é o suficiente, continuou a jornalista, que é uma mulher transgênero.

“Você pode tentar, mas é muito difícil ter uma pessoa de cada [grupo] em uma redação, e é um fardo muito grande para uma pessoa só. A Reuters não pode chegar para mim e dizer ‘ei, estamos escrevendo uma reportagem sobre questões trans, o que você acha?’ Não é o meu papel representar toda a comunidade [trans]. Sim, eu posso ter mais sensibilidade para este tema do que outras pessoas. Mas isso não seria justo. Não seria justo comigo, com a organização, nem com a comunidade trans”, explicou.

Por isso é importante que toda a redação seja mais sensível a questões diversas, disse Chua, inclusive para melhor discernir o que é notícia. “O que precisamos fazer como indústria é desenvolver mais sensibilidade, para que se entenda que há perguntas que precisam ser feitas e que não se deve presumir nada, para que as pessoas peçam ajuda e tentem entender os recursos que existem para cobrir essa questão. (...) É melhor que todos sejamos treinados para compreender que nosso ponto de vista não é o único ponto de vista (...) e eu acho que isso tem a ver com repensar o que se considera notícia”, disse ela.

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