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As histórias de três jornalistas sul-americanos cobrindo a guerra na Ucrânia

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  • 23 março, 2022

Por Gabriel Bonis

Quando os bombardeios a Kiev se intensificaram durante os primeiros dias da invasão russa à Ucrânia, a jornalista argentina Sol Macaluso precisou deixar a cidade junto com seus colegas. Por cinco dias, ela viajou pelo país europeu até chegar a Lviv, cidade próxima da fronteira com a Polônia. No caminho, foi ajudada por civis ucranianos. 

“A solidariedade deles me impressionou demais. Paramos nas casas de muitas famílias que não nos conheciam, mas nossos fixers pediram para eles nos hospedarem. Todos nos receberam com um sentimento de aquecer o coração. É insano como o país deles estava sob ataque e ainda assim eles eram tão gentis”, conta ao LatAm Journalism Review (LJR).

A maneira como os ucranianos reagiram a uma situação tão grave, enfrentando bombardeios, fome e medo também chamou a atenção da chilena Mariana Diaz. “O sofrimento do povo, a incerteza, o frio... tudo foram experiências no limite da resistência. Fiquei impressionada como eles permaneceram fortes, apesar de seu mundo desmoronar.”

O brasileiro Yan Boechat, por outro lado, se surpreendeu com o despreparo de Kiev para a intensidade da guerra que atingiu a capital ucraniana. Além disso, o jornalista destaca que o conflito ganha mais destaque internacional por ocorrer na Europa e atingir civis europeus. “Isso tem um impacto grande na opinião pública ocidental. Estive na guerra da Etiópia, onde muita gente morreu, mas ninguém quis saber daquele conflito”, afirma. 

Trazer análises como essas e informações coletadas in loco para o público ao redor do mundo são tarefas cruciais do trabalho de jornalistas em áreas de conflito. Ainda mais desafiador é cumprir essas obrigações em um ambiente hostil, buscando obter dados precisos e fugir de narrativas oficiais. 

Neste contexto, Diaz, Boechat, e Macaluso, jornalistas de três países sul-americanos e com diferentes tipos de experiência profissional, relevam ao Knight Center for Journalism os desafios que enfrentaram na linha de frente da cobertura da guerra na Ucrânia, que já forçou 3 milhões de pessoas a fugirem do país, segundo a ONU

Começo cheio de desafios

woman in green puffy jacket with microphone speaking in Ukraine

A argentina Sol Macaluso na Ucrânia: 12 horas de trabalho por dia (Crédito: cortesia)

A cobertura da guerra na Ucrânia é o primeiro grande evento da carreira de Macaluso, que se formou em jornalismo em Buenos Aires no começo de 2020. Pouco depois, se mudou para a Espanha, onde passou a trabalhar como correspondente de emissoras de televisão argentinas e como freelancer para a produtora Quality Producciones - empresa que a enviou para Ucrânia em janeiro desde ano.

“Achei que era uma grande oportunidade para me envolver com a situação e ganhar experiência. Estava ciente de que uma guerra poderia acontecer, mas é claro que a teoria e a expectativa eram diferentes da realidade que vivemos agora”, diz. 

Em meio ao conflito, cada dia traz novos desafios para Macaluso, que tem aprendido rápido a lidar com as diferentes demandas dos canais de televisão que a contratam. “Cada emissora quer uma forma de comunicação e tem horários diferentes. Então, cada um deles requer um certo tempo para se preparar e entregar o que me pedem.” 

woman standing in front of monument with a camera and wearing a jacket in Ukraine

Repórter chilena Mariana Díaz: colaboração para TV, rádio e jornais (crédito: cortesia)

Aos 37 anos, Diaz já tinha bastante experiência com coberturas desafiadoras. A jornalista chilena, formada em 2010 pela Universidade La Sapienza em Roma, cidade onde vive desde 2003, cobriu terremotos, desastres naturais e atentados terroristas. Ainda assim, estar em uma guerra de larga escala foi uma novidade. 

Durante sua carreira, Diaz trabalhou como apresentadora e jornalista do canal de TV italiano Babel tv e na revista geopolítica LookOut News. No Chile, foi freelancer para La Tercera, Adn Radio, Revista Caras e atualmente correspondente do Canal 13.

A jornalista ficou na Ucrânia durante três semanas e esteve no país em duas ocasiões. A primeira ocorreu no final de janeiro de 2021, quando o conflito ainda estava confinado à região de Donbass. A segunda passagem veio em Kiev, em 23 de fevereiro. 

“Cheguei de avião, com um dos últimos voos antes de fecharem o espaço aéreo. Estava hospedada na praça Maidan, mas depois do bombardeio os funcionários do hotel foram embora. Tive que me mudar para uma estrutura mais segura, ficando em um abrigo na área de Podil, ainda na capital”, conta.

Na Ucrânia, a jornalista trabalhou para o Canal 13, além de algumas emissoras de rádio e jornais. “O mais complicado foi trabalhar para a televisão, pois isso implica imediatismo e elaboração de imagem, dois elementos difíceis de conciliar em território de guerra. Sair para gravar na rua era arriscado, principalmente porque não tinha a proteção de colete à prova de balas ou capacete e a conexão com a internet falhava frequentemente.”

Mais uma cobertura na Ucrânia

Boechat, que trabalhou em áreas de conflito como Síria e Iraque, está em sua quinta passagem pela Ucrânia. O jornalista brasileiro chegou ao país de avião pouco antes de a guerra começar, mas já havia coberto a guerra civil no leste do país. “As precauções que adotei são as de sempre: tomar cuidado e usar equipamento de segurança”, conta.

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Jornalista brasileiro Yan Boechat faz de tudo: foto, vídeo, texto, segurança, logística: "nenhum orgulho de ser multiplataforma  (Crédito: cortesia)

Nas últimas semanas, Boechat esteve em Donbass, Kharkiv, Kiev, entre outras regiões. O jornalista tem trabalhado como freelancer para a Voice of América, a TV Bandeirantes e o jornal O Globo (os dois últimos veículos brasileiros).

Durante a atual cobertura, sua fixer em Kiev fugiu durante os primeiros dias da guerra, levando equipamentos de segurança. Com isso, o brasileiro precisou deixar a capital ucraniana até conseguir outro colete e um capacete. Mas mesmo com essas precauções, diz, a situação é “aleatória, principalmente com artilharia. Se estiver tendo bombardeio, o ideal éprocurar um abrigo. Um lugar onde você consiga se proteger e ficar com a cabeça coberta. Se não tiver, é deitar no chão”, aconselha. 

Macaluso precisou aprender em campo como se proteger. Ela tem um capacete, mas ainda não precisou usá-lo porque não está na linha de frente constantemente. “Mas é difícil porque esse equipamento não te protege de bombardeios. E alguns colegas morreram por causa disso nos últimos dias.”

Segundo a ONG Committee to Protect Journalists, ao menos quatro jornalistas morreram em 2022 enquanto trabalhavam na cobertura da guerra. Entre eles estão Brent Renaud, da TIME, e o operador de câmera Pierre Zakrzewski, da Fox News.

Dificuldades em campo

O ambiente perigoso não é o único obstáculo e desafio para os jornalistas na Ucrânia. A logística da cobertura tem sido muito complexa, explica Boechat. Os trens ainda funcionam em partes do país, mas o brasileiro teve que arrumar um motorista particular. 

Por outro lado, o motorista, não fala inglês nem russo. Eles se comunicam via Google Translate. Ele também não tem experiência em conflito e não possui equipamento de segurança. “Há poucos dias, a gente foi muito bombardeado em uma área aberta no meio do mato, onde não tinha como se esconder. O motorista não foi buscar a gente. Um colega dele veio fazer a nossa evacuação”, afirma Boechat.

Para evitar problemas técnicos, o brasileiro trouxe três câmeras, três microfones e dois gravadores. “Faço tudo aqui: vídeo, entrevista, logística, trato imagem, faço foto, escrevo texto para jornal e para televisão. Sou causa e consequência da pauperização do jornalismo. Não tenho nenhum orgulho de ser multiplataforma”, reclama. 

Macaluso acrescenta que os desafios ainda incluem a pressão de trabalhar mais de 12 horas por dia. Além disso, a visibilidade que ganhou durante o conflito lhe rendeu críticas online, que ela tem tentado ignorar para focar no seu aperfeiçoamento. “Tem sido difícil, mas estou fazendo o meu melhor. E se as televisões estão me chamando, deve ser por um motivo. Espero ainda melhorar e realizar tudo o que meus clientes me pedem.”

De volta a sua base em Roma, Diaz acredita a que a experiência na Ucrânia a fez perceber sua capacidade de adaptação, resistência física e a calma mental que precisou manter em uma situação complexa e sob tensão constante. E isso a ajudou a desempenhar um papel que considera fundamental nessa guerra: reportar com objetividade e trazer informações confiáveis ao público.

“É através dos jornalistas in loco que se mantém o pulso da situação. São eles que contam ao resto do mundo o que está acontecendo nas ruas das cidade. Se há comida, água, bombardeios, quantos, como, onde. Eles também mantêm contato próximo com a população local”, afirma. 

Boechat complementa que os jornalistas em guerra “sempre são vistos como instrumento de propaganda, independente do lado”, mas a Ucrânia tem garantido acesso aos profissionais de comunicação - ainda que sejapara se mostrar como agredida. “Se a gente tem acesso, conseguimos contar as coisas sem esse viés. A gente faz o rascunho da história mais ou menos, ainda que muito frágil. A gente consegue escapar do discurso oficial puro e simples, mas ao mesmo tempo a gente tem acesso a onde os ucranianos querem que a gente tenha acesso.”

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