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Cobertura do linchamento de um homem negro no Maranhão levanta debate sobre papel da mídia no estímulo à violência

O recente linchamento de um homem negro de 29 anos em São Luís do Maranhão e o tratamento dado por veículos de comunicação à notícia levantou um debate sobre como a mídia cobre e sensacionaliza a violência.

De forma mais ampla, também gerou discussões sobre raça, crime, justiça com as próprias mãos e impunidade no Brasil.

No dia 6 de julho, residentes de São Luis prenderam Cleidenilson Pereira da Silva nu em um poste e o agrediram até a morte com pedras e garrafas, de acordo com o site do Estado de Minas. Ele e um adolescente foram acusados de tentar assaltar um bar. O adolescente também foi agredido.

Algumas das matérias que informavam sobre a morte foram acompanhadas de fotos em close de Cleidenilson ainda amarrado ao poste e completamente ensanguentado. A imagem foi borrada sobre a região de seu corpo nu. O adolescente é mostrado algemado e deitado ao chão.

Boa parte do debate ficou centrado na capa do dia 8 de julho do jornal carioca Extra, do grupo Globo, o maior conglomerado de mídia do Brasil.

A primeira imagem é a pintura “L’exécution de la Punition du Fouet” (“Execução da pena da chibata”), de Jean-Baptiste Debret, que mostra um escravo amarrado a um tronco sendo chicoteado enquanto outros homens olham em uma praça da cidade em 1800. É uma das muitas pinturas de Debret feitas durante sua visita ao Brasil.

A segunda imagem é uma foto de Cleidenilsen, no chão amarrado ao poste por uma corda. A foto foi tirada atrás do poste, deixando a maior parte do corpo e do rosto da vítima coberta.

Nas duas imagens, a multidão olha os homens.

O título, dividido em dois blocos, um acima de cada imagem, diz "Do tronco ao poste".

E então a chamada do editorial: “Os 200 anos entre as duas cenas acima servem de reflexão: evoluímos ou regredimos? Se antes os escravos eram chamados à praça para verem com os próprios olhos o corretivo que poupava apenas os "homens de sangue azul, juízes, clero, oficiais e vereadores", hoje avançamos para trás. Cleidenilson da Silva, de 29 anos, negro, jovem e favelado como a imensa maioria das vítimas de nossa violência, foi linchado após assaltar um bar em São Luís, no Maranhão. Se em 1815 a multidão assistia, impotente, à barbárie, em 2015 a maciça maioria aplaude a selvageria. Literalmente - como no subúrbio de São Luís - ou pela internet. Dos 1.817 comentários no Facebook do EXTRA, 71% apoiaram os feitores contemporâneos.”

Não é comum que um jornal brasileiro publique este tipo de editorial na capa.

Planeta Osasco comentou que "em capa histórica, jornal estampa o atraso do Brasil".

Desde que o jornal postou a capa em sua página no Facebook, na quarta-feira (10), ela já tem quase 40.000 compartilhamentos e mais de 6.500 comentários.

Em um dos comentários, um internauta diz: “EXTRA vai defender bandido no quintos dos inferno. Ah 200 annos um negro apanhava por ser negro, não compare um bandido com um inocente. Sou contra esse tipo de atitude, mas essa comparação foi ridícula.” O comentário recebeu mais de 7.000 curtidas.

A revista Brasileiros publicou um artigo intitulado “O papel da mídia no duplo linchamento do Maranhão”, no dia 9 de julho, comentando o linchamento e a forma como veículos de mídia cobriram com sensacionalismo a violência.

O autor do artigo afirmou que a cobertura midiática “acentua a violência e degenera ainda mais a situação.” O artigo diz ainda que "a foto de um homem morto, amarrado como um animal ao poste, é o retrato de uma mídia que se supera no que diz respeito ao sensacionalismo e à cultura da violência. Desta forma a situação acabou se traduzindo em um duplo linchamento: aquele que de fato matou Cleidenilson e outro depois de sua morte, explorando sua imagem no poste".

A jornalista Maria Carolina Trevisan disse à Brasileiros que a imprensa contribui para situações que levam a este tipo de violência. “Os noticiários reforçam a ideia de que existe uma sensação de impunidade, então reforça o sentimento de vingança nas pessoas.”

Extra conversou com a madrasta de Cleidenilson sobre as fotos que mostravam seu enteado amarrado ao poste. “Está em todos os lugares, né (ela mostra um jornal que traz na capa a imagem do rapaz ensaguentado e nu). E é muito doído. Vocês não sabem como estava a cabeça do meu filho, toda quebrada, cheia de nó. Não aceito isso (Maria chora). Estava amarrado feito bicho. A indignação nem é tanto a morte, mas a forma como ela aconteceu.”

O jornal a questionou sobre comparações com a época da escravidão e ela respondeu: “Para mim, faz todo o sentido. É isso que a gente quer, pessoas amarradas no tronco, apanhando? Será que desejamos mesmo isso de volta? Não sei nem se essa gente é humana de verdade, porque é algo que não se faz.”

A polícia está investigando o assassinato de Cleidenilson e já identificou alguns suspeitos.

The police chief of the district, Jeffey Furtado, said ““Não é porque uma pessoa é traficante, homicida, seja o que for, que a população pode, usando suas próprias razões, matá-la. Isso é totalmente contra a lei,” Extra reported.

Pereira da Silva, que vivia em João de Deus, não tinha passagens pela polícia, segundo o Extra.

Extra informou ainda que, segundo veículos de notícia da região, desde janeiro de 2014, houve outros nove casos de justiçamento que terminaram em morte, no interior e na capital. Em 2015, já houve quatro assassinatos.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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