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Congresso peruano pode aprovar lei que proíbe publicidade estatal em meios privados

Nesta semana, o plenário do Congresso peruano pode aprovar uma lei controversa que proíbe a publicidade estatal em meios privados.

Congreso de la República del Perú, Lima, Perú.

Congreso de la República del Perú, Lima, Perú. [CC BY 2.0 (creativecommons.org/licenses/by/2.0), vía Wikimedia Commons.

A Lei 2133, também conhecida como “Ley Mulder” pelo nome de seu autor, o deputado pelo partido Aprista Mauricio Mulder, foi proposta em novembro de 2017 com o objetivo de controlar as despesas do Executivo em termos de publicidade oficial, para otimizar os gastos dos recursos do Estado.

Várias organizações da sociedade civil, como o Conselho Peruano de Imprensa, Transparencia, Proética e a Sociedade Nacional de Rádio e Televisão, conclamaram o Congresso a arquivar o projeto sobre publicidade estatal, segundo o Instituto Peruano de Imprensa e Sociedade (IPYS, na sigla em espanhol). Em uma declaração conjunta, eles disseram que a lei é inconstitucional e representa um sério ataque à liberdade de informação, opinião, expressão e disseminação do pensamento. "Se a norma for aprovada, será montado um cenário de censura indireta, banido pelo artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos", disse o comunicado.

De acordo com o jornal El Comercio, o presidente peruano Martin Vizcarra também não concorda com os procedimentos do Congresso sobre essa regra controversa.

"O Estado deve ter a facilidade de comunicar à população tudo o que é necessário para atingir os objetivos. O trabalho do governo exige o comprometimento da população e como alcançamos a população, se não por meio da mídia?”, disse o presidente, segundo El Comercio.

Vizcarra destacou como exemplos importantes questões de saúde, educação e segurança cidadã que devem ser divulgadas à população sem limitações, informou El Comercio. Ele citou como um dos objetivos de seu governo combater a anemia e a desnutrição infantis, e que desde as instituições do Estado farão todos os esforços necessários para alcançá-la, mas que isso deve ser comunicado à população, "para que a população conheça essas campanhas e se envolva e participe".

A vice-presidente da república, Mercedes Aráoz, disse ao jornal El Comercio que o governo deve apresentar uma reivindicação de inconstitucionalidade contra a "Lei Mulder", se a regra for aprovada pelo Congresso sem considerar as observações do Executivo.

Roberto Pereira, consultor jurídico associado do IPYS e advogado especializado em liberdade de informação, disse ao Centro Knight que existe apoio jurídico suficiente para que o Tribunal Constitucional declare fundamentada uma possível reivindicação de inconstitucionalidade que possa ser apresentada pelo Executivo, o Ministério Público, ou alguma associação profissional se a lei for promulgada pelo Congresso.

"O processo parlamentar deste projeto de lei também incorreu em vários vícios de inconstitucionalidade", disse Pereira em relação ao processo parlamentar que esta lei deveria ter seguido de acordo com a Constituição.

Com essa lei há uma dupla afetação, explicou Pereira. "Em primeiro lugar, o direito das pessoas de acessar informações oficiais é afetado, porque você está restringindo a possibilidade de acessar essas informações e, em segundo lugar, a obrigação do Estado de fornecer essas informações, que tem obrigações convencionais sob o direito internacional, segundo a Constituição, de fornecer informações, de agir de forma transparente, de operar de acordo com o princípio da máxima divulgação, e não de divulgação mínima, que é o que esta regulamentação pretende", disse ele.

Araoz, que também foi presidente do Conselho de Ministros até março deste ano, disse ao El Comercio que o projeto de lei foi observado pelo Executivo após uma análise técnica, porque desde o início partiu de pressupostos errados. Segundo a vice-presidente, em nenhum país democrático uma lei proíbe os governos de cumprir sua obrigação de informar o público através da mídia de massa sobre as ações do governo, informou o El Comercio.

"O Executivo deve defender sua jurisdição e dentro dela está realizar uma comunicação estatal adequada. Eu imagino que eles tomarão decisões em defesa do Estado e da lei", disse Araoz ao El Comercio. "Aqui estamos protegendo o direito dos cidadãos de serem informados e do próprio Estado de se comunicar", argumentou.

Por outro lado, Pereira afirmou que a contratação de publicidade pelo Estado é uma receita legal e legítima para meios privados. A tentativa de aprovar esta lei é sobre um "caso de usar o poder da regulação estatal para sancionar um grupo de mídia. É uma censura indireta", disse Pereira.

Gustavo Mohme, diretor do jornal peruano La República e presidente da Associação Interamericana de Imprensa (SIP), disse por email ao Centro Knight que esta lei é um exemplo claro de como a maioria parlamentar do Congresso, liderada pelo partido de Keiko Fujimori e o APRA, usa seu poder para legislar para punir ou recompensar a mídia.

Mohme explicou ainda que essa "iniciativa chavista" viola os princípios da liberdade de expressão da Declaração de Chapultepec e a Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão, entre outros documentos internacionais, que condenam a concessão ou supressão da publicidade estatal como instrumento de benefício ou prejuízo à mídia e aos jornalistas.

Além disso, "estabelecer que a propaganda oficial circule apenas nos meios públicos e nas redes sociais, cuja matriz de negócios é no exterior, é discriminatório contra a mídia privada peruana e afeta sua sustentabilidade", afirmou o presidente da SIP. Para Mohme, o que deve ser feito é que o Estado estabeleça critérios técnicos transparentes, efetivos e justos que sejam aplicados na contratação de espaços publicitários.

"No nível internacional, a mídia desempenha um papel central para a democracia, e essa atitude do Congresso, quando toda doutrina internacional indica que banir totalmente a publicidade estatal da receita da mídia privada é discriminatório e afetará sua sustentabilidade, coloca o Peru como um Estado em uma perigosa situação e em retrocesso em relação às liberdades fundamentais na região", disse o relator da Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Edison Lanza, em entrevista à emissora peruana RPP News.

Para o relator, essa lei é um ataque à mídia independente que desempenha um papel de controle e equilíbrio na sociedade. Da mesma forma, Lanza disse à RPP que isso afeta os direitos das pessoas que podem perder suas fontes naturais de informação, que são os meios privados. "Portanto, acho que pode-se interpretar, que o que este grupo de legisladores quer é um jornalismo dócil, um jornalismo que esteja sujeito a eles", disse ele.

O que o congressista Mulder propõe não é regulamentar os gastos com propaganda estatal, mas sim proibir a propaganda estatal na mídia privada, destacou o diretor executivo do Conselho Peruano de Imprensa, Rodrigo Villarán, ao Centro Knight.

"Esta é uma proposta muito perigosa porque, por um lado, oculta a intenção de punir a mídia e os jornalistas que têm sido particularmente críticos nos últimos meses, como um mecanismo de censura indireta, escondida sob o argumento de que o que se pretende é cuidar do bom uso dos recursos públicos, quando é evidente que não é esse o caso", declarou Villarán.

Neste contexto, o Conselho propõe como alternativa regulamentar a lei da publicidade oficial que está em vigor desde 2006. Segundo Villarán, a Lei 28874 atende às normas básicas sobre o assunto.

"Não nos opomos à regulamentação, porque acreditamos que a regulamentação é o melhor antídoto contra o uso discricionário da publicidade estatal para recompensar ou punir a mídia com base em sua linha editorial. Isso já está contemplado na lei de 2006", disse Villarán.

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