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Decisão da Corte Interamericana no caso Jineth Bedoya pode ser transformadora para jornalistas colombianos, afirma organização de liberdade de imprensa

Antes do final do ano, é esperado que a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) se pronuncie sobre sua decisão no caso da jornalista Jineth Bedoya Lima contra o Estado colombiano. O caso ganhou as manchetes dos meios de comunicação colombianos e internacionais devido ao impacto que a decisão teria sobre a proteção da liberdade de expressão e das mulheres jornalistas na região.

Bedoya Lima foi vítima de sequestro, tortura e violência sexual em maio de 2000 em retaliação por seu trabalho jornalístico. Na época, a jornalista investigava a morte de 26 internos e um suposto tráfico de armas dentro do presídio La Modelo, em Bogotá.

Durante os últimos 21 anos, apenas três pessoas foram condenadas por sua participação no crime. No entanto, toda a cadeia de comando do crime, que supostamente envolveria agentes do Estado, não foi condenada ou investigada.

Em 2011, a jornalista apresentou seu caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) após anos de impunidade por seu crime. Em maio de 2019, a CIDH decidiu encaminhar o caso à Corte Interamericana por considerar que o Estado colombiano não cumpriu as recomendações formuladas no relatório sobre o tema em 2019.

Periodista Jineth Bedoay Lima

Jineth Bedoya Lima durante o primeiro dia de audiência na Corte IDH, em 15 de marzo de 2021. (Captura de tela)

A audiência perante a Corte Interamericana, prevista para 15, 16 e 17 de março de 2021, foi marcada por um escândalo, após representantes do Estado colombiano alegarem uma suposta parcialidade por parte de alguns magistrados, razão pela qual recusaram 5 dos 6 juízes, e abandonarem a audiência. O fato causou grande indignação porque a decisão foi tomada logo após o relato detalhado de Bedoya Lima sobre seu crime e que gerou algumas mensagens de solidariedade dos juízes.

Embora a audiência tenha sido suspensa por uma semana, ela foi retomada com a presença do Estado novamente nos dias 22 e 23 de março. Há pouco mais de um mês, a Fundação para a Liberdade de Imprensa (FLIP) e a organização Cejil, encarregados da defesa de Bedoya Lima, entregaram as alegações finais à Corte Interamericana, a espera da decisão.

LatAm Journalism Review (LJR) conversou no mês passado com Jonathan Bock, Diretor Executivo da FLIP, sobre a importância deste caso para jornalistas da região e o impacto que tem para a Colômbia.

LatAm Journalism Review (LJR): Qual a importância de que esse caso chegue à Corte Interamericana para jornalistas da região em geral, mas também para os colombianos?

Jonathan Bock (JB): Sem dúvida, este é um caso marcante para a região por três motivos. Um, porque pode servir para gerar padrões que abordem questões de violência sexual em nível regional. Dois, porque também pode abrir um precedente importante justamente nas medidas de reparação que envolvem esse tipo de ataque, porque nunca antes havia chegado à Corte um caso que tivesse essa característica. E por último, porque se trata de mais um caso de liberdade de expressão, de agressões – havia ameaças prévias, e a falta de diligência do Estado para investigar anteriormente – mas também depois a responsabilidade que houve por parte dos funcionários do Estado no que ocorreu com o caso de Jineth.

[…]

O Tribunal também entendeu o caso dessa forma. Um dos comentários dos magistrados afirmava que era a primeira vez que havia um caso com essas características e que isso, no nível regional, é muito importante, por entender que é o mais alto tribunal de direitos humanos da região.

LJR: Algumas semanas atrás, foram apresentados os argumentos finais. Houve algum tema específico que foi enfatizado nessas alegações finais, com base no que foi dito pelo Estado e pelos juízes?

JB: Sim. Por um lado, reiteramos a importância da medida de reparação que significaria o fechamento do presídio La Modelo. Não só porque foi o local onde aconteceram os fatos, mas porque a prisão é há décadas um epicentro de ataques aos direitos humanos. E também de onde foram feitas alianças ilegais entre agentes do Estado e grupos ilegais, e que a resposta do Estado tem sido do tipo "é caro demais", sem pesar muitas outras coisas.

Também, é claro, a atitude negativa do Estado ao reconhecer o que aconteceu no dia dos acontecimentos. Porque a defesa do Estado se concentrou em dizer “nós reconhecemos as ameaças após 2011 e reconhecemos que houve uma revitimização de Jineth ao chamá-la 12 vezes para contar novamente e repetir o depoimento”. Mas isso é insuficiente. Além disso, isso é desconhecer o caso em si, que se trata de toda uma série e uma sucessão de eventos que se iniciam em 25 de maio de 2000 e que posteriormente tiveram capítulos diferentes, mas que esses capítulos não podem ser separados. E desconhecer, como o Estado fez, o que aconteceu naqueles dias e nos dias anteriores, é não querer reconhecer nada. Então isso também foi enfatizado.

LJR: Quando o Estado colombiano abandonou a audiência, isso claramente gerou muita indignação. Do ponto de vista de vocês, como representantes da vítima, qual foi a estratégia do Estado para fazer isso? O Estado achou que a Corte suspenderia indefinidamente a audiência e deixaria de julgar o caso?

JB: Bem, há mais perguntas e dúvidas do que respostas porque justamente o fato de esta audiência ter provocado uma reação inédita é um marco na forma como um Estado encara os fatos, é algo que acaba gerando muitas dúvidas. A primeira delas é justamente qual foi a estratégia do Estado? Porque, antes disso, também havia enviado outros sinais, talvez mais conciliatórios ou mais para se conformar com o que poderia ser também responsabilidade do Estado. Além disso, está comprovado, certo? Isto é, os fatos: o sequestro, estupro e a tortura de Jineth são comprovados. Então, toda essa tentativa de derrubar [o caso] era uma estratégia muito difícil de entender.

Jonathan Bock de la FLIP, Colombia. (Foto: Sebastián Comba / Cortesía)

Jonathan Bock, Diretor Executivo da FLIP. (Foto: Sebastián Comba / Cortesía)

Parece que é uma estratégia de muitas mãos, onde existem interesses diferentes, é o que entendemos. Mas sobretudo onde não há nenhum interesse em querer reconhecer o que aconteceu, por um lado, mas sobretudo em não querer aproveitar o processo para que isso sirva de alguma forma para um ato de transformação. E que isso seria também uma mensagem que o Estado envia às suas vítimas, de que não há espaço para cura nem para obter um espaço mais digno e um tratamento digno para as vítimas.

É muito surpreendente que tenha sido logo após o depoimento de Jineth, que também foi um depoimento em grande detalhe, que tenha sido um depoimento que despertou a empatia dos magistrados. Mas de forma alguma havia uma parcialidade por parte deles, nem que eles estavam prejulgando, não, eram apenas comentários de solidariedade e dignidade em relação a ela, e que tenha sido isso que tenha despertado essa indignação por parte do Estado e essa birra... insisto que deixa muitas perguntas e nada muito claro.

E aí depois do confronto, eles mostram a bandeira branca e tentam dizer "vamos conciliar, mas conciliamos fora da Corte", o que era totalmente absurdo. Nós entendemos e Jineth entende que este é o tribunal onde esse caso deve ser julgado. E o que o Estado oferece, como disse antes, é absolutamente mínimo e insignificante em relação a toda a magnitude do processo.

LJR: Por que você acha que este caso de Jineth Bedoya é tão sensível para o Estado colombiano? Talvez pela responsabilidade que isso acarretaria em outros casos?

JB: Bem, sim. É precisamente o que significa ser um caso histórico, que abordaria precisamente questões de violência sexual pela primeira vez. Entender que a violência sexual tem sido uma violação constante nas últimas décadas na Colômbia e está intimamente relacionada ao conflito. E também abrir essa porta para essa questão, que tem sido algo que o Estado não quis entrar –de entender, dimensionar ou assumir qualquer responsabilidade nesse sentido– porque acho que isso pode ser significativo também.

Acho que obviamente por se tratar de uma questão de gênero, por todas as peculiaridades da liberdade de expressão, do trabalho jornalístico, é fundamental. Então eu acho que é por isso que talvez [o Estado] tenha encontrado uma resposta tão agressiva na sua estratégia que depois teve que tentar, diante da mídia, aliviar um pouco, mas no processo ficou claro que era uma estratégia extremamente agressiva.

LJR: Caso o Tribunal não decida a favor de Jineth, embora vários especialistas tenham afirmado que isso não vai acontecer, o que isso significaria em termos jurídicos?

JB: Este já é o encerramento. E também deve ter um encerramento após 20 anos. E esta é a aposta máxima, digamos. E aí insisto num ponto de que falaram as peritas especialistas em medidas de reparação e não repetição que é como o próprio processo é importante. Para além da sentença e das decisões –e se o Estado as cumpre, não as cumpre, cumpre melhor ou pior– é que o processo deve ser utilizado para ser transformador, como dizia antes.

E fico com isso porque muitas vezes acredito que o Estado colombiano pecou justamente por negligenciar esse aspecto tão importante e não dar atenção à dignidade que esses espaços e esse tempo deveriam ter.

É preciso entender que são 20 anos! E aí o Estado continua sem querer dar um pouco desse espaço e atendê-la dessa forma.

LJR: O que está por vir nesses meses? Há algo importante a acrescentar?

JB: Acho que agora o que está por vir –as denúncias já foram apresentadas– esperamos que entre outubro e novembro deste ano já haja uma decisão final. Essa atitude agressiva é preocupante, o que leva ao entendimento de que o Estado não vai receber a decisão da Corte de forma satisfatória. E então continuariam jogando uma estratégia que está completamente errada, eu acho. E isso colocaria a Colômbia em um espaço muito, muito negativo diante da sua responsabilidade ao longo deste processo.

Então eu acho que o que vai acontecer nos próximos meses, é importante que a Colômbia defina sua política e estratégia nesse tipo de caso. Se vai ser mais parecida com um olhar míope e instantâneo, ou se o país finalmente vai aceitar em se olhar no espelho e reconhecer tudo isso que aconteceu.

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