A crise de segurança para os jornalistas no México é crítica. O ano de 2022 já é considerado o mais mortífero para a imprensa do país desde que se tem registro, com 15 jornalistas assassinados até setembro.
Em uma coluna para o Washington Post no início deste ano, a jornalista estadunidense Katherine Corcoran escreveu sobre como os jornalistas mexicanos estão divididos entre a frustração e a raiva pela morte de seus colegas e o entendimento de que jornalistas nunca devem se tornar a notícia.
Além disso, de acordo com Corcoran, dada a impunidade que reina no México, também não se pode esperar muito das autoridades.
Se há alguém que pode fazer alguma coisa para mudar o cenário violento para a imprensa, é a sociedade. E os jornalistas mexicanos precisam urgentemente fazer com que a sociedade compreenda e valorize seu trabalho, para que seja a sociedade a exigir condições de segurança para a imprensa.
"Temos que explicar melhor ao nosso público o que fazemos e por que [o jornalismo] é diferente de outros tipos de informação, o que um jornalista faz e quais são os padrões, a ética, a forma como conseguimos que nossas histórias sejam mais transparentes, mas também temos que explicar ao público nosso papel na manutenção da liberdade de expressão", disse Corcoran à LatAm Journalism Review (LJR).
Corcoran, que foi chefe do escritório da Associated Press para o México e a América Central por cinco anos, acredita que no México existe historicamente uma desconfiança da sociedade em relação à imprensa e que muitas pessoas desconhecem a importância do jornalismo para a sobrevivência da democracia, ao contrário do que ocorre em outros países.
"Com tanta informação e com esta confusão de fontes, de fake news, tudo isso, perdemos a conexão com nossos públicos, no sentido de que eles não nos conhecem", disse Corcoran. "Penso que quase a única coisa que pode ajudar os jornalistas em questões de segurança é o apoio do público, que eles exijam que possamos fazer nosso trabalho com segurança e sem assédio".
A melhor maneira de ganhar esse apoio da sociedade, diz ela, é tão simples quanto fazer histórias que façam as pessoas verem o impacto que o bom jornalismo pode ter em suas vidas diárias.
"Se você tiver um repórter de confiança que publica as histórias certas e histórias com impacto, acho que com isso crescerá a confiança nos jornalistas e no jornalismo como forma de ajudar e não prejudicar as pessoas", disse ela.
Corcoran escreveu o livro "In the Mouth of the Wolf: A Murder, A Coverup and the True Cost of Silencing the Press" (“Na boca do lobo: um assassinato, um encobrimento e o verdadeiro custo de silenciar a imprensa”, em tradução livre), que será lançado mundialmente no dia 18 de outubro. O livro trata do assassinato da jornalista mexicana Regina Martínez em 2012 no estado de Veracruz, e do impacto que o desaparecimento de vozes críticas pode ter sobre uma sociedade.
Segundo Corcoran, o caso Martínez revelou a parcela de responsabilidade que o jornalismo tem tido na violência contra os comunicadores. A autora disse que, em vez de investigar minuciosamente, a mídia na época se encarregou de divulgar o discurso das autoridades que estigmatizava os jornalistas assassinados como corruptos e atribuía suas mortes ao fato de supostamente "estarem no mau caminho".
"Esse era o roteiro do governo e foi muito eficaz, porque jornalistas também o repetiram", disse. "Entre correspondentes internacionais como eu, houve uma campanha do governo federal para nos dizer que ‘[os jornalistas assassinados] não são jornalistas como você, você tem que entender que eles não têm padrões, são corruptos, etc’. E não houve informações em contrário, não houve investigações".
No entanto, Regina Martínez tinha uma reputação comprovada de ética e coragem a nível nacional. A jornalista, que era correspondente da revista Proceso em Veracruz, ficou conhecida por publicar histórias revelando corrupção e abusos por parte das elites do poder local e federal. Entre seus trabalhos mais emblemáticos estavam sua investigação de 2007 sobre o estupro e o assassinato de uma mulher indígena de 72 anos por membros do Exército mexicano, bem como múltiplas reportagens sobre casos de corrupção e violência durante as administrações dos governadores Fidel Herrera e Javier Duarte.
"O assassinato de Regina foi a primeira vez que ficou claro para nós que era um assassinato para silenciar uma jornalista, porque todos sabiam que Regina não aceitava 'chayote' ou subornos [...]. Ela também fez histórias muito fortes que outros jornalistas não queriam tocar", disse Corcoran. "Ela era conhecida nacionalmente porque era uma jornalista de ética muito forte, destemida.”
Embora nunca a tenha conhecido pessoalmente e só tenha falado com ela algumas vezes ao telefone, Corcoran lembra que Martínez foi colaboradora da AP por algum tempo, posição na qual ela mostrou suas qualidades profissionais.
"Os padrões da AP são muito altos. Portanto, para colaborar com a AP é preciso ser este tipo de jornalista, que naquela época não havia muitos no México e muito menos nos estados [fora da capital]", disse a autora. "Eu não tinha dúvidas sobre suas habilidades jornalísticas, seus padrões, sua ética, então era óbvio para mim que [seu assassinato] era um ato para silenciá-la".
O assassinato de Martínez teve um enorme impacto sobre toda a imprensa em Veracruz, na medida em que muitos jornalistas fugiram e vários meios de comunicação optaram por deixar de cobrir certos temas.
Após o assassinato de Martínez vieram outros assassinatos semelhantes de jornalistas com igual impacto nacional, como os de Miroslava Breach, em Chihuahua, e Javier Valdez, em Sinaloa, ambos em 2017. Corcoran acredita que este panorama acabou afetando a forma como o jornalismo era feito durante seu tempo como chefe do escritório da AP no México.
"Estes assassinatos mudaram o território para todos os jornalistas, não importa de onde eles sejam", disse. “Este risco para os jornalistas no México obviamente não afeta tanto os correspondentes internacionais, mas afeta a forma como cobrimos o México. O México costumava ser um país muito tranquilo para sair, para fazer reportagens... Agora você tem que planejar, tem que ter protocolos de segurança, etc.”
O propósito de Corcoran ao escrever "In the mouth of the wolf" é levar o caso de Regina Martínez e a violência contra jornalistas mexicanos a um público mais amplo, como forma de aumentar a pressão que jornalistas e organizações estão tentando gerar para acabar com os assassinatos de trabalhadores da imprensa no México.
"Como jornalista dos Estados Unidos, o mínimo que eu poderia fazer era escrever sobre o problema para um público maior, um público fora do México e potencialmente um público internacional", disse ela. "Talvez algo salte para fora, alguma coisa sai da exposição desta história para um público maior, para que algo possa ser feito, como uma ideia, uma pressão. É para agitar a árvore e ver o que cai.”
Para Corcoran, além da natureza inaceitável e trágica da violência contra jornalistas, esta reflete de certa forma o fortalecimento do jornalismo independente no México. Ela acredita que existe uma ligação entre os ataques a membros da imprensa e os interesses que as investigações jornalísticas tocam no crime organizado e nas elites do poder.
"Estes assassinatos não são porque [jornalistas] estavam conspirando [com traficantes de drogas] ou estavam ‘no mau caminho’, como sempre dizem, mas porque estão publicando coisas e tocando interesses, revelando casos de corrupção ou abusos, ou coisas que as autoridades não querem que ninguém veja", disse ela. "Para mim deve haver uma relação entre mais jornalistas sendo treinados e dispostos a revelar, para expor o que está acontecendo localmente em termos de corrupção e isso os coloca em risco.”
Durante seu tempo no escritório da AP na Cidade do México, Corcoran assistiu ao nascimento de vários dos veículos de jornalismo independente que hoje publicam investigações de corrupção de alto impacto, tais como Animal Político, Mexicanos Contra la Corrupción y la Impunidad e Quinto Elemento Lab (onde colabora como co-coordenadora do MasterLAB em Edição de Investigação).
Ela também viu como os principais meios de comunicação impressos e eletrônicos começaram a abrir suas próprias unidades de jornalismo de investigação.
Por este motivo, ela está otimista de que o jornalismo independente no México se fortalecerá a ponto de funcionar como um verdadeiro cão de guarda e contrapeso ao poder.
"Na história do jornalismo no México, os jornalistas que queriam assumir este papel de cão de guarda foram a exceção e agora há cada vez mais deles, segundo o que tenho visto", disse ela. "Conheço muitos repórteres nos estados [do interior do México] e eles também trazem melhores padrões, estão dispostos a investigar, estão fazendo coisas com mais impacto".
Apesar deste fortalecimento, histórias jornalísticas revelando escândalos de corrupção no México raramente levam a demissões de funcionários do governo ou reparações para as vítimas. Em um país onde 94,8% dos crimes não são resolvidos, de acordo com um relatório, os funcionários públicos expostos por reportagens da imprensa raramente recebem punição.
"Quanto mais poder, menos consequências", disse Corcoran. "Não há um Estado de direito forte, é muito fraco e é por isso que, porque não há consequências, não há mudança. Tenho conversado muito com jornalistas no México sobre isso, porque eles revelam, revelam, revelam e nada acontece".
No entanto, ela acredita que os jornalistas mexicanos não devem ficar frustrados ou desanimados se suas histórias não causarem mudanças visíveis e imediatas. Basta, diz ela, que o público seja informado sobre casos de violência e corrupção, pois - como no caso dos assassinatos de jornalistas - é apenas uma sociedade informada que trará mudanças e exercerá pressão sobre os sistemas de justiça.
"Nos Estados Unidos dizemos que existe um tribunal oficial, mas também existe um 'tribunal do público', e é possível julgar alguém neste tribunal do público. Acho que isso agora é mais eficaz no México. As pessoas precisam conhecer estas informações e um dia o tribunal formal de justiça vai mudar para dar consequências para este tipo de atividades", disse ela. "Mesmo que não haja consequências para os funcionários [do governo], vale a pena para o público ler, conhecer e consumir este tipo de informação.
A confiança na imprensa que Corcoran acredita ser necessária para exercer pressão sobre as autoridades deve ser reforçada pelo jornalismo que continua a expor a má-fé do poder, para que as pessoas estejam cientes do que está acontecendo.
"Perguntei a jornalistas no México sobre isso. Os jornalistas acreditam na liberdade de expressão e de informação, e que quanto mais informação for possível, melhor", disse ela. "Dizem que continuam divulgando informações porque isso é a chave para a democracia. Assim, com este propósito eles continuam a investigar e escrever, e também com a esperança de que um dia isso mude.”