Por Rodrigo Gomes*
Especialista em cobertura de violência na América Central, Carlos Martínez é repórter do grupo Sala Negra, do jornal digital El Faro, de El Salvador. O grupo foi criado em 2011, com o objetivo de criar um modelo regional de cobertura de permanência e imersão em centros penitenciários, quadrilhas, crime organizado e violência.
Para Martínez, o diferencial do trabalho é a imersão. “Mais que falar sobre o tema, o importante é compreender o fenômeno que está ocorrendo. E isso só se pode fazer cobrindo um assunto por muito tempo, você precisa ter o tempo e a dedicação de ir até o bairro, sentar, acender um cigarro.
O país do repórter é considerado o segundo mais violento do mundo, com uma taxa de homicídios de 80 por mil habitantes, em uma população com cerca de 8 milhões de habitantes.
Em sua participação na Conferência Global de Jornalismo Investigativo, Martínez trouxe a experiência de reportagens sobre as Pandillas, grupos criminosos responsáveis por um grande número de mortes no país em disputas por territórios.
O repórter já recebeu os prêmios Fernando Benítez da Feira Internacional do Livro de Guadalajara em 2008 e Ortega y Gasset, em 2011, pela reportagem El criminalista del país de las últimas cosas.
Nessa entrevista, o jornalista comenta a situação do trabalho investigativo em El Salvador, a inexpressividade do fato de o país ter um presidente jornalista e a limitação ao trabalho independente por questões econômicas.
Rodrigo Gomes: Qual a situação do jornalismo investigativo em El Salvador?
Carlos Martínez: A América Central tem conseguido, mais ou menos, ter uma estabilidade quanto ao trabalho jornalístico. Não isento de riscos e ameaças, sobretudo por organizações criminosas. O Estado não te persegue e não te encarcera por fazer o teu trabalho. O grande problema é quando o Estado e a organização criminosa são a mesma coisa.
O governo também te permite fazer seu trabalho. Mas ao mesmo tempo, as estruturas oficias estão absolutamente permeadas por organizações criminosas. Nossa polícia, em El Salvador, está bastante infiltrada pelo crime organizado, nosso parlamento está contaminado pelo crime organizado. De tal forma que fazer a cobertura do crime organizado passa necessariamente por se meter com o Estado.
RG: Mas o que fazer quando há intimidação?
CM: Se o jornalista tem algum problema de ameaça ou coação, temos o apoio de agências internacionais de classe. Mas acredito que a Maior proteção é justamente a da informação mais bem apurada possível, mais completa, que possa ser publicada e seja possível defender.
É importante considerar algumas coisas para colocar isso no contexto. Nós, jornalistas da América Central, temos melhores condições institucionais que os do México. Normalmente se associa as condições centro-americanas e as mexicanas. Não temos um problema institucional de ataque à liberdade de imprensa.
RG: A eleição de um presidente jornalista fez alguma diferença para a prática jornalística em El Salvador?
CM: Veja, o nosso presidente sempre procura lembrar-nos do fato de que ele é jornalista. Institucionalmente, não tem sido facilitador do trabalho da imprensa. E tem sido muito agressivo com os meios de comunicação que lhe são adversários. Ele nunca se sentou para conversar com El Faro.
Ele tem um programa, no estilo do ex-presidente Hugo Chávez, algo como falando com o presidente, que é um monólogo de várias horas. E é um espaço para atacar, para deslegitimar aqueles que ele tem como adversários.
Enfim, não é um presidente que dialoga e o fato de ter sido jornalista não tem acrescentado nada para o nosso cotidiano.
RG: É possível fazer jornalismo independente em El Salvador?
CM: Os meios de comunicação principais, que têm circulação nacional, são propriedade de famílias que tem vínculos antigos com o poder político ou com o poder econômico. Eles exercem uma espécie de censura interna sobre seus temas dependendo de se o assunto afeta o partido que eles se correspondem ideologicamente ou que afetem seus interesses publicitários.
Eu trabalho em um periódico digital, que não gera benefícios, que não tem publicidade e é pequeno. A vantagem que temos é uma liberdade absoluta em termos de publicação. A única coisa que impede uma publicação é um assunto não estar completamente decifrado, totalmente checado, muito bem verificado e cruzado.
RG: E vocês têm boa audiência?
CM: Um grande problema é que a internet na América Central é pouco distribuída. De forma que a nossa possibilidade de influenciar é muito limitada. Quando um assunto é muito importante ele atinge, quando muito, a camada média da população. Temos tentado buscar outras plataformas, como rádio, e mesmo a televisão, em parceira com outros meios, mas é um processo muito complicado.
Este é o custo da independência: é muito difícil ter grande circulação e chegar à população mais pobre do país.
*Rodrigo Gomes é estudante de jornalismo do 4º ano na universidade Anhembi Morumbi.
Esta matéria foi publicada originalmente no site oficial da Conferência Global de Jornalismo Investigativo.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.