Desde que o presidente Nayib Bukele assumiu o cargo, em 1º de junho de 2019, jornalistas de El Salvador dizem que instituições e funcionários públicos estão cada vez menos acessíveis e que as redes sociais se tornaram o meio favorito do novo governo para comunicar assuntos oficiais ou refutar qualquer crítica ou comentário .
De acordo com José Luis Sanz, diretor do site de jornalismo investigativo salvadorenho El Faro, Bukele não concedeu nenhuma entrevista a meios nacionais desde que assumiu a presidência, mas faz uso constante das redes sociais para expressar suas opiniões pessoais e decisões do governo.
O presidente “continua consolidando a ideia, a aparência de que ele não precisa dos meios de comunicação para se comunicar e que sobretudo seu modelo de prestação de contas e a suposta transparência que isso implica se baseiam em constantemente emitir opiniões ou fazer anúncios por meio de redes sociais”, disse Sanz ao Centro Knight.
Desde o entorno mais próximo ao presidente, acrescentou Sanz, legitima-se a ideia de que “essa é a nova maneira pela qual as pessoas se expressam e as novas formas de comunicação. O povo não precisa mais dos meios para se expressar.”
Para o jornalista César Fagoaga, chefe de redação do site jornalístico Revista Factum, nesses três meses de governo, o presidente "tem se mostrado muito alérgico a críticas", não apenas com jornalistas, mas com qualquer pessoa que expresse qualquer desacordo com seu governo.
A narrativa oficial é "aqueles que estão contra mim estão contra o povo", disse Fagoaga. “Isso começou durante a campanha [de Bukele] com os partidos políticos, o que foi muito simples porque os partidos políticos tradicionais perderam toda a sua legitimidade por causa de eventos de corrupção muito conhecidos. Então ele atacou o Congresso, depois o sistema judicial, depois atacou os meios de comunicação de uma maneira muito mais aberta. Essa dinâmica tem se mantido”, afirmou o jornalista.
Ainda que o governo esteja em seus primeiros meses, o Relator Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Edison Lanza, destacou a importância da preocupação com o assédio digital contra a imprensa que é compartilhada por organizações, jornalistas e meios salvadorenhos com quem se encontrou informalmente em sua última visita ao país, no fim de julho.
Lanza mencionou ao Centro Knight os recentes ataques a mulheres jornalistas, "baseados em estereótipos e, obviamente, na discriminação estrutural que existe contra as mulheres, não por investigar, mas por ser mulher".
Quando se trata de mulheres jornalistas, os insultos das redes sociais contra elas aumentam e incluem violência sexual, explicou Fagoaga.
Em 28 de junho, a jornalista da Focos TV Karen Fernández comentou em uma entrevista matinal com outros painelistas sobre o plano de segurança de Bukele para combater gangues. Fernández disse que não há evidências de que as medidas repressivas propostas por esse governo, como fizeram os anteriores, aumentem os níveis de segurança pública, pelo contrário.
Bukele compartilhou e comentou o tuíte do programa relacionado a essa entrevista e, a partir daí, seus seguidores nas redes sociais começaram uma série de ataques misóginos e violência sexual online contra Fernández, questionando sua legitimidade como jornalista, denunciou ela em sua conta no Twitter.
Nesse mesmo mês, em 30 de junho, Mariana Belloso, editora de economia do jornal La Prensa Gráfica, citou Bukele em um tuíte sobre seu pedido à população de parar de pagar dinheiro de extorsão a gangues e fez um convite para seguir a conferência de imprensa do presidente sobre o assunto.
No mesmo dia, o presidente compartilhou o tuíte de Belloso e comentou a respeito do que disse a jornalista que "meia verdade é pior do que mil mentiras", alegando que a jornalista colocou as informações incompletas.
O presidente "disse que lamentava que haja jornalistas contra o governo que desejam que o plano de segurança falhe", disse Belloso ao Centro Knight. “Em seguida comecei a receber tuítes dizendo que tomara que estuprem a mim e a minhas filhas, para ver se eu continuaria defendendo membros de gangues. Insultos e ameaças às mulheres sempre seguem o lado sexual, e esses ataques continuaram por um mês e meio”, acrescentou a jornalista.
A conta de Belloso foi reportada e bloqueada por alguns dias. De acordo com a jornalista, esse tipo de reação está fomentando a autocensura de muitos de seus colegas nas redes sociais por medo de represálias.
“Fizeram uma colagem com Karen e eu dizendo que éramos defensoras de criminosos. Isso é algo muito perigoso neste país, onde há grupos de extermínio que matam membros de gangues e suas famílias e parentes”, disse Belloso.
Sobre estes incidentes, Sanz de El Faro comentou que “os ataques muito agressivos a opiniões dissidentes” são legitimados desde o entorno próximo do presidente.
A Associação de Jornalistas de El Salvador (APES) mostrou seu apoio a Fernández e Belloso, condenou os ataques e exigiu que autoridades e usuários digitais respeitem a liberdade de expressão.
Quando Bukele ainda era candidato à presidência, em janeiro de 2019, a Revista Factum publicou uma reportagem sobre uma suposta rede de corrupção na prefeitura de San Salvador quando ele era prefeito.
Meses depois, já como presidente eleito, Bukele se dirigiu aos salvadorenhos pela primeira vez via Facebook Live. Nessa transmissão, o presidente atacou vários meios jornalísticos e tentou desprestigiar Héctor Silva, diretor da Revista Factum, acusando-o de participar de atos de corrupção com um governo anterior.
Após essas declarações, a Revista Factum desmentiu em seu site e redes sociais as acusações de corrupção que Bukele fez contra a revista e seu diretor.
A organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) condenou as expressões de Bukele contra a imprensa, particularmente contra a Revista Factum, cujos jornalistas contam com medidas cautelares da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) desde 2017. “O novo governo de El Salvador tem a responsabilidade de garantir a proteção dos jornalistas e não deve sob nenhuma circunstância estigmatizar a profissão”, afirmou Emmanuel Colombié, chefe do escritório latino-americano da RSF.
"A liberdade de expressão é um direito fundamental e universal, não apenas para jornalistas ou canetas pagas, mas para todos, e essa palavra 'todos' inclui o Presidente da República", disse Bukele nessa transmissão.
Sobre essas declarações, Fagoaga, da Revista Factum, disse em uma entrevista anterior ao Centro Knight, em maio de 2019, que os próximos "serão cinco anos muito difíceis". “O diferente agora é toda essa máquina propagandística, publicitária, através de redes para desprestigiar, para nos atacar de maneira compulsiva, que está sendo gerada. E também para dar essa ideia à população de que tudo o que fazemos é para encontrar 'o cabelo na sopa', como ele [Bukele] diz. O que ele tenta fazer é uma censura velada e seus novos funcionários estão usando a mesma tônica”, disse ele.
Os jornalistas entrevistados apontaram as dificuldades atuais em obter uma declaração ou entrevista com um funcionário do governo. Igualmente no caso de acesso à informação pública. Mesmo contando com a Lei de Acesso à Informação Pública como ferramenta, eles estão passando por tempos de espera muito mais longos do que antes para obter ou acessar informações.
"Existe uma monopolização das comunicações de uma maneira nunca vista antes, pelo menos no que tenho de ser jornalista já há bastantes anos", disse Fagoaga. Além disso, ele apontou que em governos anteriores, apesar de também tentarem ter um discurso único, havia bastante independência nas instituições.
"As autoridades não respondem após as conferências públicas quando os jornalistas as abordam com questões de interesse público", disse Belloso. E quando solicitam informações públicas por meio da lei, eles são informados de que “as informações solicitadas são inexistentes ou reservadas, mas com mais frequência dizem que são inexistentes. Nos processos de solicitação, os prazos de resposta agora são muito longos, e se você quiser apelar, há outro longo prazo”, afirmou a jornalista.
Sanz explicou que "o que acontece é que está havendo tantas mudanças na estrutura do Executivo que os rearranjos estão dificultando o trabalho". "Além disso, há um processo claro de concentração de decisões em torno da Casa Presidencial; qualquer pedido de entrevista com um funcionário [do governo] é agora encaminhado por regra ao secretário de imprensa da presidência, a uma única pessoa".
O Centro Knight tentou contatar a Presidência e Bukele por meio das redes sociais, mas não recebeu resposta antes do fechamento desta nota.