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'Me ligam para me ameaçar e dizer que não posso voltar': jornalista Michelle Mendoza, da Guatemala

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  • 16 novembro, 2022

*Por Alex Maldonado, publicado originalmente em Agencia Ocote.

A jornalista Michelle Mendoza, correspondente da CNN na Guatemala, está no exílio depois de ter sofrido assédio constante, que começou nas redes sociais, através de perfis anônimos; continuou com perseguição física, quando estava sozinha ou com suas filhas; e culminou com uma perseguição judicial por seu trabalho informativo.

Durante os últimos 13 anos, Michelle Mendoza cobriu tudo, desde eventos diplomáticos até desastres causados por fenômenos naturais, como a erupção do vulcão Fuego em 2018. Ela começou em 2009 na mídia guatemalteca e a partir de 2017 se tornou correspondente de uma das maiores redes de notícias do mundo.

Através da CNN, ele relatou ao mundo como a Comissão Internacional contra a Impunidade na Guatemala (CICIG) e o Ministério Público (MP) daquele país iniciaram investigações e processos criminais por atos de corrupção, que atingiram os mais altos níveis dos setores governamental, político e empresarial.

Durante anos, ele realizou seu trabalho sem pressões. Mas depois que o presidente Jimmy Morales expulsou a CICIG em setembro de 2019, a situação da mídia e dos jornalistas – e dos promotores, juízes e ativistas – começou a mudar na Guatemala. Para Mendoza, também.

O começo do calvário

"A situação comigo começou a ficar fora de controle desde 2021, quando meu irmão mais velho, que durante anos trabalhou no Ministério do Desenvolvimento (Mides), me disse que começaram a assediá-lo por causa das minhas publicações", disse Michelle Mendoza à Ocote.

"Em pouco tempo, ele foi demitido. Ele conseguiu outros empregos, mas logo era demitido por causa da pressão sobre as empresas. Ele ficou doente porque não podia mais sustentar sua família. Foi uma morte civil e ele teve que deixar o país para conseguir um emprego", contou ela.

Ela continuou seu trabalho como jornalista, mas o assédio de perfis anônimos nas redes sociais (conhecidos como netcenters) aumentou.

"Um dia, fiz uma pergunta no chat da Presidência. Alguém tirou uma foto da tela e a fez circular. A imagem mostrava minha pergunta e meu número de telefone. O perfil @LordVaderGT (agora suspenso) a postou. Foi aí que o assédio se tornou mais agressivo", conta ela.

Depois disso, Mendoza começou a ser seguida fisicamente. "Eu não podia mais ir ao supermercado, levar minhas filhas para passear, ao cinema ou simplesmente sair de carro. Eles tiravam fotos minhas e as publicavam. Eu já representava um perigo para elas", diz, referindo-se às suas filhas.

Em seu telefone, ela começou a receber fotografias que tiravam dela, desprevenida ou de costas. Ela também recebia fotos e vídeos pornográficos e de estupro, com ameaças de que fariam o mesmo com ela. Começaram a insultá-la e lhe deram apelidos degradantes.

"Naquele mês (maio de 2021) viajei a Atlanta (Estados Unidos, à sede da CNN) para buscar um material e então recebi uma vídeochamada pelo Telegram com o logotipo da CNN e um homem apareceu se masturbando ao vivo".

Pistas sobre o netcenter

"Volto à Guatemala e naquele mesmo mês, durante (a apresentação) do relatório anual da Procuradora Geral Consuelo Porras no Hotel Camino Real, uma jornalista me avisa que (a juíza da Suprema Corte de Justiça) Vitalina Orellana estava tirando fotos minhas por trás com seu celular e mostrando-as ao juiz Nery Medina", disse Mendoza.

"Eu ainda disse a ela [à jornalista] em tom de brincadeira que tudo o que faltava era que @LordVaderGT publicasse a foto. E eu entrei em choque 15 minutos depois, quando a mesma jornalista me confirmou que isso tinha acontecido. Foi nesse momento que entendi a gravidade do assunto por causa dos tentáculos dessas pessoas", acrescenta ela.

A imprensa guatemalteca publicou várias reportagens mostrando as coincidências entre as fotografias feitas pela magistrada e as que apareceram no perfil anônimo. Era uma alta funcionária que estava diretamente ligada a esses perfis que assediam e ameaçam atores sociais.

Apesar das provas, a juiz Orellana negou as acusações e o post foi apagado. Mendoza denunciou o incidente ao Ministério Público (MP) e solicitou que as pessoas responsáveis pelo hotel onde o evento foi realizado lhe fornecessem a gravação do evento. Mas, segundo lhe responderam, não havia câmeras dentro da sala. "Eles me negaram o acesso à justiça", diz ela hoje.

A intimidação não parou. Uma coroa fúnebre foi enviada para a casa de seus pais. Foi então que a CNN decidiu contratar uma equipe de segurança pessoal para proteger Mendoza.

De acordo com a jornalista, meses depois, a empresa que prestava o serviço decidiu declinar porque afirmava ter recebido pressões e ameaças de entidades do Estado.

Mendoza diz que ela sempre denunciou o que estava acontecendo ao MP, mas que a instituição nunca lhe deu uma resposta.

Juan Luis Pantaleón, porta-voz do Ministério Público, foi questionado se algum caso de perfis anônimos expondo informações pessoais de atores sociais em redes sociais está sendo investigado. Pantaleón indicou que "há uma denúncia que contém especificamente o termo netcenter na narração do fato, por difamação e calúnia, e que está no Ministério Público de Assuntos Internos".

Com relação às denúncias que Mendoza alega ter apresentado em 2021, Pantaléon disse que "a Promotoria de Crimes contra Jornalistas tem duas denúncias de 2021 e 2015, onde uma pessoa da SAAS (Secretaria de Assuntos Administrativos e de Segurança) foi processada pelo crime de agressão sexual".

A agressão de 2015 foi de um guarda presidencial contra Mendoza e outra repórter, quando vários jornalistas estavam seguindo a ex-vice-presidente Roxana Baldetti para entrevistá-la durante uma diligência judicial.

A investigação contra o presidente

Em setembro de 2021, Mendoza recebeu uma série de documentos e a declaração de uma testemunha confirmando que Alejandro Giammattei havia chegado à presidência com base em subornos de empreiteiras estatais.

O Escritório Especial do Ministério Público contra a Impunidade (FECI), quando era chefiado por Juan Francisco Sandoval, havia iniciado esta investigação um ano antes. Mas após a demissão e o exílio de Sandoval em julho de 2021, a investigação foi colocada em sigilo no tribunal chefiado pela juíza Erika Aifán, que agora também está fora da Guatemala.

Por razões de segurança, Mendoza decidiu viajar novamente para os Estados Unidos e de lá investigar e cruzar informações para confirmar a veracidade dos documentos. Ela recebeu apoio do meio nativo digital El Faro, de El Salvador, que vinha investigando o mesmo tema há meses.

As investigações foram tornadas públicas, em El Faro e na CNN, entre 14 e 16 de fevereiro de 2022. Mendoza permaneceu nos Estados Unidos durante todo esse tempo.

Como ela explica, ela estava certa de que o governo sabia que ela era responsável por essas informações e antes de serem publicadas, tanto ela quanto a rede receberam mensagens e telefonemas alertando-os para não torná-las públicas.

Última viagem à Guatemala

Em 26 de abril, a jornalista retornou à Guatemala. Mas o assédio constante durante três dias seguidos em redes, meios de comunicação e fisicamente, a fez refletir que ela não poderia ficar mais.

"No mesmo dia do voo, o netcenter tornou público meu itinerário. No segundo dia, um homem com características militares (por causa de sua postura, corte de cabelo e da maneira como ele falava) e vestido como um entregador de água chegou a dizer ao meu pai que eu deveria 'vazar da porra da Guatemala'", revela.

"No terceiro dia, Rodrigo Arenas (processado por financiamento eleitoral ilícito em 2018) publicou um artigo em República (meio do qual ele é presidente e gerente geral) me degradando como mulher e mãe. Foi quando minha família decidiu me levar para fora do país", disse ela. A publicação, que é assinada por Redação República, questionou a ética da jornalista e a acusou de ter abandonado suas filhas.

Quanto à responsabilidade pela publicação, Arenas disse a Ocote que "a autoria deste artigo pertence ao módulo de investigação de República".

Seis meses se passaram desde então. Nos Estados Unidos, Mendoza aguarda a tramitação de seu pedido de asilo devido ao assédio e à criminalização que sofreu na Guatemala.

"Podem dizer o que quiserem de mim, mas nunca fiz mal meu trabalho e se este é o preço que tenho que pagar por trabalhar para o meu país, eu o aceito. Mas é difícil, sabe, porque não me afetam apenas no meu papel de jornalista. Também me afetam no meu papel de mãe, como mulher. Me sexualizam, me ameaçam com estupro. Mentalmente, te despedaçam", diz Mendoza.

A jornalista assegura que "enquanto eu já estava nos Estados Unidos, meu chefe me disse que a equipe jurídica da CNN na Guatemala tinha recebido informações de que a Procuradora Geral (Consuelo Porras) tinha dado luz verde para abrir um processo contra mim por obstrução à justiça, pela investigação que Fernando del Rincón tornou pública".

O atual chefe da FECI, Rafael Curruchiche, disse publicamente que havia apresentado uma denúncia para investigar "como um áudio, fatos e circunstâncias de um caso em sigilo foram divulgados" e para estabelecer responsabilidade criminal.

Dois dias depois, o jornalista José Rubén Zamora também ligou para Mendoza para adverti-la. "Não volte, porque a procuradora quer ver você na cadeia", ele disse, segundo ela. "Oh, surpresa! Agora ele está lá, detido, como queriam me deter. Fabricaram um caso contra ele em 72 horas", lamenta ela.

A vulnerabilidade do jornalismo na Guatemala

Uma análise da Unidade de Proteção dos Defensores dos Direitos Humanos na Guatemala (Udefegua) sobre a criminalização de atores sociais indica que a partir do final de 2020 e durante 2021 houve um padrão de denúncias de censura e discriminação contra trabalhadores em empresas públicas e privadas.

"Tivemos muitas denúncias de pessoas que foram censuradas porque apoiavam a CICIG ou criticavam o governo nas redes sociais. Houve casos de alto nível, como a demissão de María Alejandra Morales no Escritório da Função Pública Nacional (Onsec) e do irmão de Michelle [Mendoza], no Mides", disse Claudia Samayoa, chefe do Programa de Justiça de Udefegua.

Morales foi assessora de comunicação na Onsec e disse que foi demitida em retaliação por organizar uma campanha de apoio a mulheres vítimas de violência.

No caso de Mendoza, Samayoa diz que, embora a jornalista tenha apresentado várias denúncias sobre o que aconteceu contra ela nos últimos dois anos, o MP não lhe deu importância suficiente. "É impressionante que apesar de haver um protocolo de investigação para casos envolvendo defensores e jornalistas, a forma como ela foi tratada foi: ‘Por que você está se incomodando com isso?’”

Além disso, Samayoa diz que "enquanto ela já estava fora do país, houve uma série de chamadas e mensagens de um celular (da América do Sul) onde continuam ameaçando estuprá-la. Isto é um problema para vocês, jornalistas, porque a tecnologia faz parte de seu trabalho e vocês não podem deixar de usá-la.”

De 2014 até hoje, de acordo com uma contagem realizada pela Ocote, pelo menos 19 jornalistas e comunicadores foram criminalizados e submetidos a procedimentos legais. Alguns foram capturados e outros tiveram que deixar a Guatemala.

Para Mendoza, a Guatemala ainda não chegou ao fundo em termos da destruição de seu sistema democrático e da perseguição a atores sociais. Mas ele também acredita que a mudança virá das comunidades.

"A sociedade civil é o futuro. O que é feito a partir das comunidades é o que trará mudanças. Eu não sei o que precisa acontecer porque as pessoas estão preocupadas em sobreviver e não é fácil fazer isso lá [na Guatemala]. Vai levar muito trabalho e tempo, mas sobretudo determinação de muita gente", conclui ela.

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