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Meios de comunicação, faculdades e governos da América Latina experimentam a criação de apresentadores de TV virtuais usando inteligência artificial

Meios de comunicação de vários países do mundo aderiram ao boom da inteligência artificial (IA), seja adaptando o uso do ChatGPT para publicar conteúdo ou, em casos mais ousados, criando avatares para substituir os âncoras de TV.

China e o Kuwait foram os primeiros a lançar apresentadoras de notícias virtuais. Entretanto, a América Latina não ficou para trás.

No México, o Grupo Fórmula apresentou em março a Nat, uma âncora criada por IA que resume os eventos mexicanos e mundiais. Na Venezuela, o regime de Nicolás Maduro usa avatares para disseminar propaganda. E no Peru, a Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Universidad Nacional Mayor de San Marcos criou um programa de notícias estrelado por uma apresentadora virtual que fala quíchua.

A preocupação de jornalistas e ativistas com essa tecnologia é a possível perda de empregos e a substituição de repórteres humanos, bem como a disseminação de desinformação e a falta de contato direto com o público.

Na LatAm Journalism Review (LJR), explicamos cada uma dessas novas iniciativas de inteligência artificial na região e conversamos com seus criadores e envolvidos.

Nat, apresentadora mexicana do Grupo Fórmula

O Grupo Fórmula apresentou Nat como a primeira apresentadora criada por IA na região. Seu criador, Oswaldo Aguilar, explicou à LJR que Nat é o produto de uma combinação de várias tecnologias e que foram necessários quatro softwares de IA diferentes para dar vida a ela.

"Para a animação, usamos uma solução especialmente projetada para nós, usamos outra IA independente que produz sua voz e outra para criar o avatar. Usamos o ChatGPT para gerar as histórias que ela apresenta, mas com duas considerações importantes: primeiro, não permitimos que ele pesquise notícias fora do portal corporativo da Rádio Fórmula. Segundo, as histórias são 'curadas' por uma inteligência humana que verifica se as informações são verdadeiras", explicou Aguilar.

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Nat, a apresentadora virtural mexicana. (Foto: Captura de tela)

Nat é magra, tem cabelos escuros e traços latinos. Ela interagiu com anfitriões humanos do grupo de mídia e deixou claro que não está procurando substituí-los. "Não estou aqui para substituir o trabalho de nenhum apresentador, pelo contrário, estou aqui para contribuir com conteúdo original e inovar no campo tecnológico", disse Nat em sua apresentação ao público.

A chegada de Nat foi vivenciada como um evento midiático e as impressões nas redes sociais foram variadas. "Muitos meios de comunicação nos procuraram para falar sobre ela. Quanto aos comentários das pessoas, eles variam de acordo com a rede social. No LinkedIn são todos positivos e no Facebook há muitos negativos, refletindo medos e preconceitos sobre IA. No grupo de meios, todos reagiram muito bem e querem interagir com ela", disse Aguilar.

O Grupo Fórmula também decidiu criar Max, o colega masculino de Nat, que se concentra mais em histórias sobre esportes e finanças. Um noticiário apresentado pelos dois deve ser lançado em breve. Atualmente, tanto Nat quanto Max podem ser vistos nos aplicativos multiplataforma da rede de mídia.

Venezuela e o uso de avatares para disseminar propaganda

Na Venezuela, o uso de avatares gerados por IA para disseminar notícias que favorecem o regime de Nicolas Maduro tem sido noticiado desde fevereiro.

Tudo começou com vídeos no YouTube como parte de um novo programa de notícias, em inglês com legendas em espanhol, chamado "House Of News en Español". Lá, dois jornalistas virtuais, chamados Noah e Daren, criados com o software Synthesia.io, alimentaram a narrativa de que há um novo boom econômico na Venezuela que trouxe bem-estar e estabilidade aos seus cidadãos.

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O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, apresentou em seu programa de televisão Sira, uma apresentadora virtual criada sob os parâmetros de inteligência artificial. (Foto: Captura de tela)

O chavismo negou ter qualquer relação com esses vídeos e atacou a correspondente do jornal El País na Venezuela, Florantonia Singer, por ter publicado um artigo intitulado: “No son periodistas, son avatares: el chavismo impulsa propaganda hecha con inteligencia artificial” ("Não são jornalistas, são avatares: o chavismo promove propaganda feita com inteligência artificial").

"No mesmo dia em que o artigo foi publicado no El País, o ministro das comunicações Freddy Ñañez me escreveu via Whatsapp, enviando-me uma série de tuítes zombando do artigo. É um pouco forte que um ministro escreva para o seu telefone enviando uma publicação dele no Twitter em que ele a questiona", disse Singer.

"O tema também foi discutido em um discurso de Nicolás Maduro, onde ele disse que no El País estávamos mentindo, e depois no programa de opinião de Mario Silva [do canal estatal] foi preparada uma sessão inteira para zombar do artigo e falar sobre mim e minha família. O fato de ele ter mencionado minha família na televisão nacional foi um ponto de ruptura. Isso mostra como a estrutura legal se tornou precária em nosso país. Sem dúvida, estamos cada vez mais vulneráveis", acrescentou a jornalista.

Algumas semanas depois, Nicolás Maduro apresentou em seu programa de televisão a Sira [nome que lembra Siri, a famosa assistente da Apple], uma apresentadora virtual negra com longos cabelos cacheados, criada sob os parâmetros da inteligência artificial. "A humanidade entrou em uma nova era e temos de estar na vanguarda em todos os sentidos", disse Maduro.

A organização venezuelana ProBox, que busca combater a desinformação digital, acompanhou essa questão e garante que nenhuma tecnologia "é ruim" em si mesma, mas que isso depende do uso que se faz dela. "Enquanto na maior parte do mundo (pelo menos nos países democráticos), a inteligência artificial tem sido associada a desenvolvimentos tecnológicos em favor da melhoria da vida dos seres humanos; ela tem sido usada para melhorar o funcionamento de equipamentos médicos, prever cenários ambientais desfavoráveis, ajudar a aliviar cargas de trabalho de forma automatizada e até mesmo para otimizar formas de aprendizagem em espaços educacionais, etc. Na Venezuela, como muitas outras tecnologias projetadas principalmente para o desenvolvimento humano, ela tem sido usada pelo governo para promover a desinformação e a propaganda em diferentes espaços", disse à LJR Marivi Marín Vásquez, cientista política e diretora executiva da ProBox.

"Acho que a principal intenção do chavismo com o uso da inteligência artificial é, por um lado, usar estratégias sofisticadas para amplificar suas narrativas em diferentes espaços e, em geral, continuar usando todos os recursos disponíveis à sua disposição para manipular informações que eles não podem controlar diretamente", acrescentou.

Apresentadora peruano que fala em quíchua

A Faculdade de Artes e Ciências Humanas da Universidad Nacional Mayor de San Marcos, no Peru, vem explorando a inteligência artificial há algum tempo. Com o advento de softwares como o ChatGPT e o Dall-e, eles decidiram dar um passo adiante e criar Illary, uma apresentadora com características indígenas que fala quíchua [idioma nativo dos Andes peruanos].

Em fevereiro, a universidade já havia dado vida ao famoso escritor e antropólogo peruano José María Arguedas com IA em um comercial. Desta vez, com Illary, buscam inovar e devolver às telas o primeiro programa de notícias criado em quíchua, que está sendo exibido desde 2019.

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Illary, apresentadora virtual com traços indígenas que fala em quíchua. (Foto: Captura de tela)

Os criadores de Illary disseram a meios de comunicação que Dall-e e DI-D foram os programas usados nesse projeto. Os modelos fonéticos foram fornecidos pelo professor Óscar Huamán Águila, membro da cadeira de quíchua em San Marcos, que anteriormente era responsável pela narração do noticiário.

Com a chegada dessas tecnologias, abriu-se o debate sobre a possível perda do emprego dos jornalistas. Há aqueles que nunca pensaram que a ficção superaria a realidade e outros que estão mais preocupados com a desinformação e a perda de contato com o público.

"A inteligência artificial vai suplantar alguns empregos, mas o que me preocupa é que isso está se acelerando muito rapidamente e não há espaço para educar o público", disse Singer.

"Já estamos passando por uma pandemia de desinformação e muitos jornalistas tiveram que ir atrás de notícias falsas e desmenti-las. E agora, com a inteligência artificial, acho que, mais do que nunca, precisamos educar o público sobre o papel dos jornalistas e do jornalismo na sociedade. Precisamos arregaçar as mangas para ir atrás disso, sem ficar muito para trás.”

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