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Mensagens vazadas supostamente mostram que ex-presidente do Panamá tentou influenciar cobertura da mídia por meio de executivos

Mensagens vazadas por um grupo anônimo supostamente mostram que o ex-presidente do Panamá Juan Carlos Varela (2014-2019) teria sustentado uma operação durante seu mandato para realizar ataques online a jornalistas críticos à sua administração, além de supostamente ter pressionado executivos de meios jornalísticos para que cessassem a cobertura negativa sobre seu governo.

As mensagens foram supostamente trocadas por Varela com assessores, funcionários de seu governo e figuras públicas entre 2017 e 2018 pelo aplicativo WhatsApp e foram publicadas por um grupo anônimo no site Varelaleaks.com. Os responsáveis pelo site se descrevem como “um grupo de cidadãos latino-americanos comprometidos com a democracia e cansados da corrupção e do abuso de nossas autoridades”. Eles disseram que as mensagens foram recolhidas de um telefone celular a que tiveram acesso.

Segundo o site Panamá América, desde o dia 5 de novembro vários meios de comunicação do país receberam uma mensagem do grupo indicando o site onde foram disponibilizados quase 25GB de arquivos contendo as mensagens.

O ex-presidente panamenho Juan Carlos Varela (à dir.) (Foto: Presidencia de la República Mexicana / CC BY 2.0)

O ex-presidente panamenho Juan Carlos Varela (à dir.) (Foto: Presidencia de la República Mexicana / CC BY 2.0).

Desde a publicação do vazamento, Varela reconheceu que as mensagens são suas em mais de uma ocasião. Ele sustenta, no entanto, que o que foi extraído do celular foi “distorcido, alterado e manipulado com a clara intenção de causar um dano”, conforme afirmou em comunicado divulgado em 7 de novembro em suas redes sociais. Em novo comunicado, divulgado no dia 13, o ex-presidente disse que “a interceptação, alteração e vazamento ilegal de minhas conversas privadas, uma vez mais, são o mais baixo ato de covardia de meus adversários políticos”.

As mensagens têm sido exploradas por diversos meios panamenhos, que nelas encontraram conversas entre Varela e funcionários do governo que apontam para um suposto esquema de assédio online a figuras públicas críticas a seu governo, inclusive jornalistas, que teria sido comandado diretamente pelo ex-presidente, como reportou o Panamá América.

O “Tweet Center” de Varela, segundo o site jornalístico, teria sido integrado por colaboradores da campanha presidencial que após as eleições foram contratados em cargos no governo. O ex-presidente supostamente coordenava a operação com Rafael Montes, então subdiretor da TV estatal Sertv, e os dois “através de sua equipe de funcionários públicos trabalhavam memes e mensagens de choque nas redes sociais contra jornalistas, políticos, advogados e vozes da sociedade civil que em algum momento questionavam a gestão de governo”, afirma Panamá América.

Entre os alvos dessa suposta operação estariam os jornalistas Álvaro Alvarado e Atenógenes Rodríguez e o comentarista Juan Carlos Tapia.

Além do “Tweet Center”, as mensagens apontam que o então secretário de Comunicação de Varela, Carlos Estrada, teria se referido a diversos jornalistas como homossexuais usando termos homofóbicos, reportou Panamá América.

Fica claro que Juan Carlos Varela e sua equipe de Comunicação estruturaram um plano para desprestigiar vários jornalistas qualificando-os de corruptos, homossexuais, palhaços, etc”, escreveu Alvarado em seu perfil no Twitter. “Várias vezes denunciei que todos os ataques contra mim eram estruturados por ele e seu call center”.

Jornalistas são “corruptos” ou “incompetentes”, teria dito Varela

Segundo o site Varelaleaks.com, as mensagens também indicam que o ex-presidente panamenho exercia influência sobre o jornal La Prensa por meio de Fernando Berguido, ex-presidente do diário e que foi nomeado por Varela embaixador do Panamá na Itália durante seu governo.

Em uma conversa em 29 de agosto de 2018, Varela supostamente enviou a Berguido um link de um tuíte do La Prensa com uma matéria sobre um discurso que o então presidente fez na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. O tuíte afirmava que “uma reclamação” interrompeu o “discurso otimista” de Varela. “Isso não foi assim. Foi a parte de perguntas. Coloco selo de falso em cima disso?”, teria questionado o ex-presidente ao ex-embaixador.

Berguido teria respondido encaminhando a Varela a mensagem que disse ter enviado a Chelle, em suposta referência a María Mercedes de Corró, vice-presidenta executiva do La Prensa e também embaixadora do Panamá, porém na Espanha, no governo de Varela, e à “diretora”, supostamente Rita Vásquez, diretora do jornal. Na mensagem que disse ter enviado às duas, Berguido supostamente classifica a cobertura do La Prensa como “injusta”, “mal intencionada”, “retardada” e “infantil”.

Em mensagens enviadas minutos depois, Berguido supostamente envia o link da matéria e comenta “pelo menos mudaram o título” e depois supostamente acrescenta que “estou pedindo ir nesta semana a LP para falar”. Varela teria respondido: “Sim, é só isso. Que ponham as coisas bem.”

Em conversas entre Corró e Varela, também vazadas, o ex-presidente supostamente tenta direcionar a cobertura do La Prensa, oferecendo entrevistas e sugerindo enfoques, e supostamente se queixa de determinadas matérias publicadas pelo jornal sobre seu governo. Mais de uma vez, Corró supostamente defende a publicação, como em mensagem do dia 30 de novembro de 2017, em que teria dito que La Prensa “tem sido respeitosa e solidária com sua luta ao ponto de que pela primeira vez na história do jornal nos tacharam de oficialistas”.

Varela também teria se queixado diretamente a Stanley Motta, proprietário da rede de televisão TVN, sobre a cobertura jornalística da emissora sobre seu governo. “Entendo que você está com tua família de férias, e não está no dia a dia, mas é teu canal e são teus jornalistas”, teria escrito o ex-presidente no dia 27 de julho de 2017. Sem resposta, Varela teria insistido no dia seguinte: “Stanley, teus jornalistas e teu canal tem sido o mais agressivo nisso. Te agradeço me diga onde estamos”.

A Miguel Heras, atual presidente do Banco Latino-Americano de Comércio Exterior e membro da diretoria da TVN, o ex-presidente também teria reclamado da cobertura jornalística da rede. “A verdade [é] que neste país se a gente coloca todos os jornalistas em um liquidificador, não sai um. Uns por corruptos, outros por incompetência”, teria dito Varela em uma mensagem de 19 de outubro de 2018.

Uma jornalista citada várias vezes em supostas queixas do ex-presidente a Motta e Heras é Sabrina Bacal, funcionária da TVN e presidenta do Conselho Nacional de Jornalismo do Panamá (CNP, na sigla em espanhol).

Pressões aos meios, ataques concertados em redes sociais contra jornalistas críticos, insultos e falta de respeito ao trabalho dos jornalistas, são algumas das condutas que atentam contra a liberdade de expressão que se extraem dos #VarelaLeaks. Deplorável!”, escreveu Bacal em seu perfil no Twitter.

Em nota divulgada no dia 21 de novembro, o CNP e o Fórum de Jornalistas para a Liberdade de Expressão afirmaram que o vazamento das mensagens de Varela “desnudaram grandes debilidades de nossa institucionalidade”.

“A conjuntura obriga a um chamado enérgico a funcionários e ex-funcionários de todos os níveis, a que compreendam e respeitem o trabalho dos meios de comunicação. O dever do jornalismo é informar com rigor e independência os fatos de interesse público, evitando tomar partido em disputas personais, políticas ou agendas partidistas”, escreveram as entidades.

O vazamento das mensagens provocou a renúncia da procuradora-geral do Panamá, Kenia Porcell, nomeada por Varela em dezembro de 2014 para um mandato de dez anos, como informou a CNN.

Ela anunciou no dia 13 de novembro sua renúncia, efetiva a partir de 1o de janeiro de 2020. De acordo com a CNN, as conversas entre Varela e Porcell vazadas no Varelaleaks “deixam entrever supostos pedidos de favores pessoais, tráfico de influências e possível intromissão do ex-presidente no manejo de casos no Ministério Público”. Também dão conta de como a procuradora, Varela e seu irmão José Luis Varela, então deputado, “teriam orquestrado os acordos de pena” entre o governo do Panamá com a construtora brasileira Odebrecht.

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