Por César López Linares e Emily Engelbart*
O México encerrará o ano com um número recorde de jornalistas assassinados. A organização Artigo 19 para México e América Central contou 17 trabalhadores da imprensa mortos até agora em 2022 no país. Em pelo menos 12 desses crimes, diz-se que as causas estão diretamente relacionadas com o exercício da profissão.
Enquanto organizações internacionais de defesa da liberdade de imprensa exigem justiça, jornalistas concordam que somente a aplicação da justiça e o fim da impunidade pode deter a sangrenta onda que ameaça o jornalismo no México.
O crime mais recente contra um jornalista mexicano ocorreu em 21 de novembro no estado de Veracruz. Foi o assassinato de Pedro Pablo Kumul, repórter do meio digital AX Noticias e radialista da estação Es Amor 105,5 HD.
De acordo com informações da imprensa local, Kumul foi baleado várias vezes enquanto dirigia o táxi que operava como trabalho complementar. O ataque aconteceu no bairro Casa Blanca da capital o estado de Veracruz, Xalapa. Depois dos disparos, o veículo de Kumul bateu num poste.
Apenas um dia antes havia sido reportado o desaparecimento de Francisco Hernández Elvira, coordenador da Rádio Azúcar FM e presidente do Clube de Jornalistas do Município de Isla, Veracruz, que foi levado à força de sua casa por homens armados que o espancaram, roubaram seu equipamento de informática e o mantiveram preso e privado de sua liberdade por 48 horas.
A Artigo 19 se pronunciou sobre os dois eventos e pediu à Procuradoria Geral de Veracruz que investigasse o assassinato de Kumul sob o Protocolo para a Investigação de Crimes Contra a Liberdade de Expressão, um instrumento da Procuradoria Geral da República (FGR) para determinar se os ataques a jornalistas procuram limitar, minar ou afetar o direito à liberdade de expressão.
"Ao longo do ano, nosso escritório regional documentou que a imprensa é atacada a cada 14 horas. Até agora, 12 jornalistas foram mortos por causa de seu trabalho. Esta situação coloca o México como o país mais arriscado do mundo para a prática do jornalismo", disse a Artigo 19 em uma declaração em 1 de dezembro.
A diretora geral da UNESCO, Audrey Azoulay, pediu às autoridades mexicanas que investiguem o assassinato de Kumul. O Observatório de Jornalistas Assassinados da organização registra 19 profissionais da imprensa mortos no México este ano. Esta lista inclui membros do pessoal técnico de uma estação de rádio mortos em agosto no estado de Chihuahua, que não estão incluídos nas contas de outras organizações.
"Condeno o assassinato de Pedro Pablo Kumul e convido as autoridades a investigarem este crime. Os ataques aos trabalhadores dos meios de comunicação são uma preocupação de toda a sociedade, pois são um ataque à liberdade de imprensa, liberdade de expressão e liberdade de informação", disse Azoulay.
Por sua vez, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) se somou à condenação dos acontecimentos e instou o Estado mexicano a investigar o assassinato de Kumul e o desaparecimento de Hernández de forma rápida e completa, a fim de encontrar os motivos por trás desses crimes. Com quase vinte trabalhadores da imprensa assassinados e pouco ou nenhum progresso nas investigações, a organização disse que o México já é "o país mais perigoso para jornalistas trabalharem".
"Os crimes contra jornalistas no México são duplamente graves, porque além da própria violência, a maioria dos casos fica impune", disse Carlos Jornet, presidente do Comitê de Liberdade de Imprensa e Informação da SIP. "É deplorável a falta de interesse que se percebe das mais altas autoridades do país em resolver esta grave situação".
A Federação Internacional de Jornalistas (IFJ), a Federação das Associações de Jornalismo da Espanha (FAPE) e o Sindicato Nacional de Redatores da Imprensa do México (SNRP) também expressaram seu repúdio ao assassinato de Kumul e dos outros jornalistas que foram mortos em 2022.
Em uma declaração conjunta, as organizações exigiram uma investigação urgente sobre o crime contra Kumul que considere a possibilidade de que o jornalista tenha sido morto por causa de seu trabalho jornalístico.
"Embora as circunstâncias deste crime ainda não sejam claras, a situação dos jornalistas no México está se tornando mais precária e perigosa a cada dia, dado que até agora este ano houve 17 assassinatos de jornalistas e em pouquíssimos casos os perpetradores foram identificados", disse a declaração.
Com a morte de Kumul, Veracruz tornou-se o estado mexicano com o maior número de jornalistas assassinados este ano, com quatro casos. O primeiro assassinato de um jornalista em 2022 no México foi o de José Luis Gamboa Arenas, diretor geral do jornal digital Inforegio, que foi esfaqueado até a morte no dia 10 de janeiro no porto de Veracruz.
Depois de Gamboa Arenas, Yesenia Mollinedo Falconi e Sheila Johana García Olivera, diretora e repórter do semanário El Veraz, respectivamente, foram baleadas no dia 9 de maio no município de Cosoleacaque.
Dois dias após a morte de Kumul, o governador de Veracruz, Cuitláhuac García, disse que a Procuradoria Geral do Estado já tinha uma linha clara de investigação sobre o assassinato e que já havia algum progresso, incluindo informações sobre o suposto autor do crime. Mas até aquele momento não havia relatos de pessoas sendo detidas.
Durante a administração de García, que começou em 2018, foram registrados oito assassinatos de jornalistas em seu estado.
As organizações de jornalismo e de defesa da liberdade de expressão atribuem o aumento da violência contra jornalistas em grande parte aos níveis extremamente altos de impunidade no México. Até 2021, das quase 3.500 investigações sobre ataques a jornalistas realizadas pela Procuradoria Especial para Crimes contra a Liberdade de Expressão (FEADLE), apenas 28 delas haviam resultado em condenações contra os responsáveis.
Isto significa que a taxa de impunidade para crimes contra jornalistas no México fica acima de 99%.
"À medida que a impunidade cresce, e se os crimes contra jornalistas não são punidos, há incentivos para aqueles que querem fazer mal a jornalistas", disse o jornalista mexicano Javier Garza à LatAm Journalism Review (LJR). "Qualquer pessoa que queira matar um jornalista [no México] pode estar razoavelmente seguro de que conseguirá escapar porque a última pessoa escapou".
A jornalista americana e ex-chefe da Associated Press para o México e América Central Katherine Corcoran disse que as instituições estatais projetadas para apoiar e defender uma imprensa livre não estão ativas no México. Isto significa que a imprensa exerce sua responsabilidade de expor a corrupção governamental e informar o público sem proteção alguma.
"[Os jornalistas] dizem que continuam divulgando informações porque isso é fundamental para a democracia", disse Corcoran à LJR em setembro, por ocasião da publicação de seu livro “In the Mouth of the Wolf: A Murder, A Coverup and the True Cost of Silencing the Press” ("Na Boca do Lobo: Um Assassinato, Um Encobrimento e o Verdadeiro Custo de Silenciar a Imprensa").
"Então é com este propósito que continuam a investigar e escrever, e também com a esperança de que um dia isso mude", acrescentou ela.
Além disso, várias autoridades mexicanas, principalmente a nível federal, lançaram uma campanha que ameaça a validade e a transparência do jornalismo. Durante 2022, o presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador elevou o tom de seu discurso hostil para com os meios de comunicação, usando suas conferências de imprensa matinais para desacreditar, estigmatizar e insultar jornalistas que considera adversários de sua administração.
"Isto viola o princípio internacional de liberdade de expressão do México", disse à LJR Sandra Rodríguez, repórter e editora na cidade fronteiriça de Ciudad Juárez, acrescentando que as autoridades devem investigar e punir crimes contra jornalistas para garantir que o campo possa prosperar e contribuir para uma sociedade harmoniosa e informada.
"Somente a justiça cura o conflito social decorrente dos assassinatos e envia a mensagem de que não se permite que eles sejam cometidos", disse Rodríguez.
Embora o México seja um dos países da América Latina que tem um programa estatal para a proteção de jornalistas ameaçados e em situação de risco, constatou-se que tem sérios problemas e falhas estruturais que o impedem de funcionar adequadamente. Este ano, Repórteres sem Fronteiras (RSF) publicou um estudo identificando problemas graves dentro do Mecanismo Federal de Proteção de Defensores de Direitos Humanos e Jornalistas, que faz parte do Ministério do Interior do México.
De acordo com o estudo, o Mecanismo requer mudanças urgentes para garantir sua eficácia. Entre as "falhas estruturais importantes" estão sua dependência de instituições ineficazes (como a polícia, o Exército e o Judiciário), metodologias de análise de risco e planos de proteção que não consideram as particularidades da prática jornalística, medidas insuficientes e atrasos em sua implementação, e falta de recursos humanos e financeiros.
Isto fez com que vários beneficiários do mecanismo fossem mortos ou sofressem tentativas de assassinato. Alguns dos jornalistas mortos até agora em 2022 estavam sob a proteção do mecanismo mexicano, incluindo Lourdes Maldonado, morta em 23 de janeiro em Tijuana, Baja California, e Gamboa Arenas, assassinado em 10 de janeiro em Veracruz.
Mas a liberdade de imprensa no México não está ameaçada apenas pela violência direta. A publicidade governamental frequentemente representa uma forma de censura ao jornalismo independente, de acordo com um estudo publicado pela Artigo 19 em outubro. Muitos jornais, estações de televisão locais e outros veículos de mídia no México estão cada vez mais dependentes da publicidade do governo devido à deterioração de seu modelo comercial, e muitas vezes ela se torna uma ferramenta de controle.
"Bilhões de pesos têm sido usados para manter uma cultura de maquinação e engano da população através da compra de espaço na mídia e das expressões de vários jornalistas em todo o país, com a intenção de elogiar o governo ou figuras governamentais no cargo", afirma o relatório da Artigo 19. "O uso perverso da publicidade oficial como mecanismo de censura é um pilar da estrutura do sistema político mexicano, e a mídia se acostumou a ela.”
Diante do panorama difícil do jornalismo mexicano, jornalistas concordam que sua única esperança é que o público venha a compreender o valor de uma imprensa livre em sua vida diária e, como resultado, se torne uma força exigente para que o governo proteja os jornalistas.
"Precisamos explicar melhor ao nosso público o que fazemos e porque [o jornalismo] é diferente de outros tipos de informação. (...) Também precisamos explicar ao público nosso papel na manutenção da liberdade de expressão", disse Corcoran.
Garza enfatizou como o jornalismo transmite à sociedade informações relacionadas à sua vida cotidiana. As pessoas precisam de informações tanto sobre eventos globais quanto locais. Por exemplo, ele disse, se o serviço de água foi interrompido em um bairro ou se houve um aumento de tiroteios em uma comunidade.
"As pessoas lêem e escutam [ameaças contra a imprensa livre] e dizem que o jornalismo é uma profissão perigosa. Mas eu não sei se elas realmente entendem seu valor", disse Garza. "As pessoas precisam saber o que acontece quando se perde o jornalismo independente".
Quando Garza e seus colegas começaram a receber ameaças em 2007, o jornalista reconheceu que era necessário tomar medidas para se proteger e proteger aqueles que trabalham na imprensa. Fazer isso, disse ele, foi um processo de tentativa e erro, dado que havia menos pesquisa disponível para referência na época.
"Agora que os jornalistas mexicanos enfrentam um perigo crescente, temos que estar mais conscientes de como nos proteger", disse Garza.
Algumas das medidas que ele colocou em prática incluem a exclusão dos nomes dos repórteres nas histórias sobre crimes, a fim de proteger sua identidade. Além disso, Garza disse que era melhor evitar publicar fotografias explícitas, como as que mostram corpos ensanguentados na rua. Fazer isso poderia, inadvertidamente, ampliar as mensagens que os criminosos querem espalhar.
As medidas de segurança digital são igualmente importantes, e todos na redação devem estar de acordo para que elas sejam eficazes.
Frank Smyth, fundador da GJS-Security, uma empresa americana que fornece treinamento em segurança jornalística, disse à LJR que no final dos anos 80 os jornalistas tinham crachás para informar ao público para qual organização jornalística eles trabalhavam. Hoje em dia, isto seria considerado perigoso.
"[Hoje] ninguém tenta se identificar como jornalista, porque isso só seria um convite para ameaças", disse ele.
Smyth recomenda que os jornalistas façam o curso “Hostile Environment and First Aid Training” (“Capacitação em ambientes hostis e primeiros socorros”), disponível no YouTube. Criado pela International Women's Media Foundation (IWMF), o curso prepara jornalistas para reportar com cautela em um terreno cada vez mais perigoso, especialmente para as mulheres. Também pode melhorar o conhecimento da situação, a autodefesa e as habilidades de primeiros socorros dos jornalistas.
Nas redes sociais, jornalistas devem ser cautelosos com suas publicações, certificando-se de que as informações postadas não revelem muitos detalhes, tais como sua localização ou planos de viagem, disse Garza. Também pode ser útil ter um telefone para uso pessoal e outro exclusivamente para o trabalho e reportar em campo.
Garza foi editor do e-book "Proteção de Jornalistas: Segurança e Justiça na América Latina e no Caribe", publicado em setembro deste ano. É uma compilação de 14 reportagens que foram publicadas na LJR de dezembro de 2021 a julho de 2022, centradas em como os jornalistas podem permanecer seguros enquanto cobrem protestos e conflitos violentos. Também discute o desenvolvimento de mecanismos de proteção para jornalistas na América Latina e a investigação e judicialização da violência contra jornalistas.
O e-book, financiado pelo Fundo Mundial de Defesa da Mídia da UNESCO, pode ser baixado gratuitamente em inglês, espanhol ou português da biblioteca digital do site JournalismCourses.org.
*Esta reportagem foi realizada como um trabalho da disciplina “Jornalismo e Liberdade de Imprensa na América Latina”, na Escola de Jornalismo e Mídia da Universidade do Texas em Austin.
Emily Engelbart nasceu em Houston, Texas. Ela é estudante de Jornalismo com especialização em espanhol e certificado em Meio Ambiente e Sustentabilidade na Universidade do Texas em Austin. Emily gosta de relatar sobre temas relacionados ao meio ambiente e à ciência, além dos eventos atuais nos EUA e na América Latina.