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"Venho aqui também pedir apoio, ajuda e justiça no trabalho, porque temo até pela minha vida", disse a jornalista Lourdes Maldonado, cara a cara, a Andrés Manuel López Obrador em março de 2019, durante uma das coletivas de imprensa matinais diárias que o Presidente do México realiza no Palácio Nacional, na Cidade do México.
Menos de três anos depois, a comunicadora foi morta a tiros do lado de fora de sua casa na cidade de Tijuana.
Maldonado teve uma carreira jornalística de mais de quatro décadas. Ela trabalhou em grandes meios de comunicação, como Televisa e Radio Formula, bem como em veículos locais em seu estado natal, Baja California. Antes de sua morte, ela apresentou o noticiário local “Brebaje”, que era transmitido às segundas, terças e quartas-feiras às 13h no rádio e na internet.
Poucas horas antes de perder a vida, na tarde de domingo, 23 de janeiro, Maldonado conversou por telefone com Esaú, integrante de sua equipe de produção, sobre o conteúdo da programação da segunda-feira seguinte. No entanto, essa transmissão nunca foi ao ar.
O último noticiário de Maldonado, na quarta-feira, 19 de janeiro, foi uma homenagem ao fotojornalista Alfonso Margarito Martínez, assassinado dois dias antes. Ambos os comunicadores colaboraram na rede Primer Sistema de Noticias (PSN), com a qual Maldonado entrou com uma ação trabalhista que durou quase uma década. A jornalista clamou por justiça em seu programa pela morte do colega.
Um dia depois, Maldonado se juntou a dezenas de jornalistas, fotógrafos e comunicadores de ambos os lados da fronteira EUA-México para realizar uma vigília em homenagem a Martínez na área de Tijuana conhecida como Las Tijeras. Cercados por imagens do fotojornalista morto, velas e flores, os participantes disseram que fariam protestos pedindo justiça. Maldonado chegou a sugerir a criação de um concurso de fotografia em memória do colega.
"Ela era uma excelente comunicadora. Era uma mulher trabalhadora, dedicada, apaixonada, visionária, com uma voz única para dar as notícias", disse à LatAm Journalism Review (LJR) Verónica Sánchez, diretora do Sintoniza sin Fronteras, a organização sem fins lucrativos que patrocinou Maldonado na produção de seu programa. "Sem dúvida, ela era uma mulher guerreira, sempre lutando pelos direitos dos outros, e eu era apaixonada por isso. Por isso unimos forças e decidimos trabalhar juntas."
Durante seis anos, Maldonado trabalhou na PSN, rede fundada pelo ex-governador de Baja California Jaime Bonilla, que pertence ao partido político do presidente López Obrador (Morena). A própria jornalista teve uma batalha trabalhista por nove anos contra a emissora de televisão por demissão sem justa causa e salários atrasados. Em 19 de janeiro, Maldonado anunciou através de um vídeo que as autoridades haviam decidido a seu favor.
No vídeo, seu advogado explicou que, após a recusa da PSN em cumprir a decisão, a lei seguiria adiante com um embargo, no qual a jornalista seria a mandatária.
Na tarde de 23 de janeiro, Maldonado foi baleada várias vezes na cabeça enquanto dirigia seu carro perto de sua casa. Seu agressor fugiu em um táxi, de acordo com o Gabinete do Procurador-Geral de Baja California. A jornalista foi cadastrada no Programa de Proteção a Jornalistas e Defensores de Direitos Humanos do Governo Federal.
Quando questionado sobre os acontecimentos na manhã seguinte, o presidente do México pediu para não se apressar em julgar nem vincular o crime à batalha judicial em que Maldonado enfrentava o ex-governador.
“Você não pode vincular automaticamente um processo trabalhista a um crime. Não é responsável por pré-julgar. Temos que esperar (...) Não haverá impunidade”, disse López Obrador.
Horas depois, em entrevista ao Grupo Fórmula, o ex-governador Bonilla negou estar envolvido no assassinato, embora tenha reconhecido a vitória judicial a favor de Maldonado e assegurado que a resolução desse processo estava pendente.
Quando Maldonado apresentou seu caso ao presidente López Obrador em 2019, ela disse que estava pedindo apoio porque Bonilla "era uma figura forte na política", que não pretendia pagá-la.
Ao anunciar o embargo à PSN, Maldonado disse ao advogado que se manifestaria contra os supostos abusos trabalhistas que a empresa exerceu contra seus funcionários, que ela também sofreu.
“[PSN] nunca pagou previdência social, nunca pagou Infonavit [fundo de habitação] e nunca pagou Afore [fundo de aposentadoria]”, disse a jornalista em um vídeo postado nas redes sociais. “Não há folha de pagamento para os funcionários porque eles são pagos em um pequeno envelope. Eu sei, e tenho certeza, que não pagam nada”.
“Sem dúvida, hoje nós defendemos essa luta que ela lutava para que a justiça fosse feita, porque era justa para todos os jornalistas. É uma sensação de impotência, porque no final das contas vemos um sistema que, sem dúvida, tem muitos buracos e não é justo”, acrescentou Sánchez, que colaborou por pouco mais de um ano com Maldonado.
A rede PSN lamentou as mortes de Maldonado e Martínez e se juntou aos gritos de justiça pelos crimes contra os dois comunicadores. "Exigimos justiça e esclarecimento de sua morte, que se soma à de outra de nossas colegas, já que Margarito Martínez também foi nosso colaborador", disse à LJR Juan Arturo Salinas, diretor geral da empresa. “É lamentável que uma colega tenha perdido a vida nessas circunstâncias. Nossa profissão, que foi repetidamente prejudicada, lamenta sua morte”. Mortes, indignação e alerta
Na terça-feira, 25 de janeiro, jornalistas e cidadãos em pelo menos 27 dos 32 estados do México realizaram vigílias e manifestações pelos assassinatos de jornalistas nas últimas semanas. Jornalistas e ativistas convocaram um dia de mobilização nacional para mostrar indignação com o aumento da violência contra a imprensa no país.
Com hashtags como #NoSeMataLaVerdad (não se mata a verdade), #PeriodismoEnRiesgo (jornalismo em risco) e #NiSilencioNiOlvido (nem silêncio nem esquecimento), o protesto também chegou às redes sociais.
Lourdes Maldonado é a terceira comunicadora a perder a vida violentamente em menos de um mês no México. Isso gerou alertas de organizações nacionais e internacionais que defendem a liberdade de expressão, como Repórteres Sem Fronteiras (RSF) e Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Cada uma delas publicou uma declaração condenando o grave aumento da violência contra jornalistas em tão pouco tempo e exigindo justiça.
Em 17 de janeiro, o fotojornalista especializado em assuntos policiais Alfonso Margarito Martínez também foi assassinado em Tijuana. Martínez, que trabalhava para o Zeta Weekly, foi baleado duas vezes ao sair de casa para relatar uma história. Apenas um mês antes, o jornalista havia solicitado proteção ao governo de Baja California, mas seu pedido não foi processado devido a uma mudança na administração local, de acordo com o comunicado do RSF.
“Alfonso sempre teve problemas com a polícia por causa das questões que cobria. Em 2019, policiais tentaram confiscar seu equipamento. Ele sofreu vários incidentes como este”, disse a jornalista Adela Navarro, diretora do Zeta Weekly, ao RSF.
Uma semana antes, em 10 de janeiro, o jornalista independente José Luis Gamboa foi encontrado morto perto de sua casa, no estado de Veracruz, com indícios de ter sido esfaqueado. Gamboa foi diretor do meio de comunicação digital Inforegio-Netword e do semanário El Regional del Norte. Dias antes, o jornalista havia publicado críticas ao aumento de assassinatos e à suposta proteção de grupos criminosos pelas autoridades do Porto de Veracruz.
A Comissão Estadual de Atenção e Proteção aos Jornalistas (CEAPP) de Veracruz disse que Gamboa não tinha histórico de ataques ou ameaças e que não estava sob nenhum programa de proteção.
Poucas horas depois dos protestos pela violência contra jornalistas, um grupo armado perseguiu e atirou contra o jornalista indígena José Ignacio Santiago Martínez na rodovia Yosonicaje - Tlaxiaco, na região Mixteca de Oaxaca, informou a Secretaria de Segurança Pública do estado.
De acordo com o relatório oficial, na manhã de 26 de janeiro, alguns indivíduos atacaram Santiago de um táxi em movimento. O jornalista, que está sob o mecanismo de proteção a jornalistas e viajava com guarda-costas, saiu ileso.
O México ocupa a 143ª posição de 180 no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa de 2021 do RSF. A organização registrou sete assassinatos de jornalistas no país no ano passado. O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), por outro lado, classificou o México como o país mais perigoso para a prática do jornalismo na América Latina em seu censo de 2021.
“2022 começou com um banho de sangue para o jornalismo mexicano. Esses assassinatos, cometidos com apenas uma semana de intervalo, anunciam mais um ano sangrento para a liberdade de imprensa no país. No entanto, essa violência que atinge os jornalistas e a impunidade que geralmente se segue não deve ser considerada um mero infortúnio. As autoridades federais e as polícias de Veracruz e Baja California devem fazer tudo o que estiver ao seu alcance para identificar e prender os autores dessas execuções covardes. Os mecanismos de proteção também devem ser reforçados”, disse em comunicado o diretor do Escritório do RSF na América Latina, Emmanuel Colombié.
A SIP também condenou os assassinatos e expressou solidariedade aos familiares dos jornalistas mexicanos.
"Cada assassinato de um colega reflete a gravidade da violência contra jornalistas no país", disse Jorge Canahuati em um comunicado.
A SIP reiterou sua crítica à ineficácia do mecanismo de proteção dos jornalistas do Ministério do Interior mexicano, especialmente no caso de Maldonado, que expressou publicamente que temia por sua vida.
*Este artigo foi atualizado com informações sobre os protestos da terça-feira, 25 de janeiro, e o ataque contra o jornalista José Ignacio Santiago em Oaxaca.