Qual deve ser a primeira ação de uma associação criada para reunir profissionais de produto das redações do mundo? Para quem atua nesta área, a resposta é clara: ouvir dos clientes – que, neste caso, são potenciais associados – quais as suas necessidades e buscar atendê-las da melhor forma possível.
É isso que está fazendo a recém-criada News Product Alliance (NPA), que tem o objetivo de promover e acelerar a cultura de produto nas redações do mundo: uma pesquisa com interessados que se inscrevem através do site da associação, lançado no final de setembro.
“Você reúne um monte de profissionais de produto e nenhuma decisão vai ser tomada sem antes se ter dados do usuário,” disse à LatAm Journalism Review Marco Túlio Pires, que lidera no Brasil o Google News Lab e faz parte do comitê gestor interino da NPA. “A primeira coisa que você faz é escutar o seu usuário, numa espécie de turnê auditiva para desenhar os próximos passos.”
A abordagem orientada a produtos se notabilizou nas empresas de tecnologia, como o Google, e hoje é empregada em diversos setores da economia. “A gerência de produto é uma função central na indústria de tecnologia, onde ela desempenha um papel essencial na mediação da experiência do usuário e das necessidades de negócios, mas sua adoção em redações tem sido mais limitada,” diz o comunicado de apresentação da NPA.
“Tem uma questão que é a separação da Igreja e do Estado [editorial e comercial, no jargão das redações], um princípio estrutural que serviu bem ao jornalismo por muito tempo, mas se você analisar empresas que estão sendo bem sucedidas na transição digital, a maior parte tem uma estratégia de produtos sólida,” disse Pires. “Não significa que o jornalista precisa se tornar vendedor, mas determinadas posições precisam ser híbridas para conectar as partes dentro de uma organização”.
É o que Luciana Cardoso faz no Estadão, um dos três principais jornais diários de abrangência nacional do Brasil, como diretora de estratégias digitais. Segundo ela, um dos pontos de partida é identificar quem é o profissional com funções de gerência de produto na organização – ele provavelmente já existe, mas com outro nome.
“Eu entrei no Estadão em 2011 na área de projetos e só em 2017 começamos a usar a terminologia ‘produto’ para descrever o nosso trabalho”, disse Cardoso à LJR. Ela também faz parte do comitê gestor interino. “Ainda tem muita gente [em organizações de imprensa] que trabalha como produto e não sabe. Essa é uma dificuldade que eu tenho de encontrar pares para trocar ideias e avançar na disciplina.”
Com a NPA, o objetivo é criar uma comunidade global de profissionais de produto jornalístico para troca de experiências e aprendizado que resulte em maior sustentabilidade financeira para a indústria jornalística. Uma das conclusões iniciais da pesquisa, que ainda está coletando dados, é que há busca por mais conhecimentos nesta área.
“A gente já sentia que [esta demanda] seria forte. E comprovamos,” disse Cardoso. Ela explicou como a abordagem de produto está sendo usada na construção da própria associação: “A gente tem de saber o que importa para aquele usuário final [o associado] e tirar as nossas crenças e olhar os dados. Senão a gente nasce com o produto definido da nossa experiência.”
Segundo Pires, mais do que discutir o papel e a atuação dos profissionais de gerência de produtos nas redações, a NPA busca uma mudança de mentalidade e visão, com foco na audiência: “Toda redação precisa focar no leitor, não aprendemos na escola de jornalismo como identificar as necessidades do usuário e transformamos soluções em produtos úteis que ele esteja disposto a pagar”.
Uma das primeiras iniciativas da NPA, através do Google News Initiative, News Catalyst e J+, da Faculdade de Pós-Graduação em Jornalismo Craig Newmark, da Universidade da Cidade de Nova York (CUNY, na sigla em inglês), é um treinamento imersivo em gerência de produto para redações de pequeno porte localizadas nas Américas do Sul, Central e do Norte. As inscrições estão abertas até 11 de novembro.
Em julho, dois membros do comitê gestor interino da NPA participaram do painel “Gerenciamento de produtos: como as organizações de notícias podem se tornar mais orientadas ao público, a dados e focadas em produtos” durante o Simpósio Internacional de Jornalismo Online (ISOJ, na sigla em inglês): Aron Pilhofer, ocupante da cadeira James B. Steele de Inovação em Jornalismo da Temple University e diretor do News Catalyst, e Cindy Royal, professora e diretora do Media Innovation Lab, Texas State University. Os participantes concordaram que uma redação voltada para produtos pode abrir novas fontes de receita para o jornalismo.