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Presidente do México revela renda de jornalista e público reage de forma inédita nas redes sociais

Na tarde de quinta-feira, 10 de fevereiro, vários homens mataram a tiros o jornalista Heber López Vásquez na cidade de Salina Cruz, no estado de Oaxaca. López Vásquez, fundador e diretor dos veículos digitais NoticiasWeb e RCP Noticias, tornou-se o quinto jornalista morto no México em menos de seis semanas.

Seus agressores fugiram, mas a polícia municipal os alcançou e os prendeu pouco tempo depois. A Promotoria de Oaxaca disse que não descartou que o crime se deve à profissão de López Vásquez, segundo nota do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ).

Em meio a esse cenário de violência contra a imprensa, no dia seguinte o presidente Andrés Manuel López Obrador aproveitou novamente sua conferência matinal para intimidar um jornalista. O presidente divulgou números sobre a suposta renda do jornalista Carlos Loret de Mola, que em janeiro transmitiu em seu programa na plataforma digital Latinus a investigação "É assim que vive o filho mais velho de AMLO em Houston", produzida pela organização Mexicanos Contra la Corruption y la Impunidad (MCCI).

AMLO mostrando os supostos números de renda de Loret

O presidente não revelou a fonte da informação sobre os rendimentos de Loret de Mola. (Foto: Captura de tela do streaming no Facebook)

López Obrador mostrou um gráfico, cuja fonte ele não revelou, que detalhava a suposta receita de 35 milhões de pesos mexicanos por ano (cerca de USD 1,75 milhão) pelo trabalho do jornalista em diferentes meios, como Televisa, Televisa Radio e Latinus, bem como dos jornais El Universal e The Washington Post, apesar de, no México, a quebra de dados pessoais e fiscais serem crimes.

A reação do público e das organizações sociais às ações do presidente foi inédita: mais de 64 mil pessoas aderiram a um Twitter Space organizado pela associação Sociedad Civil México, no qual jornalistas, defensores da liberdade de expressão e membros da sociedade civil discutiram os ataques a Loret de Mola e o aumento da violência que os jornalistas sofreram no México nas últimas semanas.

O Twitter Space - um recurso de mídia social para conversas de áudio ao vivo - durou quase 10 horas e na segunda-feira, 14 de fevereiro, ultrapassou 1,5 milhão de ouvintes. Segundo os organizadores, tornou-se o Espaço mais movimentado da história daquela plataforma.

“Em um México brutalmente polarizado, a sociedade encontrou um denominador comum de entendimento na sexta-feira: o presidente abusou e violou a lei, isso é grave e não deve acontecer novamente. Até muitas vozes afiliadas ao regime concordaram com isso”, escreveu Loret de Mola em sua coluna para o The Washington Post em 14 de fevereiro. “Ver um presidente usando os instrumentos do Estado para intimidar um jornalista – no meu caso, com a visibilidade que ter trabalhado durante anos na mídia nacional de alto impacto me deu – nos fez pensar na vulnerabilidade de quem não tem essa visibilidade para se defender dos ataques diários que vêm de um presidente [...], de um governador, de um prefeito ou de um delegado de polícia”.

Organizações que defendem a liberdade de imprensa também condenaram as ações de López Obrador contra jornalistas. A Associação Interamericana de Imprensa (SIP) reiterou seu apelo ao presidente do México para que suspenda imediatamente todos os ataques e insultos contra jornalistas, já que estes, segundo ela, incentivam a violência contra os jornalistas.

“O caso Loret Mola é um exemplo da postura vingativa do presidente, que usou informações fiscais confidenciais para atacar o jornalista”, disse Carlos Jornet, presidente do Comitê de Liberdade de Imprensa e Informação da SIP, em comunicado de 14 de fevereiro. “A escalada de ataques pessoais a meios de comunicação e jornalistas que questionam sua administração e divulgam informações é um convite para perpetrar mais violência e é contrário à tolerância que deve prevalecer em uma democracia.”

O Artigo 19 expressou preocupação com as ações de López Obrador e disse que expor a renda de um jornalista viola a privacidade, estigmatiza o trabalho jornalístico e viola os padrões de liberdade de expressão.

Espaço Twitter

O Espaço Twitter #TodosSomosLoret ultrapassou 1,5 milhão de ouvintes. (Foto: captura de tela do Twitter)

“Não é de interesse público conhecer os rendimentos recebidos por particulares, como jornalistas. Neste caso, o presidente não apontou a possível existência de atos ilícitos ou vínculos com funcionários públicos que justifiquem a divulgação de informações fiscais do jornalista, o que se traduz em ato de intimidação contra um jornalista crítico do governo", segundo um comunicado divulgado pela organização no fim de semana.

Por sua vez, a Ordem dos Advogados do México emitiu uma posição exigindo que o presidente revele a fonte da informação sobre a suposta renda de Loret de Mola, já que sua divulgação constitui uma violação do artigo 16 da Constituição mexicana, que garante o direito humano à proteção de dados pessoais, bem como o artigo 69 do Código Tributário do país.

“O artigo 69 do Código Tributário Federal estabelece o sigilo fiscal, que protege as informações do contribuinte obtidas pelas autoridades no exercício de seus poderes”, disse a organização. "Informações sensíveis, independentemente de sua fonte, sobre qualquer cidadão não devem ser reveladas e muito menos divulgadas pelo chefe do Executivo federal, uma vez que a integridade, a segurança e a privacidade da pessoa estão ameaçadas e contra o estado de direito."

Por meio de um vídeo postado em suas redes sociais na sexta-feira, poucas horas após a entrevista coletiva de López Obrador, Loret de Mola negou a veracidade dos números apresentados e disse que o presidente o colocou em risco ao divulgar informações confidenciais.

“O presidente disse que a Televisa me pagou milhões de pesos no ano passado, mas não trabalho para a Televisa desde 2019. Mas mesmo que os dados estejam errados, muitas pessoas acreditam no que o presidente diz, e o que ele fez hoje é colocar minha família e eu à mercê do crime", disse Loret.

Latinus, W Radio e The Washington Post, mídias para as quais Loret de Mola contribui, publicaram as respectivas declarações nas quais condenam as ações do presidente e manifestam sua preocupação com a escalada de seus ataques.

AMLO responde com mais ataques

Apesar das múltiplas condenações à divulgação dos dados privados de Carlos Loret de Mola no fim de semana, o presidente López Obrador repetiu a intimidação contra o jornalista durante sua entrevista coletiva matinal na segunda-feira, 14 de fevereiro, e voltou a mostrar o gráfico com os supostos números de renda o jornalista faz.

“E por que esse homem ganha tanto? Porque ele é pago pela 'máfia do poder' para me atacar, nos enfraquecer e trazer de volta o mesmo velho regime corrupto", disse o presidente.

Carlos Loret de Mola

Carlos Loret de Mola disse que as informações reveladas pelo presidente o colocam à mercê do crime. (Foto: captura de tela do vídeo no Twitter)

“Como não tornar pública esta informação quando este homem procura apenas atacar, não só o governo, não só o presidente, mas o projeto de transformação que milhões de mexicanos estão realizando para acabar com o principal problema do México: corrupção”, acrescentou pouco tempo depois.

López Obrador anunciou que vai pedir ao Instituto Nacional de Transparência, Acesso à Informação e Proteção de Dados Pessoais (INAI) que investigue os rendimentos de Loret de Mola por uma questão de transparência, apesar de o referido instituto tratar apenas de dados de funcionários públicos. No entanto, o presidente argumentou que os meios de comunicação social são entidades de interesse público porque o Estado lhes concede licenciamento.

Na sexta-feira, 11, o INAI exortou os servidores públicos a agirem de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e disse estar atento à possibilidade de Loret de Mola apresentar queixa pela divulgação das suas informações privadas.

“Depois que os dados relativos aos alegados rendimentos auferidos por uma pessoa singular pelo seu trabalho jornalístico foram hoje revelados, o Instituto Nacional de Transparência, Acesso à Informação e Proteção de Dados Pessoais (INAI) mantém-se atento à reclamação que possa apresentar”, disse a agência.

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