2022 foi um ano rico em investigações jornalísticas na América Latina. Reportagens de fôlego e impacto revelaram jogaram luz em atividades controversas que líderes públicos e privados gostariam de manter no escuro. Repórteres fizeram uso de documentos públicos e vazados, apuração tradicional e técnicas inovadoras, como inteligência artificial, para levantar e analisar dados.
Para homenagear todos os jornalistas latino-americanos que atuam diuturnamente e correm riscos para revelar informações de interesse público, a LatAm Journalism Review (LJR) apresenta quatro investigações que se destacaram em 2022.
Esta não é de longe uma lista completa do que de melhor foi produzido por jornalistas latino-americanos no ano passado, mas captura ao mesmo tempo originalidade, impacto e inovação jornalística. Esperamos que estas reportagens sirvam de inspiração para você em 2023.
Na Nicarágua, as restrições ao trabalho da imprensa são muitas. Desde que voltou à Presidência do país, Daniel Ortega, que tem como vice-presidente a sua mulher, Rosario Murillo, fechou jornais, emissoras de TV e de rádio, prendeu e processou jornalistas. Como resultado, uma quantidade expressiva de jornalistas rumou para o exílio.
Por isso, esta investigação de Confidencial, um dos jornais empastelados pelo governo, se destaca como um sopro de resistência no jornalismo nicaraguense. Mesmo com a redação onde funcionara a publicação ocupada desde 2018, jornalistas seguem trabalhando e produzindo material de impacto. Com recursos limitados, se valeram de documentos públicos para levantar informações e revelar pela primeira vez uma rede de 22 empresas privadas que experimentaram um crescimento exponencial desde o retorno de Ortega à Presidência. A investigação demonstra que os negócios se expandiram a partir da apropriação do acordo de cooperação estatal firmado com a Venezuela estimado em USD 5 bilhões.
A investigação mostra também como pessoas ligadas à família presidencial usam estas empresas para acessar fundos do Estado através de contratos com instituições públicas e vantagens em concessões de serviços de telecomunicações. Pelo menos oito filhos de Ortega e Rosario Murillo, a vice-presidente, recebem salários de empresas da rede, segundo Confidencial.
A partir de imagens de satélite e com auxílio de inteligência artificial, jornalistas do nativo digital venezuelano Armando.info identificaram 3.718 pontos de garimpo, em sua maioria ilegais, nos estados de Bolívar e Amazonas e trilhas clandestinas usadas pelo crime organizado transfronteiriço para despachar carregamentos de ouro e drogas. A série de reportagens Corredor Furtivo saiu simultaneamente no espanhol El País.
A investigação fez uso de um bot programado para rastrear imagens do satélite Sentinel 2, da Agência Espacial Europeia. O resultado foi um mapa analisado minuciosamente para identificar possíveis minas e pistas de pouso ilegais. Uma vez mapeados os pontos identificados nas imagens de satélite, entrou em campo a reportagem tradicional, com repórteres enviados a parte dos locais indicados para verificar as informações.
“Este não era um trabalho para focar apenas na tecnologia, mas para aproveitar suas vantagens com o objetivo de ir a campo não mais de olhos vendados. A ideia sempre foi transcender a denúncia ou a crônica das visitas que costumam ser feitas esporadicamente nos garimpos ilegais do sul do país,” explica o texto da reportagem.
A série contou com seis artigos, que contam como garimpeiros ilegais construíram uma estrutura clandestina na selva venezuelana, com apoio de cartéis de traficantes de drogas e guerrilheiros. As reportagens mostram também como comunidades de indígenas resistem à presença dos criminosos em suas terras, em que pese o risco a que estão sujeitas.
Num contexto em que entregadores de aplicativos reivindicam direitos trabalhistas, uma investigação da Agência Pública, do Brasil, mostrou como agências de comunicação contratadas pelo iFood usaram métodos controversos para desmobilizar e desmoralizar o movimento dos trabalhadores.
A investigação demonstrou que as agências de comunicação a serviço do iFood teriam monitorado movimentos grevistas de entregadores por meses, usado perfis falsos em redes sociais e infiltrado agentes em manifestação. Esses perfis, sem identificação visível com as agências ou com o aplicativo, criticavam os movimentos que reivindicavam melhores condições de trabalho.
Para publicar “A máquina oculta de propaganda do iFood” revelou, a Agência Pública “acessou mais de 30 documentos das campanhas — entre relatórios de entrega, cronograma de postagens, vídeos, atas de reuniões e trocas de mensagens —, além de conversar com pessoas que trabalharam nas agências e acompanharam a campanha desenvolvida para o iFood durante pelo menos 12 meses.”
Como resultado, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária abriu uma investigação contra o iFood e as agências contratadas. O iFood também entrou na mira de uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara de Vereadores de São Paulo que investiga a situação trabalhista dos entregadores de aplicativos.
Como um aristocrata belga sob investigação por lavagem de dinheiro transferiu milhões de euros para a Colômbia? De posse de registros notariais e milhares de documentos dos "Dubai Papers", uma investigação de repórteres do meio nativo digital Cerosetenta mostram como Henri de Croÿ, descendente da nobreza belga, construiu um patrimônio imobiliário avaliado em USD 16 milhões em Cartagena.
De Croÿ é acusado de montar um esquema de evasão fiscal que escondeu centenas de milhões de euros das autoridades fiscais em nome de clientes ricos na Europa. Os repórteres o encontraram em Cartagena, investindo dinheiro em uma série de propriedades de luxo.
A investigação identificou cinco propriedades de alto padrão no centro histórico do porto de Cartagena e na ilha de Barú que foram adquiridas por Henri de Croÿ. Além disso, revela o complexo sistema de empresas de fachada em paraísos fiscais e as movimentações financeiras que o príncipe utilizou para encobrir seus rastros nessas aquisições.
A reportagem mostra que as propriedades foram adquiridas enquanto De Croÿ exercia na Europa as atividades pelas quais foi acusado de fraude fiscal e lavagem de dinheiro. As descobertas estavam fora do radar dos investigadores europeus e entraram na mira de ex-clientes do belga que o processam para tentar recuperar parte do que perderam em investimentos gerenciados por ele.