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Sites de notícias da América Latina e Espanha experimentam para atingir audiência e financiar jornalismo de qualidade

(*)Para mais notícias do 10º Colóquio Ibero-americano de Jornalismo Digital, por favor ver abaixo 

Em um contexto global em que a demanda pelos jornais tradicionais diminui e no qual aumenta o uso das tecnologias de informação e comunicação, os jornalistas se vêem obrigados a desenvolver formas engenhosas de entregar seus produtos.

Principalmente nos últimos dois anos, muito do conteúdo jornalístico digital está cada vez mais orientado para satisfazer a audiência que consome notícias em seus telefones celulares e por meio de mídias sociais. Da mesma forma, cresce de forma notável o uso do jornalismo de dados nos novos meios digitais.

Um grande grupo de jornalistas de veículos tradicionais e nativos digitais ibero-americano se encontrou em 23 de abril, no 10 Colóquio Ibero-americano de Jornalismo Digital, organizado pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas todo ano no campus da Universidade do Texas, em Austin.

O tema desta edição do colóquio foi: casos de inovação e sustentabilidade no jornalismo ibero-americano.

Um dos participantes da segunda metade do encontro foi o jornalista espanhol Borja Bergareche, diretor de inovação digital do Grupo Vocento da Espanha.

Bergareche contou detalhes do Projeto Medusa, para o qual foi produzido conteúdo exclusivo para telefones celulares.

Para o projeto, foi desenvolvida uma plataforma automática de tratamento e reaproveitamento de bases de dados para produzir conteúdo jornalístico. Isto é, por meio de buscadores de rede, a plataforma recolhe dados específicos de algum tema e cria conteúdo de forma automática, sem que exista um esforço de redação por trás.

Um dos produtos para celulares do projeto foi "info-playas" (info-praias). Com esse produto, foi programado o envio automático de informações para leitores de 8 meios de comunicação. Os dados enviados foram sobre clima, ondas, vento, bandeiras e surf de 600 praias da Espanha.

Outro palestrante, Gastón Roitberg, do La Nación da Argentina, contou que está sendo feita uma mudança de produto no jornal, para que tudo que seja desenvolvido seja mobile first.

Roitberg contou que o seu veículo está em plena evolução e expansão digital, com objetivo de criar uma experiência nova com os produtos diários.

O jornalista Luis Fernando Bovo, do jornal brasileiro O Estado de S. Paulo, explicou como o veículo, com 142 anos de história, explora as novas tecnologias para manter a sua relevância entre os leitores.

Eles criaram um produto que tem sido bastante rentável. Se trata do envio de notícias a assinantes por Whatsapp. O jornal envia três manchetes das notícias mais importantes do dia e os seus respectivos resumos. Isso ocorre três vezes por dia: de manhã, de tarde e de noite. E graças a isso o tráfico do site do jornal aumentou de forma notável.

Natalia Mazotte, diretora do Gênero e Número, comentou sobre as dificuldades que o jornalismo de dados tem para articular um enfoque de gênero. Os governos do Brasil e de outros países na região não coletam informações "oficiais" sobre a orientação de gênero, o que torna complicado para os jornalistas contarem com dados para analisar e informar o debate público sobre, por exemplo, transexuais. Somente com dados abertos sobre gênero, argumenta Mazotte, é possível promover a redução da desigualdade de gênero. Em um país como o Brasil, Gênero e Número busca alcançar esse objetivo por meio de notas e vídeos curtos, contextualizados e interativos.

Por outro lado, Nela Balbi do IPYS Venezuela falou sobre as enormes dificuldades que o jornalismo enfrenta em contextos em que os governos limitam o acesso à informação. Na Venezuela, o governo de Nicolás Maduro deixou de lado diversas práticas que costumavam ser voltadas para difundir dados oficiais. Hoje somente se respeita o diário oficial no qual são publicados diariamente as leis e decretos. Com a colaboração da Transparência Venezuela e o apoio da Open Society, o projeto Vendata, do qual Balbi e IPYS fazem parte, conseguiu reunir toda a informação normativa disponível na última década e construir uma base de dados que será acessível para jornalistas, ONGs e acadêmicos. A plataforma também permite rastrear a história e todos os detalhes das políticas públicas e programas do governo. A base de dados será lançada no final de abril.

Natalia Viana, da Agência Pública, descreveu a abordagem da sua organização para apoiar o jornalismo de dados: distribuem bolsas para jornalistas independentes para que produzam histórias de interesse público –principalmente sobre direitos humanos. “As notícias falsas não têm muros”, disse Viana, ressaltando a importância de ter conteúdos sem custo e disponíveis para todos. A Agência Pública trabalha para que os jornalistas tenham recursos e tempo para desenvolver as suas matérias e reportagens –publicadas em diversos formatos, como podcasts e vídeos– de excelente qualidade.

Marcela Turati, do Quinto Elemento Lab, comentou as dificuldades do jornalismo investigativo no México. A impunidade diante dos assassinatos e ameaças contra jornalistas torna a profissão pouco atrativa para os jovens, mas também para os experientes na área. Há, nesse sentido, uma ausência de editores. Quinto Elemento Lab nasce assim como um espaço de investigação e inovação jornalística.

Iván Slocovich Pardo, diretor do jornal Correo (Peru), contou as estratégias do veículo para enfrentar o complexo contexto atual em que a renda dos jornais com vendas diminui constantemente. Correo, que é parte do conglomerado Epensa, tem edições específicas para diversos locais do país. Isso é uma vantagem comparativa do jornal em relação aos meios de alcance nacional em que predominam notícias somente sobre a capital. Mas isso também significa ter vários desafios. Quando Slocovich Pardo chegou à direção, cada um dos escritórios do jornal era dirigido com certa independência, de modo que inclusive as notícias nacionais eram feitas de forma local. Implementar uma estrategia de redação convergente permitiu que o jornal otimizasse recursos e fosse mais eficiente. Da mesma forma, fecharam convênios com universidades e institutos para facilitar que os estudantes de jornalismo e áreas similares criassem conteúdos que pudessem ser usados pelo jornal.

Paula Molina, da Rádio Cooperativa de Chile, contou sobre o desafio de inovar em uma das estações de rádio mais históricas e tradicionais do país. Nesse sentido, Molina disse, apostaram em fazer um podcast diário, "A história é nossa", do qual ela é diretora.

Aproveitando a profundidade que o formato permite e o imediatismo do rádio, puderam expandir sua paleta de temas, disse Molina. Cinema, efemérides, esportes, música, ciência, tendências e notícias de conjuntura são temas discutidos no podcast, que também é promovido nas redes sociais.

Na produção do podcast, explicou Molina, encontraram novas formas de se relacionar com a sua audiência. Eles também aprenderam a usar os recursos da rádio de várias maneiras, enquanto eles adquiriram outras habilidades - mais técnicas - para fazer o seu trabalho.

Daniel Dessein apresentou a experiência do La Gaceta de Tucumán, um dos jornais argentinos com a maior  circulação regional e a quarta a nível nacional. Dessein revelou que continuam se esforçando para tornar o jornal cada vez mais rentável e comprometido com o seu público, fazendo mais produtos digitais. Além disso, há dois anos eles criaram um jornal nativo digital em Salta e estão considerando implementar um paywall. Isso irá permitir que eles conheçam melhor os seus leitores fiéis, disse Dessein.

Por sua vez, Maria Noel Scanarotti, editora de audiência do jornal Clarín da Argentina, apresentou os detalhes da experiência mobile-first do seu veículo.

Por ocasião da eleição presidencial dos EUA em 2016, o Clarín decidiu fazer uma cobertura mobile com vários focos, com o apoio do seu site e redes sociais. Usando um bot, entre 8 e 9 de novembro, fizeram uma dinâmica de perguntas e respostas sobre as declarações polêmicas que o então candidato Donald Trump havia feito durante sua campanha. O impacto foi positivo, Scanarotti disse, porque, em 9 de novembro, o Clarín chegou a ter 2 milhões de visitantes únicos e 5 milhões de page views.

Isto tornou possível gerar uma nova audiência, disse a jornalista, e aumentou o número de usuários dispostos a assinar o Clarin para receber notificações. Com isso, também notaram uma mudança nos hábitos de consumo de notícias, disse ele.

Margarita Funes, do  jornal centenário La Prensa, do El Salvador, contou a experiência do jornal com o consumo de notícias em redes sociais. Isso mudou a demanda por informações, o estilo de leitura de notícias e o tempo para informar, disse.

O único que deve permanecer sólido é o jornalismo, disse Funes. Ou seja, a reportagem, a verificação de fontes e a responsabilidade pela gestão da informação em todos os seus gêneros, afirmou.

Para Franco Piccato, do veículo La Voz del Interior de Argentina, disse que a melhor tecnologia já inventada para inovar e criar modelos sustentáveis para o jornalismo são as pessoas. "Se as pessoas não são protagonistas da mudança, a organização não vai mudar", defendeu Piccato em sua apresentação.

Elaine Díaz, diretora do Periodismo de Barrio, de Cuba, disse que para conseguir levar adiante o seu site em 2015, tiveram que fazer uma campanha de arrecadação de fundos pelo PayPal. Graças a isso, conseguiram, com a contribuição de 60 doadores, financiar a sua proposta de jornalismo, em meio a limitações editoriais, econômicas e políticas que caracterizam o país. O que eles buscam, disse Díaz, é propiciar as condições de uma reforma constitucional em Cuba para que não seja criminalizada esse tipo de iniciativa jornalística.

Alejandra César, do El Financiero, do México, revelou que quando eles começaram como veículo, tinham menos de meio milhão de usuários. Hoje estão perto de 7 milhões. Eles apostaram em uma reestruturação constante, alocando equipes de trabalho em produtos e temas específicos, mas sem deixar de trabalhar todos juntos.

A maioria dos jornalistas presentes no colóquio concordaram que os meios de comunicação devem ter todas as suas áreas trabalhando em conjunto.

Para poder se reinventar nesta era de mudança tecnológica, de novos formatos, para alcançar públicos novos e maiores e para reconstruir a confiança dos leitores, as áreas de negócios, editorial e tecnologia devem estar envolvidas neste processo.

Quanto a inovações bem-sucedidas de modelos de negócios que financiam de forma sustentável um veículo, o jornalista brasileiro Fernando Rodrigues contou a experiência do Poder 360.

Rodrigues comentou que antes de o Poder 360 ter um site próprio, as suas newsletters com informes jornalísticos sobre política no Brasil eram vendidas para empresas, por meio de assinaturas. Isso foi importante para financiar o lançamento do seu site em 22 de novembro de 2016, que agora conta com 18 jornalistas na sua redação.

Para “romper a bolha”, é preciso contar a notícia de forma distinta, usar o humor e testar outros formatos, disse o diretor do Centro Knight, Rosental Alves, diretor do colóquio.


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Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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