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Transparência é ferramenta chave para combater descredibilização do jornalismo, diz pesquisadora brasileira premiada

A pesquisadora brasileira Denise Becker, da Universidade Federal de Santa Catarina, defende a transparência como um valor chave para jornalistas e organizações jornalísticas enfrentarem a onda de descredibilização que afeta a imprensa. A sua pesquisa, Transparência como valor e prática: contribuições do Projeto Credibilidade para o jornalismo brasileiro, venceu o prestigioso Prêmio Adelmo Genro Filho, concedido pela Associação Brasileira dos Pesquisadores em Jornalismo (SBPJOR).

Na sua dissertação, Becker argumenta que a transparência jornalística é um recurso fundamental para explicar o processo e a procedência da informação, que tem como efeito prático a reconstrução da confiança junto ao público. No entanto, organizações jornalísticas resistem a implementar medidas que ampliem a transparência que, Becker ressalta, também incluem ser transparente quanto a quem financia o jornalismo.

“A técnica da transparência e o emprego dos elementos da transparência para dar visibilidade ao conteúdo noticioso precisam ser ensinados nas escolas de jornalismo e nas redações de forma mais ampla,” disse Becker à LatAm Journalism Review (LJR). “O que eu percebi: os jornalistas estão mais favoráveis à adoção desses elementos de transparência, mas eles ainda são muito impedidos pelas regras da organização.”

Abaixo, os principais trechos da entrevista da pesquisadora Denise Becker à LJR, que foi editada para efeitos de clareza e concisão.

Denise Becker: ‘Quando analisamos os códigos de condutas de algumas redações, vemos que algumas vezes o jornalista é completamente tolhido de ser transparente, porque ele faz parte de uma organização’. Foto: acervo pessoal

Denise Becker: ‘Quando analisamos os códigos de condutas de algumas redações, vemos que algumas vezes o jornalista é completamente tolhido de ser transparente, porque ele faz parte de uma organização’. Foto: acervo pessoal

 

O que é transparência no jornalismo e por que ela é importante?

O conceito de transparência tem várias vertentes, mas no meu trabalho eu trato a transparência como um valor para o jornalismo neste século de tanta descredibilização da profissão, de tantos ataques aos profissionais de jornalismo, de tanta dúvida. E numa era de descrença também generalizada, porque acima de uma crise que a gente vive, a gente vive uma era de descrença, a transparência é um marcador essencial para divulgar o conteúdo jornalístico, para dar visibilidade ao profissional e às organizações também.

O que a transparência, nesses termos que você está mencionando, significa na prática jornalística? 

Eu defini transparência como uma técnica jornalística, que possui elementos e instrumentos para favorecer o trabalho jornalístico e amplificar a informação de qualidade, a informação com credibilidade. Alguns autores defendem que ela é a nova objetividade, que substitui a objetividade para um conceito mais atual, para uma prática mais necessária no contexto que a gente está de tanta desinformação. Jornalismo precisa se posicionar melhor. Então, ela tem elementos, ferramentas de trabalho para o jornalista mostrar o que faz. E como ele faz, os métodos que utiliza, principalmente.

Existe todo um processo para implementar transparência nas redações, tanto em políticas editoriais, em política de ética, estabelecendo critérios e princípios adequados para a era em que estamos, em que o jornalista não pode mais dizer: “ó, confia em mim, eu publiquei essa informação e vocês têm que acreditar nela”. Não, o jornalista tem que mostrar por que aquela informação é realmente digna de credibilidade, por que ela é verdadeira, por que ela tem fatos ali que estão realmente informando as pessoas. Ele precisa falar do método dele, e vai ter que fazer um caminho inverso, que geralmente o jornalista tem muita dificuldade de falar de si, do seu trabalho. E a transparência quebra um pouco este ciclo.

Você pode falar um pouco dos critérios de transparência?

Minha pesquisa se baseou nos oito critérios utilizados no Projeto Credibilidade [The Trust Project].Um dos principais é deixar claro a natureza do conteúdo, se é notícia, opinião, análise, etc. Isso vale tanto no website do veículo como nas redes sociais. Além disso, toda publicação tem que ter a foto do repórter e um contato para falar diretamente com esse repórter.O jornal O Povo, do Ceará, está fazendo um trabalho muito interessante, divulgando o contato direto. Não tem aquela coisa de passar primeiro um telefone da redação geral, que alguém vai transferir para um jornalista ou editor. Não. Ele fala direto com o repórter. Outra questão envolve explicar os seus métodos de apuração, o seu método de trabalho, como você aborda as pessoas, como você faz uma entrevista, quais são seus critérios éticos para gravar uma entrevista. São critérios que estabelecem o que o jornalista deve fazer, e como pode aplicar essas ferramentas no dia a dia dele. Eu analisei os oito indicadores [do Projeto Credibilidade] de credibilidade em três veículos: O Povo, Poder 360 e Folha de S.Paulo.

E quais as principais conclusões da sua pesquisa?

Efetivamente, uma das principais conclusões é que a técnica da transparência e o emprego dos elementos da transparência para dar visibilidade ao conteúdo noticioso precisam ser ensinados nas escolas de jornalismo e nas redações de forma mais ampla. As redações precisam aderir a isso de uma maneira mais unificada.

A transparência que eu estou falando acontece nas notícias digitais, no meio digital, porque ela precisa das ferramentas da tecnologia para poder acontecer. Existem formas de transparência, conceitualmente falando, em que o jornalista divulga as informações e explica como fizeram. Existe uma transparência participativa, que é a mais ativa e que chama as pessoas a participarem do trabalho. Na minha pesquisa, no entanto, eu me dei conta que a amplitude desta ferramenta ainda é muito limitada. É de extrema importância, como serviço de interesse público, as pessoas saberem que elas têm esse recurso de participar de como a notícia é construída.

Quem faz muito isso de chamar as pessoas para participar das reportagens, inclusive contribuir financeiramente, é a Agência Pública. A Agência Pública já tem um histórico, vem divulgando inclusive o financiamento deles, como eles obtêm o financiamento, os recursos. Um dos indicadores fundamentais de credibilidade é a organização mostrar de onde vem o seu financiamento, quais são as suas associações, quem a patrocina, quem investe em publicidade. No entanto, ainda existe uma resistência sobre isso aqui no Brasil.

Por que os meios de comunicação do Brasil resistem a oferecer mais transparência?

A justificativa que dão é que há um interesse comercial em jogo, que eles não podem revelar esses investimentos, porque pode atrapalhar as operações financeiras, investidores, possíveis stakeholders interessados no trabalho do veículo.

E a literatura mostra que não é bem assim. Só que sabemos que, no caso do Brasil, como eu discuto na dissertação, temos a questão do oligopólio das mídias, do mercado ser muito centrado em cinco famílias, e de ser ainda muito obscura a questão da transparência sobre o financiamento e sobre as associações das empresas de notícias.

O que eu percebi: os jornalistas estão mais favoráveis à adoção desses elementos de transparência, mas eles ainda são muito impedidos pelas regras da organização.

Quando analisamos os códigos de condutas de algumas redações, vemos que algumas vezes o jornalista é completamente tolhido de ser transparente, porque ele faz parte de uma organização. Não é a transparência desejada, nem a ideal. Ainda precisa avançar bastante para chegar nesse ponto.

Mas eu também considero que a gente está evoluindo. Estamos abrindo um caminho para uma nova era do jornalismo, que é a da transparência. Parece uma palavra da moda, mas se for observar outras áreas, como ciência política, a própria arquitetura, física, educação, meio ambiente, seja na área que for, e principalmente na área comercial. Como estratégia comercial, a transparência fortalece a marca. Quanto mais pessoas se identificarem com a marca, melhor para a organização jornalística em termos de credibilidade, fortalecimento da atividade e sustentabilidade do jornalismo.

Quais os próximos passos da sua pesquisa?

Meu próximo passo é perguntar para as audiências o que elas conseguem perceber de diferente nas notícias de um site que usa elementos de transparência. Se elas percebem alguma coisa e se aquilo realmente as incentiva a confiarem naquele conteúdo, naquele jornalista, naquele meio de comunicação, porque eles estão mostrando o trabalho com mais transparência.

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