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Tribunal confirma responsabilidade do Estado colombiano em violações de direitos humanos de jornalista Claudia Julieta Duque, após mais de 20 anos de processo

"Desde que li a sentença alguns minutos atrás, não parei de chorar."

Foi assim que Claudia Julieta Duque, a jornalista colombiana que por quase 20 anos sofreu ameaças, tortura psicológica, exílio e perseguição por investigar a participação de autoridades no assassinato de um jornalista, descreveu seus sentimentos. A sentença em questão é a que confirma a responsabilidade do Estado colombiano nas múltiplas violações de seus direitos humanos e de sua família.

O Conselho de Estado, o mais alto tribunal da administração pública da Colômbia, que resolve conflitos entre pessoas e entidades estatais, condenou a nação colombiana por vigilância ilegal, tortura psicológica e estratégia de terror montada contra Duque pelo antigo Departamento Administrativo de Segurança (DAS). entre 2001 e 2010, como resultado da investigação da jornalista sobre o assassinato do humorista e jornalista Jaime Garzón.

Colombian Journalist Claudia Julieta Duque

A sentença estabelece que há evidências da existência de um plano das autoridades para puni-la por sua atividade jornalística. (Foto: canal do YouTube de Claudia Julieta Duque)

De acordo com a resolução do tribunal, datada de 17 de junho de 2022 e divulgada em 6 de julho, foi demonstrado que Duque foi submetida a interceptações ilegais, vigilância e tortura psicológica pelas quais funcionários do DAS foram responsabilizados disciplinar e criminalmente.

“No processo, há múltiplas evidências que mostram que foi implementado um plano contra a senhora Claudia Julieta Duque Orrego para puni-la pela atividade que estava realizando, principalmente através das ameaças contra sua filha”, diz o documento.

Segundo a Fundação para a Liberdade de Imprensa (FLIP), a estratégia de vigilância, tortura e terror do DAS contra Duque procurou fazer com que a jornalista abandonasse sua investigação sobre o assassinato de Garzón e se autocensurasse para encobrir a responsabilidade do Estado no crime.

Em 2004, o ex-líder paramilitar colombiano das Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) Carlos Castaño foi condenado como autor intelectual do homicídio de Garzón. Ele foi o único condenado pelo crime até que, em 2018, o Tribunal também condenou o ex-vice-diretor do DAS José Miguel Narváez.

A recente decisão do Conselho de Estado representa o primeiro caso na história da Colômbia em que se reconhece a responsabilidade do Estado pela caracterização (procedimento pelo qual as autoridades se comportam de forma diferente com um grupo específico de pessoas) de jornalistas.

“Esta decisão é um passo transcendental na busca por justiça que a jornalista [Julieta Duque] realiza há 20 anos”, disse a FLIP em comunicado de 7 de julho.

A resolução judicial foi dada em decorrência de uma ação que Duque apresentou em 2012, na qual pedia indenização pelos danos à Procuradoria-Geral da República, aos Ministérios do Interior e da Justiça e ao DAS. Em março de 2020, em primeira instância, o Tribunal Administrativo de Cundinamarca considerou que o Estado havia sido responsável pelos ataques contra Duque, o que foi confirmado no mês passado pelo Conselho de Estado.

Este tribunal confirmou a existência de um grupo chamado G3, que tinha acesso a equipamentos, veículos, pessoal e infraestrutura do DAS para obter informações sobre a jornalista e sua família, que serviriam para torturá-la.

“Para a Câmara, é inadmissível e condenável a existência desse tipo de ação, que se estendeu àqueles que eram considerados opositores do governo nacional da época e que marcou o cometimento de graves e sistemáticas violações dos direitos humanos e do direito internacional humanitário. . [...]”, lê-se na sentença. “Além disso, em muitas ocasiões, pessoas de fora do conflito foram vítimas, fatos que configuram comportamentos que na ordem internacional dos direitos humanos têm a conotação de graves violações e crimes contra a humanidade”.

No entanto, o Conselho de Estado decidiu não exercer ação administrativa contra o Ministério do Interior e a Procuradoria-Geral da República neste caso, devido à caducidade das acusações. Da mesma forma, os efeitos sobre a saúde da filha da jornalista não foram reconhecidos, pois estes não puderam ser acreditados nos laudos periciais de Medicina Legal.

Duque disse que espera que essas decisões da autoridade judiciária sirvam para que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) realize um controle de compatibilidade das normas relativas à caducidade de casos graves de violação de direitos humanos. A jornalista disse que seu caso está atualmente na fase de mérito na CIDH, na qual se decide se houve ou não violações de direitos humanos.

"Esta é uma vitória parcial, mas até agora a mais importante em nível nacional na luta pela verdade e justiça no meu caso", disse Duque em seu comunicado.

No início de 2022, a jornalista renunciou ao esquema de proteção da Unidade Nacional de Proteção da Colômbia (UNP), depois que a instituição utilizou os recursos destinados à proteção de Duque, incluindo o dispositivo de geolocalização instalado em seu veículo, para coletar dados sensíveis da jornalista, o que foi considerado por ela como uma violação pelo Estado colombiano das medidas cautelares outorgadas pela CIDH.

“Isso é carta branca para qualquer coisa acontecer comigo e o UNP lava as mãos dizendo 'olha, mas ela renunciou [ao sistema de proteção]'. E isso não é uma renúncia voluntária, é uma renúncia forçada diante de uma situação muito grave”, disse Duque à LatAm Journalism Review (LJR) em março deste ano.

"Sinto que o que aconteceu nos últimos meses foi uma zombaria por parte do Estado, uma zombaria persistente", afirmou na época.

Segundo a FLIP, organização que acompanhou Duque ao longo do processo judicial, a decisão proferida em junho é um importante precedente que abre as bases para futuros casos em que se suspeite da responsabilidade do Estado em atos de caracterização de jornalistas.

“Celebramos a decisão adotada pelo Conselho de Estado, pois não é apenas um alento para Claudia Julieta, um reconhecimento de sua coragem, esforço e dedicação para superar a impunidade em seu caso, mas também uma mensagem sobre a contribuição que o trabalho jornalístico fornece na investigação de graves violações de direitos humanos e a necessidade de proteger os jornalistas que realizam essas investigações”, afirmou a organização.

Duque é correspondente na Colômbia da Rádio Nizkor, o projeto de socialização de documentos de áudio de direitos humanos da organização Nizkor Team. Ela também é membro honorário da União Nacional de Jornalistas do Reino Unido e da Irlanda e da Federação Internacional de Jornalistas (IFJ). Desde 2019, a One Free Press Coalition incluiu Duque em sua lista das 10 jornalistas mais ameaçadas do mundo.

“Hoje sou profundamente grata a quem me apoiou durante as duas últimas décadas, aos amigos e às amigas de infância que foram submetidos à espionagem pelo simples fato de serem meus amigos; aos meus irmãos por estarem sempre presentes e me apoiarem nos piores momentos; à minha filha por ser o mais incondicional de todos os apoios e o mais forte de todos os pilares; e aos meus pais, e em particular à minha mãe, que faleceu há um ano e meio e não pôde ver a justiça acontecer; e às muitas pessoas e organizações que salvaram minha vida com sua solidariedade, carinho, apoio e acompanhamento”, escreveu Duque.

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