O apoio dos povos indígenas à eleição do presidente guatemalteco Bernardo Arévalo, em 2023, e até a sua posse, em janeiro de 2024, foi fundamental para que os diferentes mecanismos que buscavam impedir sua posse não tivessem êxito.
Como candidato, Arévalo expressou a importância de melhorar as condições para o exercício do jornalismo. Após sua posse, comprometeu-se com a missão da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) de que seu governo "não usaria ferramentas para processar criminalmente a imprensa".
O jornalismo comunitário, representado em grande parte por estações de rádio comunitárias que por sua vez estão geralmente ligadas a povos ancestrais, viam nessa promessa um caminho para mudar a constante criminalização a que eram submetidos.
No entanto, um ano e meio após o início do seu mandato, "não há progressos suficientes em termos de liberdade de expressão que se traduzam em resultados concretos", segundo o relatório Jornalismo Comunitário na Guatemala, realizado por oito organizações internacionais: Artículo 19 do México e da América Central, Fundação para a Liberdade de Imprensa (FLIP), Free Press Unlimited, Freedom House, Repórteres Sem Fronteiras, Protection International Mesoamérica, DEMOS Instituto Centro-Americano para a Democracia Social e CPJ.
De acordo com o relatório, essa situação "complica as perspectivas do jornalismo comunitário, pois ele é marginalizado do apoio estatal em comparação a outras formas de jornalismo".
"Sim, tínhamos esperança neste governo, e a princípio ele demonstrou bastante abertura. Mas entendemos que este sistema de governo está de mãos atadas por toda a cooptação de vários órgãos, especialmente os tribunais de justiça, e o próprio Congresso, que não é alinhado a este governo", disse Anselmo Xunic, diretor da rádio comunitária Ixchel e presidente do Movimento de Rádios Comunitárias Indígenas da Guatemala, à LatAm Journalism Review (LJR).
Em 2023, durante o período pré-eleitoral na Guatemala e impulsionadas pelas constantes ameaças à liberdade de expressão, as mesmas oito organizações viajaram ao país para conhecer a situação. Lá, constataram que o jornalismo comunitário, em particular, estava "invisibilizado", disse Frida Arreola, pesquisadora de Espaço Cívico e Proteção do Artículo 19 do México e América Central, à LJR.
O jornalismo comunitário é entendido como aquele que pertence à comunidade e tem propósitos coletivos, de preservação cultural e de transmissão de vozes marginalizadas, explicou Arreola. E embora o jornalismo comunitário não seja exclusivamente indígena, esses povos ancestrais são reconhecidos como seu berço, disse Arreola. Por isso, sua invisibilização é ainda mais grave, uma vez que pouco mais da metade da população da Guatemala se identifica como indígena.
Pesquisadores conversam com jornalistas comunitários no município de Cobán, estado de Alta Verapaz, Guatemala. (Foto: Benjamín Sagüi)
Quase um ano após a posse do novo governo, as mesmas organizações retornaram ao país com o objetivo de denunciar a violência, os obstáculos e outras questões que afetam esse tipo de jornalismo, segundo o relatório. Entre outubro de 2024 e janeiro de 2025, os pesquisadores realizaram entrevistas com veículos de comunicação comunitários e jornalistas de diferentes regiões do país.
"Identificamos que o jornalismo comunitário — seja indígena ou não indígena — na verdade sofre padrões semelhantes de agressão, como criminalização, ameaças, campanhas de difamação, censura, intimidação e assédio", disse Arreola.
Corporações transnacionais, frequentemente em conluio com autoridades locais e até mesmo com o crime organizado, são as que mais atacam o jornalismo comunitário, explicou a pesquisadora. Indústrias extrativas, em particular, são responsáveis por criminalizar e desacreditar o trabalho do jornalismo comunitário.
"Primeiro, eles desapropriam os povos indígenas de seus territórios e depois criminalizam o trabalho dos jornalistas comunitários, porque são os jornalistas comunitários que denunciam os impactos desses projetos nessas áreas", disse Arreola.
As investigações desses jornalistas, ela acrescentou, não dizem respeito apenas aos impactos ambientais, mas também à "fragmentação que eles criaram no tecido social de suas comunidades".
Esses ataques têm maior impacto e alcance devido à falta de políticas públicas que reconheçam o trabalho do jornalismo comunitário, bem como as circunstâncias específicas vividas por seus jornalistas, disse Arreola.
Embora tenha havido tentativas de aprovar leis focadas na proteção do jornalismo em geral, mas com uma perspectiva de gênero, bem como uma perspectiva interseccional e culturalmente relevante — ou seja, que inclua o jornalismo comunitário — elas não receberam apoio no Congresso.
As rádios comunitárias em geral e as rádios indígenas demonstram muitos dos problemas que o jornalismo comunitário enfrenta devido à falta de reconhecimento.
De fato, uma questão de política pública que a Guatemala deve implementar vem de uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) relacionada às rádios comunitárias. Em 2021, a Corte IDH considerou o Estado da Guatemala responsável pela violação dos direitos à liberdade de expressão, à igualdade e à participação na vida cultural de quatro povos indígenas guatemaltecos: os Maya Kaqchikel de Sumpango, os Achí de San Miguel Chicaj, os Mam de Cajolá e os Mam de Todos Santos Cuchumatán.
A Rádio Ixchel de Sumpango, a Uqul Tinamit "A Voz do Povo" de San Miguel Chicaj, a Rádio Xob'il Yol Qman Txun de Todos Santos Cuchumatán e a Rádio La X Musical de Cajolá apresentaram seu caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) devido à constante criminalização de que eram vítimas. Entre 2008 e 2015, pelo menos 13 operações policiais foram registradas em 12 estações de rádio comunitárias no país. As autoridades também cortaram o fornecimento de energia, apreenderam equipamentos e prenderam funcionários e voluntários que enfrentavam acusações de “roubo” e “uso ilegal de frequências”.
O próprio Xunic, diretor da Rádio Ixchel e então voluntário na estação, teve um processo judicial aberto contra ele pelo suposto crime de roubo por "operar uma estação de rádio comunitária sem licença".
Esta "decisão histórica", como a definiu Yamanik Cholotío, jornalista da Federação Guatemalteca de Escolas de Rádio (FGER), não teve progressos significativos. Embora o Estado tenha aceitado a decisão, apenas a indenização financeira foi paga às quatro emissoras que entraram com a ação, disse ela à LJR.
"Desde que a decisão foi proferida, temos insistido no seu cumprimento", disse Xunic. "Alguns dos pontos mais essenciais da decisão não foram cumpridos: por exemplo, a eliminação das condenações."
De fato, outras reparações ordenadas pela Corte IDH incluem a eliminação de sentenças contra jornalistas de rádios comunitárias acusados de uso ilegal de frequências, a tradução da decisão para as línguas maias e uma lei que as legalize.
"Até o momento, nenhuma sentença foi anulada", afirmou Xunic. Em seu caso, ele assegurou que, embora o juiz tenha declarado falta de mérito, o que impediu sua prisão, como a condenação não foi anulada, o caso permanece em aberto. "Então o Ministério Público poderia dar continuidade à investigação."
Cholotío, da FGER, também confirmou que as condenações relacionadas ao funcionamento "ilegal" de rádios comunitárias continuam em vigor, embora nenhum jornalista esteja preso por essas acusações.
"Ainda há muito estigma em relação aos jornalistas comunitários. Muitos deles costumam ser agricultores, professores, podem ter alguma profissão ou ofício, mas durante seu tempo livre também são jornalistas", disse Cholotío.
A ausência de uma lei que regule as rádios também gera problemas de sustentabilidade, disse Cholotío. Isso as impossibilita de ter funcionários em tempo integral ou mesmo de participar de editais de pequenos financiamentos, acrescentou.
Como disse Xunic, para Cholotío, nem tudo está nas mãos do poder executivo. A "cooptação" de outros poderes tornou impossível a aprovação desta lei, e é aí que parte de seus esforços se concentra.
Da FGER, disse Cholotío, eles não querem apenas unir as rádios comunitárias, mas também promover a alfabetização e exigir reconhecimento para o jornalismo comunitário.
"Promovemos escolas de formação sobre jornalismo comunitário onde a presença do Estado é inexistente, além de continuar promovendo algumas iniciativas de lei", disse Cholotío.
Especificamente, o desenvolvimento de políticas públicas que promovam e sustentem o jornalismo comunitário está entre as recomendações ao Estado que concluem o relatório. Essas recomendações incluem o combate à estigmatização e ao assédio, a garantia do cumprimento da decisão da Corte IDH sobre rádios comunitárias, o estabelecimento de mecanismos para proteger o jornalismo e as perspectivas comunitárias e o apoio público ao trabalho de jornalistas comunitários.