O jornalista paraguaio Pablo Medina Velázquez vinha recebendo ameaças de morte devido a reportagens sobre o suposto envolvimento de políticos com o tráfico de drogas na fronteira com o Brasil. As ameaças se concretizaram em 16 de outubro de 2014, quando dois homens atiraram contra o carro do jornalista, atingindo-o quatro vezes. Sua assistente, Antonia Almada, viajava no banco do carona e também morreu no atentado.
O caso de Medina é um dos 19 assassinatos de jornalistas no país Sul-Americano desde 1991, ano que marca a redemocratização do Paraguai, e segue um roteiro conhecido: jornalista investigativo apura uma reportagem sobre tráfico de drogas, descobre ligações entre políticos e outras autoridades com organizações criminosas, recebe ameaças e acaba assassinado. O caso de Medina, no entanto, é singular porque os autores materiais e intelectuais foram presos, julgados e condenados.
“Isso mostra que com capacidade, com plena consciência da importância do tema, e com parâmetros investigativos eficientes, é possível chegar a sanções contra autores de crimes e agressões contra jornalistas,” disse à LatAm Journalism Review (LJR) o jornalista José María Costa, coordenador da Mesa para a Segurança de Jornalistas do Paraguai.
Costa é o organizador e um dos autores do livro “La seguridad de periodistas en Paraguay: Marco jurídico, desafíos y compromisos'', lançado neste ano. A publicação é composta por uma série de artigos de jornalistas e membros do Judiciário, incluindo um guia de recomendações para a proteção de jornalistas e a defesa de que crimes contra jornalistas sejam tratados como violações do direito à liberdade de expressão.
A Mesa reúne instituições públicas e entidades de classe para buscar soluções para a violência contra jornalistas. Uma delas é a criação de uma lei específica de proteção e segurança para jornalistas. Embora defenda algum tipo de mecanismo estatal de proteção, como uma nova legislação, Costa reconhece que não seria suficiente se as autoridades não forem capazes de colocá-la em prática.
“Uma lei de proteção e segurança para o jornalista seria uma ferramenta importante, mas não a consideramos suficiente, porque mesmo que tenhamos uma lei, se não tivermos um Estado forte que realmente tenha condições de atuar e garantir o trabalho jornalístico, não será de muita utilidade,” disse Costa.
A análise de Costa faz eco ao caso de Medina. Embora tivesse denunciado as ameaças que sofreu por seu trabalho jornalístico e contasse com proteção policial, ele não contava com os guarda-costas no momento do atentado que resultou na sua morte. Além disso, os autores das ameaças permaneceram sem serem perturbados pelas autoridades até que o crime fosse concretizado.
Num dos artigos do livro, o secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas do Paraguai, Jimmi Peralta, explica que o marco jurídico paraguaio carece de uma normativa que de investigar crimes contra jornalistas pelo prisma da liberdade de expressão. Com isso, são tratados como crimes comuns.
“Na maioria dos casos de assassinatos de jornalistas, o antecedente foi uma ameaça que não foi devidamente investigada ou que não obteve uma resposta eficiente do Estado. Os casos de ameaças a jornalistas não são investigados pelo Ministério Público porque a lei os considera crimes de ação penal privada e, portanto, cabe à vítima enfrentar a ação judicial, sem a intervenção do Ministério Público,” escreve Peralta.
“Zonas Silenciadas”
O livro “La seguridad de periodistas en Paraguay” foi lançado um ano depois do caso mais recente de assassinato de um jornalista no país. Em 12 de fevereiro de 2020, o brasileiro Lourenço “Léo” Veras, foi assassinado em Pedro Juan Caballero, cidade que faz divisa com Ponta Porã, no Brasil.
Veras foi morto em sua casa enquanto jantava com a família. Ele comandava o site Porã News e atuava como correspondente e fixer para publicações no Paraguai e do exterior. Como em outros casos, ele também era alvo de ameaças por parte de organizações criminosas. O caso segue sem solução.
No Paraguai, a maior parte dos assassinatos de jornalistas nos últimos 30 anos ocorreu em áreas de fronteira com o Brasil ou Argentina. Não à toa, um informe da Comissão Interamericana de Direitos Humanos incluiu a fronteira paraguaia como uma das “zonas silenciadas” do continente americano, onde o perigo para o exercício do jornalismo independente é tão alto que poucos profissionais se arriscam.
“O que governa lá [nas cidades fronteiriças] é a Constituição Nacional da Máfia, Narcotráfico e Corrupção, um arcabouço complexo em que existem pessoas que detêm o poder político e, aliás, essas pessoas também têm seus próprios meios de comunicação usados para os seus interesses,” disse à LJR Marta Escurra, presidente do Foro de Periodistas Paraguayos (FOPEP). Neste tipo de situação, diz ela, o resultado é que os jornalistas precisam se equilibrar entre a autocensura e o perigo de retaliação.
Segundo Costa, apesar do crime organizado ser a maior fonte de perigo, muitos dos casos de ameaças monitorados pela Mesa para a Segurança de Jornalistas do Paraguai partem de políticos locais interessados em calar vozes críticas às suas ações.
“Por outro lado, também há pouca formação ou capacidade dos agentes dos órgãos de segurança, tanto militares quanto policiais, para entender o papel dos jornalistas e protegê-los. Tivemos casos de ataques de militares contra jornalistas, bem como ataques sofridos por jornalistas em cobertura, por forças policiais,” disse Costa.
“Violações consideradas menos graves [como ameaças, agressões] de alguma forma contribuem para o ambiente em que jornalistas são assassinados porque estão na penúltima relação antes de atingir o que não queremos: a morte de colegas,” disse Escurra.