Por Silvia Higuera e Teresa Mioli
Dois ex-paramilitares foram condenados a um total de 70 anos de prisão pelo sequestro, a tortura e a violência sexual cometidos contra a jornalista colombiana Jineth Bedoya Lima, ocorridos há quase 20 anos.
Alejandro Cárdenas Orozco, também conhecido como “JJ”, foi condenado a 30 anos de prisão pelo crime de “acesso carnal violento e agravado em pessoa protegida”, e Jesús Emiro Rivera Pereira, conhecido como “Huevoepisca”, foi condenado a 40 anos por sequestro, tortura e “acesso carnal violento”, segundo o jornal El Tiempo. Ambos eram membros do grupo paramilitar Autodefensas Unidas de Colombia (AUC).
Cabe ressaltar que o juizado pediu ao Ministério Público para investigar o general aposentado da Polícia, José Leonardo Gallego, que na época dirigia a Direção de Investigação Criminal (Dijín) da entidade, e que foi mencionado no desenvolvimento da investigação do crime contra Bedoya, segundo El Tiempo. Segundo o jornal, se tratou de um "ato histórico".
“Atendendo que a partir das provas relacionadas ao presente processo, em especial pelo relato dos fatos prestado durante a audiência pública pela vítima Jineth Bedoya, se poderia inferir a eventual responsabilidade de terceiros no mesmo caso, incluindo alguns funcionários públicos como o general aposentado da Polícia Nacional José Leonardo Gallego, então diretor do Dijín”, diz a decisão, segundo El Espectador.
Em 2011, Cárdenas Orozco aceitou algumas acusações, mas depois retirou sua decisão, segundo El Espectador. No entanto, foi condenado a 11 anos e cinco meses de prisão em fevereiro de 2016 pelos crimes de sequestro simples e tortura.
Em agosto de 2017, a Corte Suprema da Colômbia confirmou uma decisão anterior que excluía ele e outra pessoa dos benefícios da Lei de Justiça e Paz, que poderia lhe proporcionar sentenças reduzidas no âmbito do processo de paz entre este grupo e o Estado.
Em um comunicado, a Fundação para a Liberdade de Imprensa (FLIP) da Colômbia, organização que tem sido representante judicial de Bedoya desde 2011, reconheceu a decisão de maio de 2019 “como um avanço no esclarecimento dos fatos”, mas “adverte enfaticamente que essa sentença não pode ser entendida como a superação da impunidade no caso”.
Em uma declaração junto com Pedro Vaca, diretor executivo da FLIP, Bedoya ressaltou que a sentença reconhece que seu crime poderia ter sido evitado se o Estado tivesse dado garantias quando houve ameaças anteriores e um ataque em que a mãe da jornalista quase morreu.
"Também quero enfatizar que o Quinto Juizado Especializado escuta finalmente esse clamor que nós, vítimas da violência sexual, fizemos milhares de vezes e entendem essa posição e esse estado desde o qual falamos e desde o qual somos julgadas", disse Bedoya.
"Muitas vezes - no número de vezes em que me revitimizaram nas audiências, em que a própria promotoria me forçou a testemunhar - tive que ouvir meus agressores dizendo que eu era uma mentirosa, que estava inventando o estupro. Tive que escutar isso não apenas deles, mas de muitas pessoas. E hoje esta sentença confirma, ratifica e me diz que efetivamente nós nunca inventamos isso e isso é declarado na sentença. Ela faz um chamado claro que o testemunho de uma mulher que enfrentou violência sexual tem que ser ouvido, respeitado e não revitimizado", disse a jornalista.
Vaca aponta essas sentenças como um resultado "mínimo" se se leva em conta os 19 anos que passaram e as "mais de 12 citações repetidas para a vítima repetir a história a um custo emocional, físico e de saúde tremendamente desgastante".
Para a FLIP, este não é um ponto de chegada, mas de partida, porque todas as pessoas que poderiam ser responsáveis pelo crime ainda não foram sancionadas. De acordo com sua declaração, na investigação "pelo menos 25 pessoas - incluindo funcionários públicos - foram mencionadas e poderiam estar envolvidas nos fatos".
No entanto, esta é apenas a terceira condenação no crime contra a jornalista. Em março de 2016, Mario Jaimes Mejía, conhecido como "El Panadero", foi condenado a 28 anos de prisão.
Bedoya Lima, agora vice-editora do jornal El Tiempo, foi sequestrada em 25 de maio de 2000, na porta da prisão La Modelo, em Bogotá, onde investigava a morte de 26 presos e um suposto tráfico de armas. Durante o sequestro ela foi espancada, ameaçada, estuprada e depois abandonada.
A tortura e o abuso sexual que ela sofreu foram declarados crimes contra a humanidade pela Procuradoria Geral da Nação em 2012 e o caso ficou imprescritível, o que significa que não há limite de tempo para investigar o caso.
Vaca também destacou o fato de que esta nova sentença ratifica o caso como um crime contra a humanidade, o que significa que "os esforços do Estado na investigação e na punição não devem parar por aqui", afirmou.
Bedoya criou em 2009 a campanha “No es hora de callar” (“Não é hora de calar”) com o propósito de que as mulheres vítimas de violência denunciem. Também trabalhou com vítimas do conflito armado do país.