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A polêmica Lei de Comunicações do Equador em oito pontos

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  • 21 junho, 2013

Por Alejandro Martínez

Demorou menos de 30 minutos para a Assembleia Nacional aprovar uma das leis mais controversas e restritivas para a imprensa no Equador.

Com 108 dos 137 parlamentares representantes do partido dominante, a nova Lei Orgânica de Comunicações foi aprovada na sexta-feira, 14 de junho, por uma maioria esmagadora e sem debates -- nem mesmo sobre os acréscimos de último minuto à lei.

A lei, projeto que ficou sem votação na última sessão legislativa, representa um triunfo para o presidente Rafael Correa, que alardeou a lei como uma iniciativa que democratizará a mídia, fortalecerá a liberdade de expressão e promoverá "uma imprensa boa” no país. Os parlamentares que a apoiaram chamaram a lei de "histórica" e de "justa e necessária."

Mas diversos veículos de mídia privados no Equador e defensores da liberdade de expressão a criticaram severamente. Acreditam que seus efeitos vão ser exatamente o oposto dos alardeados e já chamam a iniciativa de "lei da mordaça.” A Associação Interamericana de Imprensa disse que a lei representa um "grave retrocesso na liberdade de imprensa e de expressão", e a Associação Colombiana de Jornais e Mídia Informativa (Andiarios) classificou o documento como a "última facada" contra a liberdade de expressão no país.

Clique aqui para baixar o texto completo da lei do site da Assembleia Nacional do Equador.

"Esse é o passo final na deterioração da liberdade de expressão no Equador durante o governo de Correa", disse Carlos Lauría, coordenador sênior nas Américas do Comitê pela Proteção dos Jornalistas, ao Centro Knight para o Jornalismo nas Aaméricas. A lei "minará a capacidade dos jornalistas de criticar e investigar, mas também limitará a capacidade do cidadão equatoriano de receber informação de interesse público. A lei torna claro que um dos objetivos de Correa é silenciar os críticos do governo."

Veja uma descrição mais detalhada de alguns dos trechos da lei junto com comentários de Lauría e César Ricaurte, diretor da ONG equatoriana Fundamedios.

A Assembleia Nacional aprovou a controversa Lei de Comunicações no Equador na sexta-feira, 14 de junho. Foto: Assembleia Nacional.
  1. Ética: Embora a lei convide os veículos a criar seus próprios códigos de ética, ela pede para eles "considerarem [...] regras mínimas", como "respeitar a honra e a reputação das pessoas" e "ser cuidadoso com manchetes e coerente e consistente com as notícias". A lei estabelece que cidadãos podem apresentar uma relcamação quando o veículo nao cumprir seu código de ética.Lauría disse que esse trecho vai de encontro a padrões internacionais como os estabelecidos na declaração dos princípios da liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que afirma que "as atividades jornalísticas devem ser guiadas por condutas éticas, que não devem ser impostas pelo Estado."
  2. Linchamento midiático: O artigo 26 da Lei de Comunicações proíbe o que descreve como "linchamento midiático", ou "a disseminação de informação  de forma coordenada e reiterativa [...] com o objetivo de descreditar ou prejudicar a reputação de uma pessoa física ou legal."Ricaurte disse que esse artigo era um dos que foi acrescentado à versão final da lei sem debate prévio no Congresso. Não há precedente legal para esse conceito na legislação de nenhum outro país ou tratado interncaional, acrescentou.

    “Se você acusar ou investigar um oficial público de corrupção, ele pode simplesmente acusar o veículo de linchamento midiático", disse Ricaurte.

  3. Direitos dos profissionais da mídia: A lei protege o direito à liberdade de expressão e de opinião, e proíbe censura prévia. Ela também estabelece o direito do jornalista de proteger suas fontes e informações reveladas a eles de forma confidencial.No entanto, a lei estabelece que o direito do jornalista de proteger suas fontes "não o exime de responsabilizações posteriores."

    “A mim, parece que as declarações da lei sobre o respeito à liberdade de expressão e com proibição da censura prévia nao fazem sentido", disse Lauría. "Como essas normas que soam tão progressistas podem fazer sentido se a mídia impressa e a audiovisual não poderão reportar livremente e serão sujeitas a controle severo de um organismo capaz de persegui-las?”

  4. Responsabilidade posterior: A lei afirma que todas as pessoas têm a obrigação de "assumir as consequências administrativas de dissseminar conteúdo que prejudique os direitos estabelecidos na Constituição" e que "veículos de mídia serão sujeitos a responsibilização posterior nas esferas adminstrativa, civil e penal."O documento também torna os veículos responsáveis pelos comentários feitos por usuários anônimos em seus sites. Exige que os veículos publiquem ou transmitam respostas a suas reportagens quando afetar a "dignidade, honra ou reputação" de uma pessoa até 72 horas depois de a reclamação ser recebida.
  5. Mecanismos de fiscalização: A lei ordena a criação de três novas agências: 1. O Conselho para Regulação e Desenvolvimento de Informação e Comunicação; 2. Um conselho consultivo não vinculante -- composto de representantes de veículos privados, organizações civis, acadêmicos da comunicação e estudantes -- que orientará a primeira agência; 3. O Escritório de Superintendência para Informação e Comunicação, uma "agência técnica para fiscalização, auditoria, intervenção e controle" com a habilidade de produzir sanções, investigar reclamações e aplicar a Lei de Comunicações.Ricuarte criticou a lei por não estabelecer claramente como essas agências cumprirão suas responsabilidades, já que deixa a cargo dessas mesmas instituições a criação de seus próprios mecanismos e não especifica o tipo de sanções que poderão produzir.
  6. Informação como "bem comum": O artigo 71 descreve a informação como um "bem comum" e a comunicação social como "serviço público", definições que preocupam Ricaurte.Inforomação "deixa de ser um direito fundamental para se tornar um serviço público; por isso, ela se torna suscetível a qualquer regulação do Estado", disse.
  7. Defensores públicos: Em dois parágrafos, a lei estabelece que veículos de mídia nacionais "terão por obrigação" um defensor público que será escolhido em debates públicos. A lei não especifica os deveres do defensor público, razão por que Ricaurte não descartou a possibilidade de esse trecho ser usado para intervir diretamente nas atividades das redações do país.
  8. Distribuição igualitária de frequências: A lei estabelece que 33% de todas as frequências do espectro radioelétrico serão alocadas para veículos de mídia públicos, 33% para veículos privados, e 34% para veículos comunitários. Segundo o documento, essa nova configuração será alcançada distribuindo as frequências restantes dessa forma, mas também redistribuindo frequências que possam ter sido "obtidas ilegalmente" ou que não seguem a lei.“Em qualquer caso, a distribuição de frequências priorizará o setor comunitário até que a distribuição igualitária estabelecida neste artigo seja obtida", diz a lei.

    Para Ricaurte, a lei limita o crescimento de qualquer setor individual e multiplica a presença da mídia estatal.

    "Os veículos da mídia estatal agora terão a mesma quantidade de frequências que veículos privados e comunitários", disse Ricaurte. "No contexto equatoriano, isso significa essencialmente a criação, se não o monopólio, de uma forte hegemonia do Estado".

 

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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