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Bolsas de reportagem ampliam diversidade de vozes em veículos digitais e criam oportunidades para freelancers

Boa parte da vida de um jornalista freelancer gira em torno de identificar veículos receptivos a suas sugestões de pauta, o que não é tão simples porque muitas vezes se trata de mirar no escuro.

Por outro lado, veículos nativos digitais, em geral, têm equipes pequenas. Segundo levantamento no diretório de meios do SembraMedia, 74% têm até cinco pessoas no time. E criar pautas diversas e originais esbarra na própria limitação numérica das equipes.

Oferecer bolsas de reportagem, através de chamadas abertas e públicas, é uma forma desses veículos ampliarem a diversidade de vozes, e uma oportunidade democrática para jornalistas que vivem de frila.

“Com as microbolsas, acabamos conhecendo repórteres dos mais diferentes cantos do Brasil. Trabalhar com repórteres com quem nunca trabalhamos, que têm histórias e experiências diversas, é sempre um grande aprendizado,” disse Marina Dias, coordenadora de comunicação da Agência Pública, à LatAm Journalism Review (LJR).

A Agência Pública já distribuiu 63 bolsas de reportagem desde 2012, num total de R$ 351.000 (USD 65.212,30)

A Agência Pública já distribuiu 63 bolsas de reportagem desde 2012, num total de R$ 351.000 (USD 65.212,30)

A Pública é uma das pioneiras no Brasil na realização de chamadas públicas e abertas entre os veículos nativos digitais do país. Desde 2012, já distribuiu 63 bolsas em 13 edições, num total de R$ 351.000 (USD 65.212,30*) investidos em reportagens originais. Ou seja, uma média de R$ 5.571 (USD 1035,04) por reportagem - sem considerar os custos de edição e administrativos.

Em uma das edições, os leitores votaram nas reportagens que gostariam de ver publicadas, a partir de uma lista elaborada pelos editores. Nessa oportunidade, os recursos vieram de uma bem sucedida campanha de crowdfunding.

No entanto, no caso da Pública, a maior parte das bolsas são oferecidas em parceria com outras instituições, como o Greenpeace, a Oxfam Brasil e o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania. Junto com o apoio, essas instituições costumam propor os assuntos a serem cobertos, como, nesses casos, energia, fome e drogas.

“Buscamos pautas originais e relevantes, com uma boa pré-apuração. Também avaliamos a viabilidade e segurança das pautas e os métodos jornalísticos que o repórter pretende utilizar,” disse Dias. “É sempre uma tarefa difícil escolher as pautas vencedoras e ótimos repórteres com boas pautas acabam ficando de fora. Em alguns casos, procuramos os repórteres para produzir a pauta proposta [fora do esquema da bolsa] ou fazer outras reportagens para a Pública.”

O excesso de pautas boas foi uma questão enfrentada na primeira edição das bolsas de reportagem do Projeto #Colabora, um site brasileiro que cobre temas relacionados aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Em 2019, a Bolsa #Colabora de Reportagem recebeu 125 propostas de pauta do Brasil e da Colômbia, para escolher os quatro vencedores que receberam R$ 5 mil (USD 928) para cada projeto.

“Tínhamos oferecido quatro bolsas de R$ 5 mil, com recursos próprios. Acabamos ficando com nove pautas. Como não tínhamos dinheiro para todas, negociamos com as cinco extras valores menores, que variavam de R$ 1,5 mil a 3 mil (USD 278-557),” disse Agostinho Vieira, fundador do site, disse à LJR.

Maíra Streit, Marcio Pimenta, Joana Suarez e Henrique Kluger são os quatro vencedores da Bolsa #Colabora de Reportagem (Fotos arquivo pessoal com arte de Fernando Alvarus)

Maíra Streit, Marcio Pimenta, Joana Suarez e Henrique Kluger são os quatro vencedores da Bolsa #Colabora de Reportagem (Fotos arquivo pessoal com arte de Fernando Alvarus)

Segundo Vieira, o site planeja um novo concurso para o primeiro semestre de 2021 e busca um parceiro institucional para ajudar a financiar o trabalho e melhorar o valor pago aos repórteres -- nos moldes do que faz a Pública. “Mas, mesmo que isso não aconteça, vamos lançar. O resultado é muito bom. Vale o esforço,” disse.

O dilema remuneração x custos

Bolsas de reportagem costumam ser um bom negócio também para quem as recebe, mas alguns cuidados são necessários para garantir uma remuneração justa ao final do trabalho. Isso porque na maioria dos casos, como os de Pública e #Colabora, o valor também deve cobrir os custos de produção, como deslocamentos ou viagens, fotografia e ilustração, etc.

“Eu acho que é uma boa oportunidade (a bolsa) de você ser bem remunerado, mas também pode ser uma grande furada se você prever uma pauta gigante, que não cabe no orçamento e você vai tirar do seu bolso,” disse a jornalista Joana Suarez à LJR.

Suarez atua exclusivamente como freelancer há quase três anos no Brasil e já recebeu duas bolsas de reportagem a partir de concursos abertos: a do #Colabora e uma da revista feminista AzMina. Nos dois casos, as bolsas já incluem os custos, que ficam sob responsabilidade do repórter.

Para lidar com isso, Suarez costuma fazer um orçamento detalhado do projeto, incluindo, ela ressalta, uma previsão para custos excedentes com imprevistos. “Por exemplo, se você programa uma viagem e o carro quebra, você vai precisar pagar o conserto. Sempre rola imprevisto e a gente tem que ter esse dinheiro previsto para uma logística para não ficar no prejuízo.”

Esse é um dos motivos pelo qual o mexicano Quinto Elemento Lab adota uma abordagem diferente. O site de jornalismo investigativo também abre chamadas públicas para reportagens, mas sem especificar um valor fixo pela pauta. Há, no entanto, um teto máximo de gastos, que no concurso mais recente era de 85 mil pesos (USD 4.241,65).

“Sabemos que as investigações podem exigir muito ou pouco, dependendo da complexidade, do tempo que leva, se apenas uma equipe de jornalistas é necessária, ou se outras disciplinas entrarão em jogo,” disse Alejandra Xanic, diretora do Quinto Elemento Lab, à LJR.

A pauta vencedora da primeira edição da convocatória do Quinto Elemento Lab levou oito meses para ficar pronta: uma investigação que mostrou como uma organização filantrópica privada do México arrecadou milhões em dinheiro público, e nem sequer existiria se não fosse pelo governo.

Quinto Elemento Lab, do México: valores em aberto para apoiar investigações que requerem mais investimento

Quinto Elemento Lab, do México: valores em aberto para apoiar investigações que requerem mais investimento

“Isso nos permite ter alguma flexibilidade e poder apoiar investigações que requerem mais investimento, que pode ser um programador, um designer ou outro tipo de coisas ou investigações que são de ciclo mais curto,” acrescentou Xanic. “Estamos trabalhando duro para garantir que as remunerações sejam justas, atraentes e boas, claro, o desafio é como conseguir remuneração suficiente quando as investigações são longas, mas esse é o esquema.”

Bolsas garantem realização de grandes reportagens

Além dos próprios meios jornalísticos, há bolsas de reportagem oferecidas também por outras organizações. Na América Latina, a principal delas é a Fundação Gabo, da Colômbia. Desde 2006, a fundação, através de parcerias, distribui bolsas de reportagem temáticas de jornalismo cultural, jornalismo de soluções e de cobertura de temas relacionados a drogas, saúde mental, migração e desigualdade. Segundo a diretora de comunicação da Fundação Gabo, Karen de la Hoz, os recursos são destinados a projetos jornalísticos de alto impacto.

“Sabemos que nem sempre conseguem esses recursos na mídia em que trabalham ou colaboram. Também entendemos que uma nova geração de jornalistas pertencentes à mídia digital nativa encontra nessas bolsas e incentivos uma forma de financiar o jornalismo colaborativo e de serviço público para o qual trabalham,” disse de la Hoz à LJR.

Só em 2020, a Fundação Gabo está entregando 59 bolsas de produção jornalística que somam aproximadamente COP 575 milhões (USD 158.908), uma média de COP 9,7 milhões (USD 2.693) por bolsa. “Todas essas oportunidades podem ser consultadas em nossa página de convocatórias. Praticamente todos os dias do ano temos uma convocação aberta,” acrescentou de la Hoz

No Brasil, a Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) oferece bolsas para produção de reportagens sobre o assunto e está atualmente em sua segunda edição. As inscrições podem ser feitas tanto por freelancers como por jornalistas contratados de um determinado meio, desde que haja compromisso de publicar o material. O valor, de R$ 8 mil reais (USD 1.488), cobre custos variáveis de produção.

Segundo Camilla Salmazi, coordenadora executiva da Jeduca, a bolsa pode ser usada de formas diversas como: garantir que o profissional se dedique exclusivamente à reportagem ou a contratação de mais profissionais, como designers, fotógrafos ou programadores de dados. A Jeduca cobre ainda despesas adicionais para a realização da pauta, como viagens, de até mais R$ 2 mil (USD 372).

“Nesta segunda edição, novamente, recebemos um número alto de pautas inscritas, foram 50 pautas, de 14 estados do Brasil. Conseguimos perceber o interesse na realização de boas pautas de educação, mas que muitas vezes poderiam ficar engavetadas por falta de recursos ou de tempo para executá-las,” disse Salmazi. “Bolsas como esta podem viabilizar a execução dessas grandes reportagens.”

*Taxas de câmbio referentes à data de publicação.

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