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Cobertura de guerra e corrupção ameaçam jornalistas na Eslováquia, Haiti, Nigéria e Ucrânia, relatam painelistas no 25º ISOJ

Durante a segunda sessão do painel "Resumo global: Apresentações relâmpago sobre o estado do jornalismo em todo o mundo" (“Global roundup: lightning presentations about the state of journalism around the world”, em inglês), o público do 25º Simpósio Internacional de Jornalismo Online (ISOJ) conheceu diversas experiências de violência e ataques à liberdade de expressão em diferentes países do mundo.

Assim como aconteceu mais cedo no mesmo dia em um resumo global, Dawn García, diretora das Bolsas de Jornalismo John S. Knight da Universidade de Stanford, moderou a conversa da tarde de 13 de abril.

A primeira a falar foi Pavla Holcová, jornalista investigativa e fundadora do site investigace.cz, também bolsista JSK. Holcová começou explicando que nasceu na então república da Tchecoslováquia, atualmente dividida entre República Tcheca e Eslováquia. Embora viva na República Tcheca, ela cobre assuntos da Eslováquia, um país que para ela "já não é mais um país".

Sua "obsessão" por cobrir este "Estado falido", como explicou, ganhou força em 2018 quando seu amigo jornalista Ján Kuciak e sua noiva foram assassinados em retaliação por suas investigações sobre supostas redes de corrupção envolvendo membros do Estado, empresários e criminosos.

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Parte dois do Resumo Global: Apresentações Relâmpago sobre o Estado do Jornalismo ao redor do Mundo, no segundo dia do 25º aniversário do ISOJ em 13 de abril de 2024 (Foto: Patricia Lim/Centro Knight)

 

 

A resposta de indignação não apenas dos colegas jornalistas, mas também dos cidadãos em geral, levou a importantes prisões: 200 juízes, 5 promotores e todos os líderes da polícia que estariam envolvidos no crime.

No entanto, nas eleições recentes, o partido envolvido nesse esquema de corrupção voltou a ganhar. Em sua primeira coletiva de imprensa, Holcová observou que o presidente deixou claro que seria um "governo de vingança".

"Agora iriam atrás dos jornalistas", disse Holcová. "Na primeira coletiva de imprensa, deram os nomes dos jornalistas contra os quais iriam atrás. Isso teve um efeito intimidador. Muitos jornalistas já estavam cansados dos cinco anos investigando o que aconteceu com nosso colega".

Holcová afirmou que o ano como bolsista em Stanford também serve para lhe dar mais energia e continuar com o jornalismo.

"Não acabou", disse ela. "Precisamos continuar, não perder a esperança e continuar com outra rodada. Estou muito feliz por ter este ano e poder voltar à Eslováquia para trabalhar mais".

Em um testemunho emocionante, Roberson Alphonse, chefe de notícias nacionais do le Nouvelliste do Haiti, explicou não apenas a violência que experimentou em primeira mão, mas também as dificuldades de continuar exercendo a profissão no exílio.

"Quero compartilhar com vocês minha experiência de estar no exílio, a experiência de lidar com os traumas e o que chamo de 'o 'anjo' que entrou em minha vida para me ajudar", começou Alphonse, que afirmou que sua esposa o ajudou a sair dos dias mais "terríveis" de sua vida e a continuar seu trabalho "para não deixar que os assassinos silenciem minha voz".

Desde muito jovem, explicou Alphonse, ele viu a desigualdade e corrupção em seu país, o que o impulsionou a trabalhar como jornalista e expô-la.

"Por décadas, devido às minhas investigações contra a corrupção e o uso indevido do dinheiro público, ganhei muitos inimigos", afirmou.

Esses inimigos se tornaram visíveis em 25 de outubro de 2022, quando Alphonse foi emboscado enquanto dirigia para casa. Dois homens armados desceram de outro veículo e atiraram nele. "Não sei como sobrevivi", disse o jornalista, que uma vez fora da clínica se exilou com sua família.

"O exílio é uma das condições mais indignas que um ser humano pode experimentar. Quando você é retirado de seu país, de sua comunidade, de suas raízes às quais você pertence, é uma situação muito violenta", afirmou. "No entanto, me considero sortudo".

Alphonse explicou as graves estatísticas vividas em seu país; apenas no ano de seu atentado, seis jornalistas foram assassinados. Uma situação que piorou desde o assassinato do presidente Jovenel Moïse, que até levou ao controle do país por gangues.

Seu ano como bolsista Knight-Wallace da Universidade de Michigan o ajudou a curar algumas feridas. Ele fez um apelo para apoiar tanto os jornalistas no exílio quanto aqueles que estão no Haiti, que perderam a esperança.

"Essa é a razão pela qual decidi ser uma voz, decidi me comprometer na defesa dos jornalistas e na defesa em uma escala maior dos direitos humanos, porque é inaceitável ser um observador silencioso", afirmou.

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A jornalista Yana Lyushnevskaya, da Ucrânia, (Foto: Patricia Lim / Centro Knight)

Em seguida, Yana Lyushnevskaya, jornalista sênior e editora adjunta do escritório em Kiev, Ucrânia, da BBC Monitoring, explicou que desde o início da invasão russa ao país, tem estudado a resposta dos meios de comunicação ucranianos ao tema, bem como as mudanças que ocorreram nesses dois anos no cenário midiático.

Embora tenha afirmado que mesmo antes da guerra havia dificuldades para o exercício jornalístico independente no país, especialmente pelas pressões de interesses econômicos e políticos sobre os meios, considera que a guerra significou uma "turbulência" para os meios de comunicação.

"Turbulência em todos os níveis imagináveis, desde a segurança física dos jornalistas até os desafios econômicos enfrentados por seus meios, até os desafios reais com a liberdade de imprensa, porque as guerras inevitavelmente vêm com elementos de censura e várias restrições às operações da mídia", explicou a atual bolsista Nieman.

A segurança dos jornalistas, disse ela, é o principal desafio. A guerra se tornou o principal tema de cobertura, o que claramente representa um perigo para os jornalistas. Mesmo aqueles que podem considerar que estão em cidades "em paz" podem morrer a qualquer momento devido ao disparo de um míssil em suas casas.

"Imaginem o preço que isso tem para a saúde mental dos jornalistas pelo trabalho que realizam", disse Lyushnevskaya, que fez uma diferenciação entre os jornalistas que vivem no país e aqueles correspondentes que podem sair e voltar para um lugar em paz. "Não temos essa opção. Esta é nossa casa. É praticamente impossível se desconectar, mesmo quando não está trabalhando, ainda está vivendo a realidade da guerra; por isso, quando se fala com os jornalistas, uma das necessidades mais urgentes que mencionaram é o apoio à saúde mental".

Outro problema que preocupa o país é a falta de profissionais. Muitos jornalistas fugiram do país por medo claro da guerra e outros, especialmente os jornalistas masculinos, foram para a guerra lutar, seja voluntariamente ou não.

"Muitos deles não retornam ao jornalismo e é possível que não o façam no futuro", afirmou. "Ouvi tantas vezes que é praticamente impossível encontrar pessoal técnico e editores para canais de televisão, por exemplo. Simplesmente não há pessoas suficientes no mercado".

Isso se soma aos problemas econômicos enfrentados pela maioria dos meios de comunicação, que em um contexto de guerra se tornam muito maiores.

Este cenário tem dificultado o exercício do jornalismo além da guerra, como, por exemplo, investigar a corrupção no governo. No entanto, Lyushnevskaya assegurou que há várias tentativas. Recentemente, por exemplo, o ministro da Defesa foi demitido por uma investigação relacionada à corrupção.

"Com todos os desafios extraordinários, há muitos sinais de esperança. Mas esse tipo de jornalismo internacional precisa de apoio e os jornalistas ucranianos precisam de muito apoio", concluiu Lyushnevskaya.

O painel foi encerrado por Hannah Ajakaiye, líder do FactsMatterNG da Nigéria e também bolsista JSK. O panorama midiático deste país, segundo Ajakaiye, era bastante vibrante, grande, com centenas de emissoras de televisão e rádio, mas como em todo o mundo, têm declinado. O positivo disso, disse, é que nasceram muitos nativos digitais, liderados especialmente por jovens jornalistas cansados do status quo da mídia e com outras ideias de comunicação.

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Hannah Ajakaiye, líder da FactsMatterNG, da Nigeria, e bolsista JSK (Foto: Patricia Lim/ Centro Knight))

No entanto, "os jornalistas têm pago o preço da democracia na Nigéria", disse Ajakaiye, explicando que o país tem a democracia mais importante da África. Ela acrescentou que os jornalistas continuam pagando este preço para poder proteger a democracia e direitos fundamentais.

O país viu um aumento nos números de jornalistas assassinados e forçados ao exílio, explicou. A essas ameaças se somam as detenções que os jornalistas podem enfrentar por seu trabalho. Ajakaiye narrou o caso de um colega que passou duas semanas na prisão por escrever uma investigação que relatava um caso de corrupção envolvendo um alto funcionário da polícia.

Os casos de sequestro de jornalistas, bem como as campanhas de desinformação das quais os jornalistas são alvo, também fazem parte das violências que os profissionais enfrentam na Nigéria. Recentemente, disse Ajakaiye, os casos de vigilância de jornalistas, bem como o vazamento de seus dados pessoais, fazem parte das preocupações 

O cenário de ameaças, somado aos baixos salários, levou muitos jornalistas a trabalharem para o governo ou como relações públicas.

"Alguns jornalistas nigerianos enfrentam condições difíceis. Claro, sempre digo que ser da Nigéria é ser resiliente porque sempre é preciso lutar e sobreviver a diferentes desafios. Então, quero aproveitar este tempo para destacar os jovens jornalistas corajosos que estão respondendo e tentando fazer reportagens investigativas que estão mudando o estado das coisas no país e tentando responsabilizar o governo", afirmou Ajakaiye.

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