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Defender uma investigação jornalística pode ser mais complexo do que a própria investigação, diz jornalista Gustavo Gorriti

"Fazer jornalismo investigativo na América Latina e em outros lugares do mundo tem duas partes: a primeira parte é sobre a própria investigação com todos os seus grandes desafios e a segunda parte, sobre a qual não se fala muito, é a defesa da investigação, e essa é quase tão complexa ou às vezes mais do que a própria investigação", disse o jornalista investigativo peruano Gustavo Gorriti ao Centro Knight.

Joranlista peruano Gustavo Gorriti. (Reprodução).

Com essas palavras, o jornalista se referiu aos esforços que realizou para defender sua investigação jornalística depois que o ex-presidente peruano Alan García atacou Gorriti e sua equipe no IDL-Reporteros nas redes sociais, e depois que um dos vídeos de Gorriti foi temporariamente retirado do Facebook.

De acordo com Gorriti, ele e sua equipe jornalística decidiram transmitir um esclarecimento via Facebook Live para combater a "intensa campanha" de desinformação e ataques que García e seus supostos seguidores vêm realizando nas últimas semanas contra sua investigação jornalística sobre o escândalo de corrupçao Lava Jato.

García está entre os que estão sendo investigados no caso Lava Jato, um dos maiores escândalos de corrupção empresarial e governamental de nível internacional, que envolve a construtora brasileira Odebrecht. Mais de um ex-presidente e empresário da América Latina foram presos nos últimos anos como resultado dessa investigação.

"Como em determinado momento ele [García] chegou à conclusão de que a parte central da investigação que agora chegou a ele é o produto dos esforços de investigação do IDL-Reporteros, ele concentrou seus ataques no IDL-Reporteros e seu diretor, isto é, em mim", disse Gorriti.

Esta campanha supostamente começou, de acordo com Gorriti, depois que o IDL-R publicou a reportagem "Alan García y la Caja 2" (“Alan García e o Caixa 2”), em 15 de novembro do ano passado. Na mesma data, a promotoria do caso Lava Jato solicitou a proibição de que o ex-presidente deixasse o país por 18 meses. García se refugiou na embaixada do Uruguai em Lima em busca de asilo diplomático, que lhe foi negado dias depois.

A reportagem do IDL-Reporteros argumentou, com base em documentação oficial, mensagens de email e recibos assinados por García, que o ex-presidente teria recebido um pagamento de US$ 100 mil da Caixa 2 da Odebrecht, divisão clandestina da empresa brasileira, para uma palestra que deu em 25 de maio de 2012 para empresários em São Paulo, Brasil.

Desde a publicação da reportagem, García proferiu vários insultos contra Gorriti e seu site em entrevistas e em suas redes sociais. Essa série de ataques se intensificou nos primeiros dias de março, depois que o IDL-R publicou reportagens sobre novas declarações de altos funcionários da Odebrecht obtidas por promotores peruanos no Brasil em fevereiro passado.

Em 7 de março, García disse via Twitter: "Gorriti, o defensor de Toledo que introduziu a máfia estrangeira de Maiman, Danon, Shavit e outros, acredita que pode projetar em mim a sujeira de sua alma. O ladrão acredita que todos são como ele. "

Os empresários israelenses Josef Maiman, "Avi" Dan On e Gil Shavit tiveram relações com o governo de Alejandro Toledo (2001-2006). Antes de se tornar presidente, Toledo liderou, juntamente com jornalistas como Gorriti e outros líderes da sociedade civil, a luta contra a fraude eleitoral em 2000 que contribuiu para acabar com o regime do ditador Alberto Fujimori (1990-2000) em sua segunda tentativa de reeleição.

Gorriti, que é judeu, respondeu as declarações do ex-presidente com o editorial "Respuesta a un Canalla" (“Resposta a um canalha”). Mais tarde, depois que Garcia disse o mesmo em uma entrevista com Trome, Gorriti respondeu com o editorial "El Antisemita" (“O antissemita”).

Apesar dos insultos no Twitter e no Facebook, não houve comunicação direta de Alan García com Gorriti ou seus repórteres até agora, segundo o jornalista.

"Ele está muito acostumado a intimidar e quase sempre teve sucesso", disse Gorriti, descartando a possibilidade de denunciá-lo por difamação. “Me aconselharam a apresentar uma queixa de difamação, mas resolvi, dada a possibilidade de ele se colocar como vítima, que é melhor continuar com a investigação e responder aos insultos. Afinal, a diatribe é uma arte e mais de um pode jogar esse jogo", acrescentou.

Portada de reportaje de IDL Reporteros. (Captura de pantalla).

Além das redes sociais, o jornalista alegou que García está por trás do novo semanário Presente, cujas edições são dedicadas a desacreditá-lo, ao seu site jornalístico e aos juízes do caso Lava Jato. Gorriti comparou o semanário com a imprensa "chicha" que estava a serviço de Vladimiro Montesinos, ex-chefe de fato do Serviço Nacional de Inteligência durante o governo autoritário de Alberto Fujimori (1990-2000), para atacar seus adversários.

O Centro Knight tentou entrar em contato com García, mas não recebeu uma resposta até o momento da publicação desta nota.

Por isso, em 15 de março, Gorriti e sua equipe decidiram publicar sua versão dos eventos no Facebook. No entanto, o vídeo - que o Facebook repôs dias depois - foi eliminado pelos algoritmos da rede social.

Gorriti disse que, imediatamente após o bloqueio do Facebook, eles começaram a transmitir o vídeo da conta do IDL-R no YouTube. "Essa transmissão conseguiu sair completa [ainda que] sob um ataque constante e maciço por trolls [de Garcia]", acrescentou.

Jornalistas do IDL-R tentaram, sem sucesso, relatar o incidente ao Facebook.

A área de pesquisa da organização peruana Hiperderecho, defensora da liberdade digital, ajudou o IDL-R a contatar o escritório da rede social para a região andina. De acordo com o IDL-R, o escritório regional do Facebook confirmou que houve um bloqueio devido a inúmeras denúncias de spam contra o vídeo por usuários do Facebook cujos perfis mantiveram em sigilo.

"O Facebook tem apoiado [o retorno do conteúdo], está contando a sua versão de como ocorreu o incidente e prometeu que não vai acontecer de novo, que vão nos considerar uma publicação a que eles chamam 'vulneráveis' a este tipo de ataques", disse Gorriti. De agora em diante, não será um algoritmo que avaliará o caso, acrescentou Gorriti, mas um humano.

O Centro Knight tentou entrar em contato com os representantes do Facebook para a área andina sem receber qualquer resposta.

Ambos o CPJ e o Relator Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Edison Lanza, deram demonstrações de solidariedade no Twitter para Gorriti e IDL-R pelos insultos recebidos e o bloqueio no Facebook.

Três dias após o bloqueio do vídeo do IDL-R no Facebook, José Domingo Pérez, um dos promotores encarregado do caso Lava Jato no Peru, foi atacado por uma multidão ao sair da prisão feminina Santa Monica, publicou El Comercio. Pérez tinha ido interrogar a ex-candidata presidencial Keiko Fujimori, que está cumprindo prisão preventiva por supostamente receber dinheiro da Odebrecht para sua candidatura.

"A atmosfera tornou-se muito mais volátil, muito mais tensa, tem havido violência digital e há chances de que as coisas continuem assim porque, obviamente, a última coisa que vamos fazer é frear a investigação. Pelo contrário, vamos acelerá-la, na medida do possível", disse Gorriti.

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