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Batalhas legais de jornalista para obter arquivos secretos da Igreja Católica da Colômbia reforçam direito de acesso à informação

Foi Spotlight, o filme vencedor do Oscar baseado na história dos jornalistas do jornal Boston Globe que expuseram casos de pedofilia na Igreja Católica daquela cidade, que inspirou o jornalista colombiano Juan Pablo Barrientos a começar a investigar esses casos em Medellín, capital do departamento de Antioquia.

Medellín foi a única cidade da Colômbia que apareceu na lista final do filme, que apontou outros casos de pedofilia no mundo. Barrientos ficou chocado com os números do filme, que mostraram que entre 7% e 10% dos padres da Arquidiocese de Boston foram acusados de pedofilia, e ele queria saber se o mesmo estava acontecendo em sua cidade de origem.

Assim começou em 2018 um caminho cheio de batalhas judiciais no qual ainda hoje, e após duas decisões da Corte Constitucional da Colômbia que apoiam seu pedido de informação, parece não ter chegado ao fim.

No dia 18 de agosto passado, por exemplo, um dia antes do prazo dado pela Corte para a Arquidiocese entregar os dados de 915 sacerdotes que fazem parte dela, o Arcebispo de Medellín, Ricardo Tobón Restrepo, publicou um vídeo no qual ele garantiu que entregaria as informações assim que a Corte esclarecesse alguns pontos de sua decisão.

Periodista colombiano Juan Pablo Barrientos. (Foto: Cortesía)

Periodista colombiano Juan Pablo Barrientos. (Foto: Cortesía)

“Esta é uma estratégia e uma medida de retardamento utilizada pelo Arcebispo para não responder, para continuar enrolando [...] para não entregar as informações", disse Barrientos à LatAm Journalism Review (LJR).

Barrientos apresentou uma ação de desacato contra o Arcebispo perante um tribunal de Medellín, que deu ao prelado 48 horas para enviar os documentos solicitados. Em 25 de agosto, a Arquidiocese respondeu parcialmente ao pedido de informação, entregando os detalhes de 36 dos 915 padres.

Diante desta resposta, o jornalista apresentou novamente uma moção de desacato ao tribunal, mas desta vez a juíza informou que tinha que esperar que a Corte Constitucional esclarecesse as questões ao Arcebispo.

“Estes pontos que ele diz que não estão claros são basicamente para continuar atrasando e atrasando, de modo a não entregar informações porque está tudo absolutamente claro", Barrientos enfatizou à LJR. “Assim que a Corte Constitucional esclarecer estes pontos ao Arcebispo, pedirei imediatamente À juíza que, por favor, prenda o Arcebispo de Medellín até que ele entregue as informações solicitadas, que são as informações sobre os 915 padres".

As informações solicitadas pelo jornalista são básicas: a trajetória dos sacedortes e se esses padres foram denunciados por abuso sexual de menores.

Barrientos afirma que não tem nenhum problema com a religião católica, muito menos com as pessoas que a seguem. Mas ele enfatiza que quer encontrar a verdade e especialmente demonstrar "que ninguém está acima da lei".

Na mais recente resposta dada pelo Arcebispo e tornada pública, verificou-se que 25 sacerdotes – dos 36 sobre os quais ele forneceu informações – haviam sido denunciados por abuso sexual entre 1995 e 2018. De acordo com as informações divulgadas pelo Arcebispo, destes 25, oito estão suspensos, dois estão sob investigação, dois estão em “ministério limitado", seis foram expulsos por terem sido considerados culpados e seis estão ativos. Fala também de 11 padres cujas denúncias foram “desconsideradas".

“Não. Você [Arcebispo] não é ninguém para desconsiderar esses casos, isso cabe a um promotor e um juiz da república", disse Barrientos. "Acho muito grave que haja padres que violaram crianças, foram suspensos por um tempo e depois voltaram a ser padres. E isto é demonstrado na resposta porque diz que ‘ele já cumpriu sua sentença canônica’. Desde quando um pedófilo pode ser liberado – por assim dizer. Alguém que estupra crianças não pode estar perto de crianças novamente e essas pessoas colocam mais crianças em perigo. É uma vergonha!”

Barrientos também salienta que a maioria destes casos foi relatada ao Ministério Público no mesmo dia 25 de agosto, o dia em que o direito de petição foi respondido. "Isto se chama obstrução à justiça porque ele deve informar imediatamente as autoridades civis, pois são casos de violência sexual contra crianças e adolescentes".

A LJR solicitou uma entrevista com a Arquidiocese de Medellín, mas não recebeu resposta até o fechamento desta reportagem.

 

Uma conquista para o direito de acesso à informação

Além das decisões judiciais em casos de estupro de crianças que as investigações jornalísticas de Barrientos podem provocar, suas batalhas legais também marcaram uma conquista para a liberdade de expressão e o acesso à informação. Em duas decisões separadas, a Corte Constitucional afirmou o direito de acesso a tais informações.

Foi em 2020 que ele teve sua primeira vitória legal através de uma tutela. Barrientos, que é co-fundador do meio nativo digital Vorágine, trabalhava em 2018 com a estação de rádio W Radio, onde publicou uma investigação sobre o suposto encobrimento pela Arquidiocese de Medellín de 17 sacerdotes denunciados por pedofilia. Seguiu-se uma segunda investigação, “Dejad que los niños vengan a mí” (“Deixai que as crianças venham até mim"), na qual Barrientos exporia 45 casos não apenas em Medellín, mas no país.

Depois dessas investigações, Barrientos notou como a Arquidiocese começou a se recusar a atender suas ligações, a responder suas perguntas ou a atrasar informações, e assim ele decidiu buscar seus direitos por meio de petições e tutelas. “Todas as tutelas que apresentei foram perdidas. Os juízes diziam 'não, a Arquidiocese está certa, essa informação é reservada, é reservada, é reservada'".

Até que em 2020 a Corte emitiu a sentença T-091/20 na qual declarou que as informações deveriam ser públicas e entregues. Em sua decisão, a Corte estabeleceu a diferença entre informações privadas, reservadas e semi-privadas. Neste caso, eram dados semi-privados, disse a Corte. Também observou que em uma disputa entre dois direitos (acesso à informação e privacidade), deve ser avaliado se outros direitos fundamentais (direitos das crianças) estão sendo protegidos, por exemplo, pela publicação de informações semi-privadas. E, nesse sentido, o direito à privacidade poderia ser limitado.

Com a sentença em mãos, Barrientos solicitou os dados de diferentes sacerdotes até receber os de 105 padres. Destes, explicou ele, 30 haviam sido denunciados por abuso sexual. “Eu disse: 'isto é muito grande'. Quase 30% estão envolvidos nisso", explicou o jornalista que, diante dessas informações, decidiu solicitar informações sobre todos os padres que fazem parte da Arquidiocese de Medellín em 19 de fevereiro de 2021, ou seja, 915 padres.

Quando o Arcebispo se recusou a responder, Barrientos apresentou novamente uma tutela que ganhou na 14ª Vara Cível do Circuito de Medellín. A juíza informou ao Arcebispo que ele era obrigado a responder à decisão constitucional. Entretanto, o prelado contestou e o Tribunal Superior de Medellín revogou a primeira decisão “ilegalmente". “Digo ilegalmente, porque havia um precedente constitucional. E um precedente constitucional deve ser respeitado", acrescentou Barrientos.

Em um caso excepcional, a tutela de Barrientos foi novamente escolhida pela Corte Constitucional para revisão (a Corte pode receber mais de 600.000 tutelas por ano, e escolhe algumas dentre estas), e em uma decisão de 2 de junho de 2022 reiterou o dever de entregar informações semi-privadas consideradas de interesse público.

“Agora existe um precedente constitucional da Corte que não abrange apenas a Igreja Católica, mas qualquer instituição pública ou privada que tenha crianças e adolescentes sob seus cuidados. E eu acho que isso é maravilhoso. Agora qualquer cidadão, qualquer jornalista, pode enviar uma petição a qualquer instituição, seja ela uma Igreja Católica ou não", disse Barrientos. "É muito valioso entender algo muito triste na Colômbia, que é o fato de que não cuidamos das crianças.”

Para Barrientos, o importante da decisão é que, embora relacionada à Igreja Católica, informações deste tipo podem ser solicitadas às escolas ou outras instituições – como os Escoteiros – que têm menores de idade sob seus cuidados. Esta não é uma questão menor, especialmente se levarmos em conta os números relativos ao abuso sexual de menores na Colômbia. De acordo com o Ministério Público, no primeiro trimestre de 2022, as denúncias deste crime aumentaram 9,5% em comparação com o mesmo período do ano passado.

 

Ameaças, assédio judicial e tentativas de censura

Investigar a Igreja Católica - em um país onde a pesquisa mais recente mostra que mais de 57% da população se identifica como católica - não é fácil.

Em uma resposta em vídeo em 25 de agosto, o Arcebispo Tobón acusou Barrientos de promover "uma campanha agressiva de difamação contra a Igreja na Colômbia". O jornalista, cujos dados estavam nessa resposta, recebeu um grande número de ameaças e insultos.

Mas esta não é a primeira vez. Após sua primeira investigação, a rede Caracol (à qual a W Radio pertence) recebeu uma carta com 46.000 assinaturas solicitando a retratação de Barrientos e sua demissão. Em Medellín, pessoas marcharam,  não contra os crimes, mas em apoio a um dos padres da cidade que tem milhares de seguidores em suas redes sociais. Posteriormente, o Vaticano suspendeu este sacerdote.

Há anos, Barrientos fechou seus perfis em redes sociais e toma muitas medidas de precaução. "É preocupante, eu não presto [muita atenção], mas cuido de mim mesmo, cuido muito de mim mesmo. Eu sou de Medellín e quase não voltei lá porque o ambiente é pesado", disse o jornalista.

Ele também tem sido vítima de assédio judicial e de tentativas de censura. Suas investigações, por exemplo, o levaram a escrever dois livros, “Dejad que los niños vengan a mí” 9Deixai que as crianças venham a mim”) e “Este es el cordero de Dios” ("Este é o cordeiro de Deus"), e antes da publicação deste último, o jornalista recebeu em um mês mais de sete ações judiciais “que procuravam violar a confidencialidade de sua fonte e censurar a publicação de seu livro", denunciou a FLIP na época.

Embora Barrientos ressalte que o assédio judicial pode afetar seu trabalho, ele também ressalta que compreende o direito de qualquer pessoa de usar recursos legais. Ele acrescenta que está aproveitando esta oportunidade para aprender sobre questões judiciais.

“As pessoas pensam que isso é um ataque contra a igreja. Não! Se você vê minhas publicações, eu nunca interfiro na religiosidade ou dogmas das pessoas [...] Tenho muito respeito por isso, as pessoas acreditam no que querem acreditar e isso é digno de respeito", disse Barrientos. "O que tenho são denúncias de crimes muito graves, que também são os mais graves, de acordo com a Constituição colombiana: os direitos das crianças estão acima dos direitos de qualquer outra pessoa".

*LJR falou duas vezes com Barrientos após as respostas da Arquidiocese.

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