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Em dois meses, mais de 83% dos pedidos feitos ao governo pela Lei de Acesso à Informação foram atendidos; ainda há problemas

Por Isabela Fraga

Após dois meses da regulamentação da Lei de Acesso à Informação no Brasil, em 16 de maio, o governo federal já recebeu 17.516 pedidos de acesso a documentos e outras informações. Desses, 83,9% foram atendidos positivamente -- ou seja, o pedido de acesso à informação foi aceito e respondido. Os dados foram apresentados na segunda-feira, 16 de julho, em relatório da Controladoria-Geral da União do Brasil (CGU), informou o portal Uol.

Parte dos dados relativos ao poder executivo federal já havia sido antecipada pela procuradora federal Vânia Vieira, diretora de prevenção à corrupção da CGU -- órgão responsável pela implementação da lei em nível federal -- durante conferência no último dia do 7º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, realizado em São Paulo. No entanto, se o poder executivo considera esse balanço positivo, o mesmo não se pode dizer dos governos estaduais e municipais. Durante esses mesmos dois meses da lei, apenas 10 estados brasileiros a regulamentaram, informou Fabiano Angélico, consultor da CGU e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) ao jornal O Globo. Isso significa que menos da metade dos estados brasileiros fizeram decretos próprios para facilitar o acesso dos cidadãos a informações públicas.

Vânia Vieira participou de uma mesa sobre a Lei de Acesso junto com o jornalista Fernando Rodrigues, da Folha de São Paulo e do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, e do cientista político Guilherme Canela, assessor de comunicação e informação da Unesco para o Mercosul e Chile.
Segundo a CGU, Os órgãos federais que mais receberam pedidos de acesso a informações foram a
Superintendência de Seguros Privados (Susep), que somou 11% dos registros; o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), com 7%; e o Banco Central do Brasil, com 4,5% dos pedidos. Esses valores compreendem o período da data de implementação da lei (16 de maio) até a tarde de 16 de julho.

Segundo a CGU, o tempo médio de resposta aos pedidos foi de 9,5 dias, enquanto o prazo máximo estabelecido pela lei é de 20 dias, prorrogáveis por mais 10. O principal motivo de negação de 1.404 pedidos (9,5% do total) foi por se tratarem de dados pessoais. Vieira considera pequena a quantidade de pedidos negados por se tratarem de documentos sigilosos: cerca de 140 do total de respostas negativas, o que configura quase 1%. "No âmbito do poder executivo federal, a implantação da lei parece estar funcionando. Podemos dizer que o copo está metade cheio", disse ela.

Privado e público
Mesmo os dados do governo federal, que parecem positivos, devem ser analisados com cuidado, opina o jornalista Fernando Gallo, do jornal Estado de São Paulo. Para Gallo, o fato de a maioria dos pedidos ter sido respondida positivamente não significa que os solicitantes receberam as informações que pediram. "Eu mesmo já obtive um monte de retornos que não responderam ao que eu estava questionando", conta o jornalista.

Já para o jornalista Fernando Rodrigues, que participou da mesa da Abraji ao lado de Vieira, "em parte, o copo está metade vazio". Para ele, é preciso olhar com cuidado o dito sucesso da implementação da lei até agora, uma vez que ainda há vários problemas que ainda não foram tratados pelo governo brasileiro. "O sucesso da lei depende muito da modernização do conceito de informação pública, por exemplo", argumentou o jornalista. "Se uma empresa privada que destroi uma montanha para extrair minério de ferro, as informações que ela utilizou para esse empreendimento devem ser públicas. Essa discussão sobre a zona cinza do que é privado e do que é público é longa, difícil e fundamental".

À crítica de Rodrigues, Vieira respondeu que casos complexos como o de investimento de empresas, patrocínios, ONGs etc. provavelmente serão discutidos no poder judiciário. "Não é trivial estabelecer um limite do ponto que uma informação é considerada pública ou não", podenrou a procuradora. "No governo, o princípio que deve inspirar qualquer intepretação é o do acesso."

O cientista político Guilherme Canela, por sua vez, afirmou que, na discussão da definição de público e privado, a ausência de um órgão regulador independente para a Lei de Acesso à Informação é um problema. "É preciso haver pessoas debruçadas exclusivamente sobre essas grandes questões, que são bem diferentes dos problemas cotidianos de implantação da lei", aargumentou Canela. "Internacionalmente, esses casos têm sido resolvidos com mais rapidez quando há uma instância dedicada à sua discussão, como um conselho ou um comissariado de informação -- que é o caso da Inglaterra." Para Canela, entender como outros países resolveram e pensaram esses temas é importante para o aperfeiçoamento do acesso à informação pública no Brasil.

Se não há discordância sobre o fato de a regulamentação da Lei de Acesso à Informação no Brasil ser uma conquista irrevogável de todos os cidadãos, os desafios agora passam pelo aperfeiçoamento de sua implementação -- e da análise detalhada dos dados fornecidos pelo governo. Como e quando todos os estados e municípios colocarão o acesso à informação pública em prática? Como definir o que é público e o que é privado? Como difundir uma cultura de que qualquer pessoa pode -- e deve -- ter acesso a dados do governo? Como gerir toda a informação e documentos elaborados todos os dias nos órgãos públicos? Ainda não há respostas definitivas, mas a discussão e a sensiblização da população para o tema são, sem dúvida, passos importantes.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog Jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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