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Em projeto transnacional, jornal da Costa Rica visualiza relações entre milhares de empresas em paraísos fiscais

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  • 11 julho, 2013

Por Alejandro Martínez

Quando o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (o ICIJ na sigla em inglês) obteve um vazamento com milhões de documentos sobre centenas de empresas escondidas em paraísos fiscais, convidou uma das equipes mais impressionantes de repórteres para participar no que a organização já chama “a colaboração de jornalismo investigativo transnacional mais ambiciosa da história”. Mais de 100 jornalistas de 58 diferentes países participaram no exame dos materiais e produziram várias matérias sobre as revelações dos documentos.

Mas mesmo com tantos repórteres trabalhando para produzir notícia com os documentos, a quantidade de informação era muito grande. O Consórcio decidiu organizar a informação e abri-la ao público – e esta fenomenal tarefa esteve sob a responsabilidade da equipe investigativa do jornal La Nación da Costa Rica.

O resultado é uma enorme base de dados interativa que mostra visualmente as conexões entre mais de 100 mil empresas e fundos secretos com seus integrantes, clientes, contadores, advogados e beneficiários por todo o mundo.

"Não é um despejo de dadosé uma seleção cuidadosa de informações que podem trazer transparência e responsabilidade para o mundo historicamente impenetrável dos paraísos fiscais", disse Marina Walker Guevara, Diretora Adjunta do ICIJ, em uma mensagem anunciando o lançamento do novo aplicativo.

O trabalho não só é o ápice de um esforço exaustivo para criar ordem a partir do caos, mas também é o mais recente triunfo da vanguardista equipe do La Nación e um reflexo do importante lugar que a América Latina está atingindo no ramo do jornalismo de dados.

No ano passado, o ICIJ conseguiu várias bases de dados que continham 30 anos de informação compilada por duas empresas (Portcullis TrustNet em Singapura e Commonwealth Trust Limited nas Ilhas Virgens da Inglaterra) dedicadas a ajudar seus clientes a criar companhias, fideicomissos e contas de banco em paraísos fiscais.

Ao se dar conta da necessidade de continuar examinando e organizando a informação -- os arquivos tinham aproximadamente 2,5 milhões de dados -- em novembro de 2012, o ICIJ chamou o La Nación para seguir com a tarefa.

“Foi um trabalho bastante forte. As bases de dados vieram bastante sujas, desorganizadas, sem estruturas e com informação duplicada”, disse Giannina Segnini, chefe de investigação no La Nación, em entrevista para o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas.

O ICIJ explicou que as bases de dados “estavam espalhadas em mais de 320 tabelas e sem um dicionário original que explicasse como estavam relacionadas. Se os dados continuassem assim, as verdadeiras conexões e relações de cada elemento por separado nunca poderiam ter sido mostrados em uma visualização”.

A multidisciplinar equipe de dados do La Nación -- que conta com três jornalistas, dois engenheiros de computação e uma especialista em visualização de dados -- trabalhou por quatro meses para analisar a informação, eliminar dados repetidos e integrá-los em um formato que ajudasse a mostrar as conexões entre as milhares de empresas e pessoas mencionadas nos documentos.

O resultado foi uma planilha fácil de navegar que gera círculos de três diferentes cores (que representam pessoas, empresas ou direções), suas conexões com linhas, e tabelas com mais detalhes sobre as entidades representadas.

A base de dados se encontra aberta ao público e disponibiliza uma função através da qual os usuários podem se comunicar com os jornalistas do Consórcio para sugerir iniciativas. Até o momento o aplicativo já recebeu mais de 72 mil visitas na América do Norte e mais de 28 mil no resto do continente. ICIJ também recebeu cerca de 400 mensagens de cidadãos ou jornalistas de todo o mundo sugerindo temas para investigar.

O aplicativo é o mais recente sucesso do time de dados do La Nación, que ganhou reconhecimento internacional por seu inovador trabalho na área. Na Costa Rica, produziu projetos em temas como educação, saúde, corrupção e eleições, com importantes repercussões em seu país.

Em 2010, por exemplo, a equipe cruzou as bases de dados dos nomes de todos os candidatos às prefeituras do país com antecedentes penais, pagamentos de impostos atrasados e pessoas inabilitadas para ocupar cargos públicos. O resultado revelou que vários candidatos haviam sido sentenciados por algum crime, deviam impostos ou não podiam participar das disputas eleitorais.

O enorme benefício de integrar bases de dados, afirma Segnini, é que permite aos jornalistas encontrar novas histórias baseadas não em vazamentos, mas em análise de informação.

"A novidade deste projeto é que consolidamos bancos de dados diariamenteAqui temos mais informações consolidadas que o próprio governo ", disse Segnini, que passou 20 anos trabalhando na equipe de investigação do La Nación e quatro anos no comando da equipe de dados atual.

O trabalho da equipe de Segnini na base de dados do ICIJ é representativo do crescimento do jornalismo de dados na América Latina. Desde meios como La Nación da Costa Rica ou La Nación da Argentina, até projetos independentes como InfoAmazonia ou Poderopedia, cada dia mais jornalistas usam estas ferramentas para contar melhores histórias no continente.

Para Segnini, o jornalismo de dados está apenas aterrissando na América Latina, mas em pouco tempo tornou-se um forte movimento cada vez mais presente nas redaçõesIsso, em parte, pela facilidade em adotar essas ferramentas, disse.

“A maravilha da tecnologia é que não é preciso fazer grandes investimentos para obter uma mudança. Há uma quantidade enorme de ferramentas open source", ressaltou. "O acesso à internet democratizou as possibilidades de buscar formas criativas para fazer este tipo de análise de qualquer lugar do mundo”.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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