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Equilibrar conteúdo e negócios: desafio de jornalistas que criaram startup para cobrir infraestrutura

Este artigo é parte da série ocasional da LJR sobre Nativos Digitais, veículos de imprensa e jornalistas que inovam no jornalismo latino-americano na internet.

Quando começou a desenvolver o projeto do que viria a ser a Agência Infra, o jornalista Dimmi Amora contava com colegas jornalistas interessados em empreender. No entanto, na hora H de deixar os empregos fixos e assumir o risco de se aventurar em algo que poderia não dar certo, todos deram para trás.

“Trabalhamos modelagem, montamos tudo e precisávamos tomar a decisão se íamos ou não [começar a Infra] e ninguém quis. Eu fui sozinho e resolvi sair da Folha [de S.Paulo] e iniciar o projeto da Agência Infra,” disse Amora à LatAm Journalism Review

Depois de 20 anos de uma carreira premiada em grandes jornais entendeu que era hora de uma virada. Com a crise econômica do Brasil e do modelo de negócios do jornalismo, o jornalista percebeu uma deterioração das condições de trabalho com impacto na sua capacidade de produzir com qualidade.

Dimmi Amora, fundador da Agência Infra: produto jornalístico para atender a um setor específico do mercado. Foto: André Coelho

Dimmi Amora, fundador da Agência Infra: produto jornalístico para atender a um setor específico do mercado. Foto: André Coelho

“Eu achava que estava produzindo muito e com pouca qualidade. Eu escrevia oito a dez matérias por mês. A partir de 2014, esse número era por semana. E eu tava com vontade de fazer outra coisa e resolvi empreender e ter controle sobre a produção.”

A Agência Infra surgiu em 2017 como resultado desta iniciativa como o primeiro veículo nativo digital brasileiro especializado na cobertura de infraestrutura. Um setor que Amora passou a acompanhar de perto quando se transferiu do Rio de Janeiro para Brasília, em 2010. Na época a economia brasileira vivia um boom e vários investimentos eram necessários para Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.

“Eu sempre cobri polícia, política, cidade, governo, mas sempre gostei de cobrir grandes obras, investimentos, leilões, [ou seja] coisas ficavam prontas e produziam qualidade de vida para as pessoas. E também pelos escândalos de corrupção que costumam ocorrer,” disse Amora, que no contato diário com as fontes do setor se deu conta havia demanda por mais e melhores informações sobre o tema. “As pessoas [do setor] reclamavam muito de falta de informação. E isso cria dificuldades econômicas, porque você não tem informação de qualidade.”

O setor de infraestrutura engloba uma série de instalações e sistemas que permitem o funcionamento da economia de um país, como transportes e energia. No Brasil, há uma demanda forte por investimentos nestas áreas, que movimenta bilhões de reais e atrai investidores nacionais e internacionais.

A primeira tarefa do jornalismo empreendedor, encontrar um nicho de informação não atendido, estava cumprida. Era hora de oferecer um produto ou serviço a esta parcela do mercado. A Infra estudou vários modelos, como site fechado, revista, venda de anúncios, mas no final o que deu certo foi a estrutura de agência de notícias, para um público que precisa de informações com agilidade para auxiliar na tomada de decisões de negócios.

“A gente criou um produto que pudesse retirar desse público um trabalho que eles tinham que exercer, horas que eles gastariam para reunir informações sobre o sistema de infraestrutura que nós poderíamos fazer isso e isso daria para eles mais tempo e economia. Com isso a gente consegue ter uma quantidade que não é grande de clientes, mas com um valor que é elevado,” explica Amora. 

A professora emérita da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, Zélia Adghirni, acredita que o surgimento e consolidação da Agência Infra estão relacionados à demanda de um público exigente capaz de sustentar negócios jornalísticos de nichos muito específicos. 

“A independência desses veículos é importante para colocar em destaque o poder do jornalismo como instrumento de credibilidade e expressão da cidadania, porque o grupo de leitores que entra nos sites e se informa por lá são pessoas com alto nível de escolaridade e essas pessoas estão em busca de uma informação independente e honesta” disse ela à LJR.

Gestão do conteúdo e do negócio: equilíbrio difícil

No começo, a expectativa dos sócios era gerenciar todo o conteúdo e ter uma área comercial independente, mas com o andamento do projeto eles acabaram contratando repórteres para agência e assumiram a área comercial, para fazer com que os novos projetos acontecessem, sobretudo eventos.

Com uma base de assinantes consolidada que dá sustentabilidade ao negócio, a Infra também conta com atividades complementares, como produção de conteúdo para terceiros através da cobertura de eventos na área de infraestrutura. Aliás, a realização de eventos próprios está nos planos, mas foi adiada pela pandemia de COVID-19.

Leila Coimbra, sócia da Agência Infra: entre exclusivas e orçamento. Foto: Sérgio Lima

Leila Coimbra, sócia da Agência Infra: entre exclusivas e orçamento. Foto: Sérgio Lima

“Nós temos muitos contatos, tanto com o setor público, como com a iniciativa privada, essas são as nossas fontes [de informação]. Por isso, é muito mais fácil para nós propor eventos, palestras e debates, de modo que isso gere receita para agência. Por termos sido bons repórteres, temos boas fontes e acabamos nos tornando bons comerciais,” disse Leila Coimbra, sócia da Infra, à LJR. “Não é fácil abrir mão de um emprego com CLT para se arriscar no empreendedorismo, mas no jornalismo já não restam muitas alternativas senão criar novos produtos, novos nichos.” 

Coimbra se tornou sócia da agência cinco meses depois da sua fundação e cuida da cobertura da área de energia. A motivação de Coimbra quando se juntou à Infra era a mesma de Amora: poder se dedicar com exclusividade à cobertura dos assuntos nos quais são especialistas e, assim, escrever reportagens com mais qualidade. A expectativa dos sócios, então, era gerenciar todo o conteúdo e ter uma área comercial independente responsável pela receita. Mas não foi exatamente isso o que aconteceu, ainda mais agora durante a pandemia.

“Sem a cobertura presencial, os repórteres precisam ser mais orientados, surgem várias reuniões. Eu e Dimmi precisamos olhar para faturamento, eventos e também para caçar os furos. Tenho trabalhado 24 horas por dia,” disse Coimbra.

Hoje, além dos dois sócios, a equipe conta também com dois jornalistas fixos e três colaboradores, além de profissionais que atuam nas áreas administrativa, comercial, de tecnologia e de design. E a carga de trabalho se multiplicou em tempos de pandemia.

“Eu caí numa armadilha,” brincou Amora. “Mas o fato ter que dividir o meu tempo entre o jornalismo e a administração da empresa tira um pouco da minha energia de produção, mas eu tento que a energia principal esteja na produção.”

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