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Jornal da Tarde, que revolucionou a imprensa de São Paulo nos anos 70, deixa de circular

Um dos mais respeitados veículos de comunicação de São Paulo, o Jornal da Tarde deixa de circular a partir desta quarta-feira, 31 de outubro, após 46 anos de história. O diário ilustrou a capa de sua edição de despedida com uma foto tirada do terraço do edifício Itália, um dos cartões-postais da cidade, e a frase "Obrigado, São Paulo".

Em editorial intitulado "O JT sai de cena", o jornal ressaltou seu papel na renovação da comunicação brasileira. "Desenhado para chegar às bancas no início da tarde, o JT pôde, na primeira metade de sua vida, dar-se ao luxo de funcionar na velocidade das ideias e concentrar-se com o necessário vagar no tratamento dos fatos, na avaliação do seu significado e na sua apresentação em imagens e palavras nunca antes tão cuidadosa e competentemente trabalhadas na história da imprensa brasileira", lembrou.

Conforme já havia anunciado em comunicado oficial distribuído no início desta semana, o Grupo Estado decidiu suspender as operações do JT por decisões estratégicas, passando a concentrar seus investimentos unicamente no jornal O Estado de S. Paulo. Para o diretor-presidente da empresa, Francisco Mesquita Neto, "ao longo dessas quase cinco décadas, o 'JT' foi polo de inovação e criatividade (...) com seus premiados jornalismo e design gráfico, influenciou gerações de leitores e de profissionais da comunicação, com uma grande contribuição ao jornalismo brasileiro. É uma missão cumprida".

Segundo o Instituto Verificador de Circulação (IVC), o JT teve uma tiragem média de cerca de 37 mil exemplares por dia em agosto e vinha enfrentando quedas constantes. Líder no segmento, o "Agora São Paulo", do Grupo Folha, registrou no mesmo mês média de 106,2 mil exemplares. Com o lucro decrescente da publicação, em torno de R$ 800 mil ao ano, Grupo Estado decidiu que o investimento era injustificável, explicou o colunista Jorge Félix, do portal iG.

De acordo com a nota oficial, o Estado de S. Paulo passará ao formato de multiplataforma integrada (papel, digital, áudio e vídeo e mobile), para levar maior volume de conteúdo a mais leitores, sem barreira de distância e custos de distribuição". O Jornal do Carro, suplemento de maior sucesso do JT, também será incorporado ao O Estado de S. Paulo como um caderno, com edições às quartas, quintas, sábados e domingos. O documento não diz qual será o destino dos profissionais que trabalham no diário.

Apesar de 31 de outubro ser o último dia de trabalho na redação do JT, um acordo entre o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo e o Grupo Estado garante que não haverá demissões por um período de um mês, até o final de novembro, para que haja uma negociação entre as partes, conforme explicou o próprio sindicato.

O fim do Jornal da Tarde se soma à extinção da versão impressa de outros diários brasileiros , como Jornal do Brasil, Tribuna da Imprensa e Jornal dos Sports. Privilegiar a estratégia digital e acabar com a versão impressa de alguns veículos é uma opção cada vez mais adotada por empresas de mídia nos Estados Unidos, onde a circulação em papel tem sofrido quedas constantes.

Contudo, o fim do Jornal da Tarde contrasta como crescimento da circulação total de jornais impressos no Brasil, impulsionado pela expansão da classe média e pelo crescimento nas vendas de diários populares criados nos últimos anos. Segundo o Instituto Verificador de Circulação (IVC), que audita jornais e revistas do país, a circulação de jornais em papel aumentou 2,3% no primeiro semestre de 2012.

Jornalistas lamentam fim do JT

Em comentários na internet, blogueiros e jornalistas manifestaram pesar pelo fim do Jornal da Tarde. Mino Carta, idealizador do JT e atual diretor da revista Carta Capital, lamentou a notícia, em entrevista ao portal Uol. "A morte de um jornal sempre me entristece, mas, neste caso específico, eu devo dizer que me entristece em dobro, talvez ao cubo, pois foi um jornal que nasceu por obra que uma equipe que eu comandei".

"Nós revolucionamos, tanto na paginação quanto no texto. Acreditávamos que o jornalismo era uma forma de literatura, coisa que se perdeu no jornalismo brasileiro. Achávamos que a investigação era fundamental, que reportagens bem trabalhadas e profundas eram fundamentais para o êxito do jornal", acrescentou.

O ex-diretor da Agência Estado, Dirceu Martins Pio, salientou, em artigo publicado pelo Observatório da Imprensa, que o caminho para "evitar o fechamento do Jornal da Tarde seria transformá-lo num bom jornal metropolitano, com bons conteúdos voltados para as famílias da Grande São Paulo – mulheres, homens, jovens. Dito assim, isto parece uma bobagem – todos os jornais são dirigidos às famílias –, mas não é". Pio questionou o argumento de que a culpa é da competição com os meios digitais. "Só nos EUA, a web teria roubado 39% dos leitores dos impressos. Não se entende que a competição tenha sido tão cruel com uma Newsweek e até agora, ao que se sabe, benevolente com sua principal concorrente – a Time, do alto de seus 3,5 milhões de exemplares semanais".

Para o jornalista Mauro Cezar Pereira, o fim do JT é um indício da falta de sintonia entre o papel dos jornais e os novos tempos. "Não sei se a web vai 'matar' o jornal impresso. Sei que a notícia no papel precisa ser apresentada de outra forma, o enfoque não pode continuar frio, burocrático. E isso é urgente. Hoje, por exemplo, Folha e Estadão deram como manchete que Haddad é o novo prefeito de São Paulo. É que podemos chamar de notícia velha", comentou.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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