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Jornalismo latino-americano recorre à arte para que histórias com dados causem maior impacto na audiência

Mulher ligando de uma cabine telefônica como parte de uma instalação de arte.

Uma instalação de arte que une arte, dados e ativismo patrocinada pela fundação Dromómanos. (Crédito: captura de tela)

 

A palavra “dados” costuma estar associada a planilhas chatas ou arquivos incompreensíveis com valores infinitos. No entanto, por meio da arte, foi possível transformar esses dados tediosos em histórias e experiências com grande poder de conexão com diferentes públicos.

Nos últimos anos, o jornalismo latino-americano (que inclui o jornalismo investigativo baseado em dados, estatísticas e números) teve abordagens artísticas para contar histórias: peças teatrais, exposições, fanzines (publicações temáticas), criação de peças visuais analógicas e digitais, projetos imersivos, entre outros.

A arte entendida como uma atividade comunicativa por meio da qual se expressam ideias e emoções pode se fundir com o jornalismo se a objetividade dos dados for respeitada. “O que tentamos fazer como jornalistas é deixar uma marca e um impacto. Então explorar outros formatos para movimentar, intrigar e informar é necessário. Entre eles está a arte. Você pode encontrar uma forma criativa de se comunicar, mas sem perder a base rigorosa e investigativa que caracteriza o jornalismo”, disse Alejandra Sánchez Isunza, diretora da Dromómanos, à LatAm Journalism Review (LJR).

A LJR conversou com jornalistas, infografistas, editores e cientistas de dados para entender a aproximação entre dados e arte e, por sua vez, conhecer projetos que vêm sendo desenvolvidos na América Latina em relação a esse tema.

Mais chocante que uma notícia

Em 2014, o jornalista multimídia Daniel Villatoro escreveu um  artigo para o veículo guatemalteco Plaza Pública sobre como as mulheres, ao contrário dos homens, dedicam mais horas ao trabalho não remunerado, subsidiando a economia nacional.

Após vários meses de conceituação da ideia, Villatoro decidiu apresentar os resultados de sua pesquisa de forma artística para causar maior impacto. A partir daí, surgiu o Brecha, uma instalação baseada na visualização de dados.

“A ideia surgiu porque sempre fui jornalista multimídia e, quando visitava museus e galerias de arte, sentia que a pesquisa artística era muito parecida com a pesquisa jornalística. Você tenta se aprofundar em um tópico e explicá-lo de um ângulo original”, disse Villatoro à LJR. "A questão do 'trabalho não remunerado' e da desigualdade racial e de gênero não é tão chocante em formato de notícia. Achei que os dados tinham que ser mais explorados como movimento político/cultural e me deram a oportunidade em uma galeria", acrescentou Villatoro.

Atualmente seu trabalho tem sido apresentado em vários países da América Latina (El Salvador, Brasil, Costa Rica, Honduras, Argentina e Equador). E deu origem a outros jornalistas que trabalham nesse processo de exploração para traduzir relatórios de dados em arte.

Em 2017, como parte da programação do Fórum Centro-Americano de Jornalismo do jornal digital El Faro, foi aberta uma chamada pública para participar de uma exposição de jornalismo de dados e arte. Foram apresentados trabalhos como  "Procura-se!", uma instalação de Otto Hernández, artista visual, baseada em “Os 11.000 salvadorenhos que ninguém procura”, de Karla Arévalo, do El Diario de Hoy; “O costume de estuprar”, instalação de Carla Ascencio e Andrea Burgos, de El Faro, baseada em “Um paraíso para estupradores de crianças”, de Laura Aguirre e Malú Nochez. Artistas e jornalistas se uniram para contar histórias em diferentes formatos.

Então, por meio da Abrelatam Condatos, ponto de encontro da comunidade de dados na América Latina, novas experiências e diferentes exposições que combinaram dados e arte foram agregadas.

“Cada vez mais, há um compromisso de inovar na forma como contamos histórias e na forma como nos conectamos com o público. Da mídia alternativa ou independente, há mais apostas nos dois mundos”, disse à LJR Patricia Trigueros, coordenadora editorial dos Data+Art Fanzines, textos com ilustrações que falam sobre o futuro dos dados na América Latina.

Capas de fanzines, número 1 e 2, em espanhol

Exemplos de dois fanzines da América Latina em que um tema específico é explorado misturando dados e arte. (Crédito: captura de tela)

Outro exemplo de aposta inovadora para contar histórias é o projeto da cabine “Em Maus Passos”, da Dromómanos, onde arte, ativismo e jornalismo convergem para dar voz às pessoas afetadas pela violência na América Latina. A ideia, realizada em 2018, consistia em uma cabine telefônica colocada em um local público onde era transmitido um vídeo de um minuto de pessoas contando suas histórias de violência, e o público, por sua vez, poderia responder.

“A ideia era que, se os protagonistas contassem sua história, teria um impacto maior do que lê-la em um jornal. O estande foi uma experiência para desenvolver sensibilidade e empatia, tendo os jornalistas como intermediários. Eu não saberia se é uma abordagem artística, mas é uma abordagem jornalística diferente, onde buscamos um formato mais adequado para emocionar as pessoas e deixar uma marca mais profunda", disse Sánchez Isunza.

Mais recentemente, em 2021, Andrea Burgos, da revista feminista Alharaca, de El Salvador, realizou uma instalação artística intitulada "Corpos Eclipsados" com três peças a partir de uma investigação de Fátima Escobar sobre a precariedade do sistema de saúde daquele país na atenção às mulheres. A instalação foi apresentada em um espaço cultural da capital salvadorenha.

Primeiro concurso de dados e arte 

Em 2020, em meio à pandemia de COVID-19, a Abrelatam convocou seu  primeiro Prêmio Data + Arte com o objetivo, segundo os organizadores, de conectar dados com diferentes públicos e usuários, promover projetos que gerem impacto no contexto da crise sanitária e incentivar a experimentação artística e o uso de dados.

Nesta primeira edição, os vencedores foram a obra Bandera Nacional, de Nicolás Franco, que consiste na intervenção de uma imagem da bandeira nacional da Colômbia; a obra Distanciamiento(s), de Diego Sac, que compara, por meio do histórico de localização do Google Maps, os quilômetros percorridos pelo artista entre 2019 e 2020; e a obra Memorial, de Miguel Guevara, onde se analisa a frequência de repetição de sobrenomes na lista de detidos/desaparecidos durante a ditadura chilena entre 1973 e 1990.   

“Sempre me pareceu que a visualização de dados ultrapassa a área da ciência de dados e também pode ser uma expressão que evoca diferentes sensações nas pessoas, o que para mim é a definição de arte. Quando vi a convocação para o concurso, pareceu-me que era hora de confirmar isso que eu vinha considerando há muito tempo. Além disso, o título completo indicava “de casa”, o que também nos conscientizou de que estávamos em meio a uma pandemia mas queríamos continuar fazendo nosso trabalho e nossas criações mesmo apesar de estarmos confinados em casa”, explicou à LJR Guevara, que, além de ganhar o terceiro lugar no concurso, é o diretor do Laboratório de Ciência de Dados da Faculdade de Engenharia da Universidade de Playa Ancha, no Chile.

Data + Art mantém sua exposição em seu  site, e a equipe Datasketch, na Colômbia, também  apresentou a seleção de obras em sua sede na Colômbia, em junho de 2021, como forma de promover e manter vivo o uso de dados para comunicação em diferentes formatos.

Há muito o que fazer 

Nos últimos dois anos da pandemia de COVID-19, diminuíram os encontros em espaços físicos que a linguagem visual da arte exige. No entanto, as pessoas consultadas para este artigo concordam que são necessárias mais instituições para estimular a fusão entre dados, jornalismo e arte. Além disso, a partir do jornalismo, o aspecto visual se aprofunda ainda mais fora da infografia, do fotojornalismo ou do vídeo.

"Dentro do jornalismo ou da mídia, os espaços para formas criativas são poucos, no entendimento de que o jornalismo busca ser "objetivo" e a arte pode ser bastante subjetiva, e também não se corre o risco em espaços de "erros" ou experimentação (situações que a criatividade implica)”, explicou Diego Sac, designer e infográfico guatemalteco e vencedor do segundo lugar do Data + Art Award 2020, à LJR .

No entanto, embora o jornalismo aliado à arte e aos dados não pareça ser uma prioridade no momento, Sac acredita que sempre há jornalistas que buscam formas criativas de atingir seu público.

Guevara concorda com essa carência do jornalismo. “Em geral, há um espírito crescente para o uso da ciência de dados no mundo do jornalismo, mas mais para fins utilitários como complemento às notas de imprensa do que para fins de expressão artística” disse Guevara.

“O uso de formas mais criativas, por diferentes profissionais, tem se voltado para mídias que podem se tornar mais massivas, como as redes sociais. Vejo mais profissionais e políticos fazendo vídeos para o TikTok do que criando expressões artísticas que despertam sensações que levam à reflexão e, quem sabe, à ação. Como diz o clichê, 'vivemos no mundo do imediato', e fazer arte é um processo longo”, concluiu Guevara.

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