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Jornalista colombiana Claudia Duque segue sem justiça após 20 anos de luta contra tortura, ameaças e assédio

Por ocasião do Dia Internacional pelo Fim da Impunidade dos Crimes contra Jornalistas, a LatAm Journalism Review destaca quatro casos emblemáticos na região que permanecem em grande parte impunes.

A cada 17 de novembro, a jornalista colombiana Claudia Julieta Duque se lembra de um aniversário que gostaria de esquecer: dos ataques contra ela e a impunidade que os cerca. Ela já disse isso várias vezes publicamente, como quando escreveu nas redes sociais no ano passado: "Feliz aniversário, sra. impunidade".

Naquele dia de 2004, de acordo com Duque, ocorreu o pior e mais cruel ato em uma cadeia de perseguição e tortura realizada por membros da extinta agência de inteligência colombiana conhecida como DAS (Departamento Administrativo de Segurança). Na ligação que a jornalista recebeu naquele dia, a voz do outro lado da linha lhe garantiu que a próxima vítima seria sua filha de 10 anos. De acordo com a ameaça, sua filha seria assassinada e desmembrada.

"Essa ligação foi o ponto final de uma série de ataques e fez com que eu me rendesse à DAS, parasse de lutar e deixasse o país", disse Duque em 2017 durante um de seus muitos depoimentos perante um juiz colombiano.

Esse não é o único aniversário que ela gostaria de esquecer.

"Estou cheia de aniversários bastante trágicos", disse Duque à LatAm Journalism Review (LJR). “Todo dia 23 de julho, eu me lembro, meu corpo dói e eu acordo de manhã muito mal só de lembrar disso.”

Em 23 de julho de 2001, Duque foi vítima de um sequestro. Esse foi o primeiro ataque direto por sua investigação jornalística sobre o assassinato do também jornalista e comediante colombiano Jaime Garzón, ocorrido em 13 de agosto de 1999.

Seguiu-se uma série de ameaças diretas, vigilância e assédio que o sistema judiciário colombiano reconheceu como o crime de "tortura psicológica agravada" cometido por agentes e altos diretores do DAS entre 2001 e 2004.

Além disso, ela disse que suas denúncias contra funcionários do DAS em busca de justiça fizeram com que ela fosse vítima de outra série de ameaças, vigilância, assédio e outros ataques desde 2005. Segundo ela, não houve progresso nas investigações desses crimes.

Suas denúncias contra funcionários da DAS em busca de justiça levaram Duque a ser vítima de outra série de espionagem e vigilância entre 2005 e 2008. Além disso, nos anos que se seguiram, ela continuou a receber ameaças, vigilância e assédio, entre outros ataques, cujas investigações não avançaram.

Apesar de algumas condenações pelo crime de tortura psicológica agravada e de uma decisão judicial que reconhece a responsabilidade do Estado colombiano nesse crime, Duque considera que ele continua impune e critica o lento progresso do sistema judiciário.

“Estimo que houve pelo menos 18 declarações feitas por mim no Ministério Público, contando e judicializando situações que sofri”, explicou Duque. “No momento, sei que há quatro ou cinco investigações abertas sobre ameaças, sendo que a última delas foi aberta em julho deste ano. E nenhum desses processos tem uma única ação para seguir adiante. Não há absolutamente nada. De fato, quase todos eles foram encerrados ou arquivados pelo Ministério Público porque, segundo eles, não há provas.”

De acordo com a Fundação para a Liberdade de Imprensa (FLIP), que acompanhou Duque em seus processos judiciais, 98% das denúncias feitas por jornalistas pelo crime de ameaça ficam impunes na Colômbia.

Desde 2001, Duque teve de se exilar três vezes (2001, 2004 e 2008). Em 2009, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) lhe concedeu medidas cautelares. Duque também recebeu medidas de proteção do Estado, que ela foi forçada a devolver em 2022 porque, segundo ela, soube de uma coleta maciça de dados confidenciais sobre ela que colocava em risco não apenas ela, mas também seu s familiares e fontes jornalísticas.

Mais de duas décadas buscando justiça

Apesar dos diversos crimes de que Duque foi vítima em diferentes momentos, os únicos avanços que foram feitos estão relacionados ao crime principal de tortura psicológica agravada que ocorreu entre 2001 e 2004.

Embora suas denúncias contra funcionários da DAS tenham sido feitas assim que ocorreram, foi somente em 2013 que o Ministério Público da Colômbia empreendeu as primeiras ações ao ordenar medidas de segurança contra alguns ex-funcionários do DAS pelos crimes de tortura psicológica agravada. Dois anos antes, o ex-presidente colombiano Juan Manuel Santos assinou o decreto que ordenava o desaparecimento do DAS devido ao escândalo conhecido na Colômbia como "chuzadas", ou seja, interceptações ilegais pelo DAS de jornalistas, políticos, magistrados da Suprema Corte, entre outras personalidades.

Durante a investigação das "chuzadas", o Ministério Público encontrou nas instalações do DAS o documento "Manual para amenazar" (Manual para ameaçar), cuja existência já havia sido denunciada por Duque. Sabendo que Duque tinha identificador de chamadas, o manual continha instruções precisas sobre como ameaçá-la, não ficar na linha por mais de 49 segundos ou certificar-se de que não havia câmeras de segurança ao fazer a ligação.

Atualmente, há apenas uma pessoa presa pelo caso principal: Enrique Alberto Ariza Rivas, que era o diretor de inteligência do DAS na época dos fatos. Ele foi deportado dos Estados Unidos para a Colômbia, primeiro para cumprir uma sentença no caso das "chuzadas" e agora pelo crime contra Duque.

Em um determinado momento, 11 pessoas foram processadas, das quais três aceitaram as acusações e foram condenadas: o ex-diretor de Inteligência do DAS, Carlos Alberto Arzayús; o subdiretor de Desenvolvimento Tecnológico da Diretoria de Inteligência do DAS, Jorge Armando Rubiano; e o ex-diretor de Operações de Inteligência, Hugo Daney Ortiz. Essas três pessoas já foram libertadas após cumprirem suas penas.

Dos outros oito acusados, sete foram libertados devido à expiração dos prazos, ou seja, porque o prazo para a administração da justiça realizar os procedimentos judiciais expirou. Um deles foi absolvido em 30 de maio em uma decisão repudiada pela FLIP.

"Vemos com preocupação a decisão de absolver um dos ex-agentes do DAS, levando em conta que essa decisão é o resultado de uma análise deficiente que ignora algumas das provas incorporadas [no processo]", disse à LJR Ángela Caro Montenegro, coordenadora do Departamento Jurídico da FLIP. “Esperamos que a Câmara Penal do Tribunal Superior de Bogotá reverta essa decisão, faça uma análise minuciosa de cada uma das provas e condene essa pessoa [...], destacando a gravidade desses fatos, levando em conta os impactos individuais e no exercício do trabalho da jornalista.”

O único julgamento ainda em aberto é contra José Miguel Narváez, então vice-diretor do DAS e que também foi condenado como "determinador" no crime de Jaime Garzón. No entanto, o processo contra ele pode expirar em 2024, ou seja, no próximo ano terminará o tempo que o sistema judiciário colombiano tem para resolvê-lo.

Para a FLIP, "o lento progresso" no julgamento de Narváez também é visto com "alarme".

"A administração da justiça deve tomar as medidas que considerar necessárias para que esse julgamento possa avançar de forma diligente, evitando o fenômeno da prescrição e que, portanto, esses atos possam ficar impunes", disse Caro Montenegro.

Declaração de lesa-humanidade e a desaceleração do processo judicial

Em outubro de 2017, o crime de tortura psicológica agravada contra Duque foi classificado como um crime contra a humanidade pelo Ministério Público da Colômbia. No entanto, para Duque, foi justamente a partir de 2017 que seu processo para obter justiça começou a ficar ainda mais paralisado.

"Vejo que há um antes e um depois da declaração do meu caso como crime contra a humanidade", disse Duque. "Até aquele momento, tínhamos um ritmo muito importante de investigação e progresso. Já tínhamos julgamentos em andamento, estávamos terminando os julgamentos, em suma. [Mas] a partir daquele momento, o que aconteceu foi uma paralisação do caso do Ministério Público".

Duque destaca como, imediatamente após a declaração de lesa-humanidade, o caso contra o ex-diretor do DAS, Jorge Noguera, foi encerrado apesar do fato de que havia "provas suficientes para continuar, mas um promotor decidiu não fazê-lo".

"Isso quebrou a cadeia de comando, porque tudo ficou nas mãos de intermediários que estavam sendo processados no meu caso", acrescentou Duque.

Além disso, houve uma mudança de juízes. Uma juíza, segundo Duque, paralisou os procedimentos, liberou os réus e até impôs uma "censura legal" a ela, ou seja, ela foi proibida de se pronunciar sobre seu próprio caso. Há um ano, a juíza foi mudada novamente.

“Sinto que, após a declaração de lesa-humanidade, alguém em um nível muito alto disse ‘chega. Já foi feita justiça suficiente para essa pessoa’”, disse Duque. “O Estado foi condenado pelos atos dos quais fui vítima. E está claro que o Estado prefere pagar indenizações em vez de encontrar os culpados, em vez de realizar investigações que cheguem ao máximo responsável pelos eventos que sofri. Então, para mim, há uma decisão política.”

Em 2018, ela decidiu apresentar seu caso perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pela violação de seus direitos humanos, incluindo o direito à liberdade de expressão, proteção judicial, integridade pessoal, entre outros.

De acordo com Duque, esse caso perante a CIDH está na fase de mérito, ou seja, a fase em que a CIDH decide se houve ou não violações de direitos humanos. Posteriormente, a CIDH poderia enviar o caso para a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Buscando refúgio no jornalismo

Em uma das conquistas mais importantes na busca por justiça, o Conselho de Estado condenou a Colômbia pela violação de vários direitos humanos de Duque e sua família.

Na sentença de 17 de junho de 2022, o Conselho de Estado afirmou que ficou comprovado que a jornalista foi alvo de interceptações ilegais, vigilância e tortura psicológica, e condenou o antigo DAS a indenizar os danos causados a Duque e sua família. Essa reparação de 2,2 bilhões de pesos colombianos (cerca de US$ 535 mil), disse o Conselho de Estado, deve ser paga pela entidade que sucedeu o DAS.

"No processo, há várias evidências que mostram que um plano foi implementado contra Claudia Julieta Duque Orrego a fim de puni-la pela atividade que estava realizando, especialmente por meio de ameaças contra sua filha", estabeleceu o Conselho de Estado na sentença.

Embora a sentença tenha trazido alívio para Duque, a jornalista considera que grande parte de seus crimes continua impune, especialmente porque as poucas condenações em seu julgamento permaneceram na "administração intermediária" e não chegaram aos que autorizaram a tortura contra ela.

Duque também expressou seu desacordo com o fato de quatro pessoas implicadas em seu crime terem sido aceitas na Jurisdição Especial para a Paz (JEP) – o mecanismo de justiça transicional criado como parte do processo de paz do governo com os guerrilheiros das FARC.

"Sinto que reconhecer os crimes cometidos pelo DAS contra civis durante o governo de Álvaro Uribe como crimes no âmbito do conflito armado é revitimizar a todos nós, não apenas a mim", disse Duque.

"Sempre disse a eles: 'mas o que eu tenho a ver com o conflito? Eu nem sequer cobri o conflito'. Eles me transformam em vítima porque eu estava investigando o caso de um jornalista assassinado. Então você está tentando dizer que Garzón era um guerrilheiro ou que eu era guerrilheira, ou que o DAS tinha motivos para nos considerar subversivos. Isso me parece extremamente forte, revitimizante, e eu, é claro, sempre me opus e continuarei a me opor à competência da JEP no meu caso".

A Procuradoria-Geral da República informou à LJR que a solicitação de resposta para essa reportagem havia sido encaminhada ao "grupo de solicitações de informações sobre processos criminais". No entanto, até o fechamento da reportagem, a LJR não havia recebido nenhuma informação adicional.

LJR também tentou entrar em contato com a Jurisdição Especial para a Paz, mas não recebeu resposta até o fechamento da reportagem.

"Eu diria que, na realidade, na Colômbia, a norma é a impunidade e acho que um poder muito grande na Colômbia já tomou a decisão de que me foi feita justiça suficiente com a condenação de três homens", disse Duque. "Já existe uma decisão político-judicial de não permitir o progresso no caso de tortura, nem nos outros casos".

A FLIP também alertou sobre as ameaças que Duque vem recebendo sistematicamente nos últimos 20 anos e sobre a "falta de progresso" por parte da Procuradoria-Geral da República. De acordo com o monitoramento da organização, 98% das denúncias feitas por jornalistas pelo crime de ameaças ficam impunes. Essa é uma questão para a qual o Estado colombiano recebeu até mesmo pedidos de atenção da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Diante desse panorama de impunidade, Duque decidiu parar de se concentrar este ano em conseguir justiça nesses casos de ameaças e se dedicar ao que realmente a faz feliz: o jornalismo.

"Estou realmente de saída e admitindo o que nunca quis admitir, ou seja, que essas pessoas venceram e que na Colômbia a justiça não é possível quando se trata de graves violações dos direitos humanos pelo Estado. Não é possível", disse Duque, que acrescentou que deixará de passar quase 50% do tempo investigando seu próprio caso para trabalhar em investigações jornalísticas.

De fato, ela publicou recentemente, com o projeto Forbidden Stories e o meio colombiano Cuestión Pública, a segunda parte da investigação sobre o assassinato do jornalista colombiano Rafael Moreno, ocorrido em 2022. Duque já havia apoiado a primeira parte da investigação.

"Essa reportagem foi bastante dolorosa porque é um caso muito triste de como na Colômbia o jornalismo crítico continua a ser silenciado depois de tantos anos e tanta dor", explicou Duque, que sabe por experiência própria que deve tomar as melhores medidas de segurança. É por isso que ela também passa parte de seu tempo treinando outros jornalistas em técnicas de segurança.

"Foi um retorno apaixonante porque o jornalismo é o que está em meu sangue, o que me faz feliz. O jornalismo investigativo é algo para o qual eu sinto que nasci para fazer e adoro fazer. E adoro poder fazer minha parte na investigação dos casos de outros jornalistas que foram assassinados ou atacados", disse Duque. “Retornar ao caso de 'Rafa' Moreno foi muito importante para mim como profissional, não apenas porque foi um consórcio com mais de 25 meios de comunicação internacionais que confiou em mim para fazer esse trabalho de campo [...], mas também porque significa poder retornar ao campo para fazer o que eu faço, o que eu sei fazer, e refletir isso de maneira profissional.”

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