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Jornalistas paraguaios sofrem criminalização judicial e ameaças por seu trabalho

A criminalização judicial e as ameaças contra o jornalismo paraguaio se tornaram evidentes nos últimos meses, alertou a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) em seu relatório de meio de ano sobre a situação da liberdade de imprensa nas Américas.

“É uma profissão maravilhosa, mas não temos garantias, estamos expostos a tudo”, disse a jornalista paraguaia Mabel Portillo, que trabalha para a Guairá Press, à LatAm Journalism Review (LJR).

No contexto dessa criminalização judicial, as associações de jornalistas paraguaios afirmam que uma lei destinada a proteger as mulheres está sendo usada para censurar e intimidar jornalistas, incluindo Portillo, nos tribunais.

A Lei 5777/16, sobre a proteção integral das mulheres contra todas as formas de violência no Paraguai, visa estabelecer políticas e estratégias para a prevenção da violência contra mulheres, mecanismos de atendimento e medidas de proteção, punição e reparação integral, tanto na esfera pública quanto na privada.

No entanto, sindicatos e organizações de jornalistas no Paraguai expressaram sua preocupação com o “mau uso” dessa lei e denunciaram que ela é usada para censurar, intimidar, assediar e ameaçar trabalhadores da imprensa, veículos de comunicação e pessoas independentes que exercem sua liberdade de expressão.

Em uma declaração emitida em fevereiro, as organizações pediram à Suprema Corte que “emita diretrizes para a aplicação correta da lei”.

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“É uma profissão maravilhosa, mas não temos garantias, estamos expostos a tudo”, disse a jornalista paraguaia Mabel Portillo, que trabalha para a Guairá Press, à LatAm Journalism Review (LJR). (Foto: Arquivo pessoal)

No caso de Portillo, uma queixa judicial foi apresentada usando essa lei depois que ela publicou sobre o suposto desvio de fundos no município de Yataity [no sul do Paraguai], de acordo com o Última Hora. A prefeita Gloria Duarte apresentou a queixa e obteve uma ordem de restrição contra a jornalista.

“Isso [essa denúncia] me prejudicou muito, já faz um ano de perseguição. Nunca tive problemas com o sistema judiciário e me dói muito passar por tudo isso, apenas por denunciar a corrupção", disse Portillo. “Acho que se eu não amasse tanto minha profissão teria jogado a toalha, não só eu estou sofrendo, mas também meus pais, meus irmãos e irmãs e uma comunidade que me considerava a única esperança porque eu era o único canal que eles tinham para saber o que estava sendo feito com os recursos de um município.”

O jornalista Alfredo Guachiré também foi alvo de uma denúncia por violência contra mulheres em 2022, depois de publicar um suposto caso de fraude do então presidente da Empresa Estatal de Servicios Sanitarios del Paraguay S.A., Natalicio Chase, e sua esposa, Celia Galli. Na ocasião, o meio de comunicação El Independiente teve que remover a reportagem.

“Os investigados por irregularidades distorcem a Lei 5777 e a utilizam como ferramenta para censurar ou ameaçar”, disse Guachiré à LJR.

A TEDIC, uma organização paraguaia dedicada à defesa e à promoção dos direitos humanos na internet, documentou outros casos em que os tribunais paraguaios decidiram contra jornalistas com base na aplicação da Lei 5777/16.

Por exemplo, em fevereiro, o jornalista Fredy Chamorro revelou supostas irregularidades na administração de um hospital e foi acusado de assédio pela diretora desse centro de saúde. O juiz encarregado do caso acatou a denúncia e proibiu Chamorro de publicar qualquer informação sobre a funcionária pública.

A jornalista e apresentadora de rádio e TV Letizia Medina teve mais sorte. Depois que ela publicou uma paródia sobre a senadora Norma Aquino em sua conta do Instagram, a autoridade entrou com uma queixa e pediu uma medida cautelar para remover a publicação.

No entanto, o juiz Gustavo Villalba decidiu não aceitar a queixa apresentada pela senadora.

“A imitação humorística feita pela jornalista Letizia Medina é uma forma de expressão protegida pela liberdade de imprensa e pela liberdade de expressão e, como jornalista, a imitação pode ser considerada uma forma de crítica política aceitável no contexto da liberdade de imprensa”, disse o magistrado, segundo o ABC Color.

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Vicente Godoy, jornalista da página do Facebook “Horqueta Digital”, tem sido alvo de ameaças anônimas recebidas na forma de áudios via WhatsApp. (Foto: Arquivo pessoal)

As ameaças judiciais não vêm apenas do uso da Lei 5777/16. A SIP destacou o caso envolvendo jornalistas dos meios de comunicação ABC Color e Última Hora, que publicaram informações sobre o governo do ex-presidente Horacio Cartes. Como os artigos não estavam assinados, os promotores paraguaios Aldo Cantero, Rodrigo Estigarribia e Daniela Benítez pediram para saber a identidade dos jornalistas que escreveram os artigos, o que foi considerado pelos envolvidos como uma ameaça à liberdade de expressão.

Paralelamente aos processos judiciais que os jornalistas paraguaios estão enfrentando, a SIP também mencionou casos de ameaças de morte contra jornalistas. É um fato preocupante, considerando que o jornalista Alex Álvarez, da Radio Urundey FM, foi assassinado em fevereiro de 2023 em Pedro Juan Caballero e as provas do seu caso ainda não foram analisadas, segundo a associação.

Vicente Godoy, jornalista da página do Facebook “Horqueta Digital”, na cidade de Horqueta, no norte do Paraguai, denunciou ao Ministério Público de sua região, no final de 2023, que havia sido alvo de ameaças anônimas recebidas na forma de áudios via WhatsApp.

De acordo com o jornalista, as autoridades de seu país lhe ofereceram proteção policial, mas as promessas não foram cumpridas. Godoy iniciou um processo de asilo em outro país.

“Para ser jornalista no Paraguai é preciso ter coragem e ousadia, porque quando investigamos e denunciamos a corrupção, não estamos falando de pequenas quantias de dinheiro. Em minhas investigações, nesses cinco anos, falei de quantias que equivalem a quase US$ 8 milhões", disse ele à LJR.

O caso de Godoy não é um caso isolado; o relatório da SIP cita pelo menos três outros jornalistas que relataram ter recebido ameaças de morte no ano passado.

Um projeto de lei para proteger jornalistas e defensores dos direitos humanos está sendo debatido na legislatura paraguaia há um ano, mas ainda não foi aprovado.

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