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Liberdade de expressão, um direito a ser conquistado no Brasil

O texto a seguir foi publicado originalmente no site do Sustainable Governance Indicators News.

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Mídia brasileira é dominada por um pequeno grupo de empresas e abre pouco espaço a diversidade de vozes da sociedade. Jornalistas e ativistas de direitos humanos pedem novas leis para o setor da comunicação para proteger a liberdade de expressão e o acesso à informação no país anfitrião da Copa do Mundo de 2014.

Folha de S. Paulo, one of Brazil's largest daily newspapers © Rodrigo Sá.

Desde o fim da ditadura militar, em 1985, o Brasil é tido como um país onde reina a livre expressão. Embora este direito tenha sido garantido pela Constituição de 1988, permanece uma preocupante distância entre o que está escrito e sua implementação na prática. O período negro da tortura a vozes dissidentes nos porões da ditadura terminou, mas alguns fatos recentes nos levam a questionar o estado da liberdade de expressão no país anfitrião da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016.

Em janeiro, Lúcio Flávio Pinto, um dos mais reconhecidos jornalistas brasileiros, fundador do Jornal Pessoal, foi condenado a pagar mais de R$400 mil ao empresário Romulo Maiorana Júnior e à empresa de sua família. A ação judicial foi proposta após a publicação, em 2005, do artigo “O rei da quitanda”, no qual o jornalista abordava a origem e a conduta do empresário à frente de sua organização, um dos maiores grupos de comunicação das regiões Norte e Nordeste.

As inúmeras denúncias de corrupção, desmatamento ilegal e tráfico de madeira no norte do país renderam a Pinto mais de 33 processos, além de algumas ameaças. O caso é um perfeito exemplo da censura judicial cada vez mais frequente contra profissionais ligados à imprensa no Brasil. Embora a liberdade de expressão seja um direito fundamental, a via judicial tem se mostrado um meio eficaz de inviabilizar o funcionamento de veículos informativos, especialmente os pequenos, e de calar a crítica de jornalistas e blogueiros.

Um pequeno número de empresas domina o cenário midiático

A ação movida contra Lúcio Flávio por uma poderosa família local,  que por acaso também controla o principal grupo de comunicação do estado, reflete outra ameaça à liberdade de expressão no Brasil: o legado dos coronéis, grandes proprietários de terras ou de indústrias que ocupam também posições políticas em determinadas regiões do país e, assim, exercem grande influência -- quando não controle de fato -- sobre a mídia e a opinião pública.

A situação foi apontada no relatório produzido pela Repórteres sem Fronteiras, "Brasil, o país dos Berlusconis", em referência ao ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi, que detém a maior corporação de mídia da Itália. O estudo ressalta a alta concentração da propriedade midiática no Brasil: dez grupos controlam quase todo o mercado de comunicação.

No relatório do Sustainable Governance Indicators, fomos reprovados com a nota 3 no quesito "pluralismo de mídia", ficando em penúltimo entre os BRICS, atrás de Índia, Rússia e África do Sul. Só a China recebeu pontuação menor.

Um dos melhores exemplos da estrutura oligopolista dos meios de comunicação no Brasil é o domínio da Rede Globo, a maior rede de TV da América Latina: em 2012, sua participação no share de TVs foi de quase 45%. No mesmo ano, o governo investiu mais de 62% de sua verba em publicidade em emissoras televisivas, de acordo com um comunicado divulgado pela Altercom, Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação.

Como avalia a Repórteres Sem Fronteiras, a mídia brasileira reflete "as relações quase incestuosas entre os poderes político, econômico e mediático. A concentração e, no âmbito local, as pressões e
a censura constituem os alicerces de um sistema que ainda não foi remodelado desde o final da ditadura militar (1964-1985) e do qual a mídia comunitária é habitualmente a primeira vítima."

Ativistas pedem aprovação do Marco Civil da Internet

Para muitos ativistas, o problema é a ausência de uma legislação que regulamente as comunicações, tema bastante polêmico que opõe seus partidários aos que entendem que a medida pode abrir brechas para uma interferência perigosa no conteúdo das emissoras.

João Brant, especialista em regulação e políticas de comunicação pela London School of Economics and Political Science, defende que um marco regulatório para o setor poderia assegurar maior acesso à mídia e a pluralidade de vozes da sociedade:

"O que a Constituição protege, sobretudo, é a liberdade de expressão e a manifestação de opinião. Essa liberdade hoje está sufocada no Brasil e um dos motivos é que os meios de comunicação privados não dão espaço para que esta diversidade apareça. O discurso da liberdade de imprensa é usado, na verdade, como escudo para dar suporte a medidas que diminuem a liberdade de expressão. Essa liberdade não é dos donos dos veículos, e sim do conjunto da sociedade. (...)  A preocupação com a ingerência no conteúdo dos meios de comunicação é absolutamente válida e precisa existir, o que não se pode é, em nome dessa preocupação, abrir mão do debate e da busca por soluções", argumenta em entrevista ao Centro Knight.

Neste cenário, a internet poderia assumir um lugar de destaque como canal de comunicação alternativo. Contudo, o acesso de qualidade à rede ainda é difícil e caro no Brasil. Além disso, sites e blogs são vítimas cada vez mais frequentes de reveses judiciais que representam uma sentença de morte para muitos que não têm os meios para arcar com as indenizações arbitradas.

Eles também estão sujeitos a ordens que os obrigam a excluir suas páginas ou seus posts. Quando se trata de censura a conteúdo online, o Brasil é o campeão do último relatório de Transparência Global do Google, divulgado em abril. No período de julho a dezembro de 2012, a empresa recebeu 1.461 solicitações por mandado judicial de governos do mundo todo para a remoção de conteúdos, como vídeos do YouTube ou listagens de busca, sendo que 640, cerca de 43%, só de autoridades brasileiras.

Enquanto isso, ativistas digitais aguardam ansiosamente a aprovação do Marco Civil da Internet, que estabelece os direitos e deveres dos internautas no Brasil e garante a neutralidade da redeO projeto de lei foi aprovado pelo Senado em 2011, mas a votação na Câmara dos Deputados foi adiada cinco vezes por falta de consenso entre os deputados e resistência das companhias de telecomunicações.

Um jornalista ou defensor dos direitos humanos é morto todo mês no Brasil

Um relatório divulgado pela ONG internacional Artigo 19 revela que um jornalista ou defensor de direitos humanos é assassinado a cada quatro semanas no Brasil por denúncias ou reportagens sobre temas diversos. Para cada assassinato, há mais de 3 episódios em que o jornalista ou defensor de direitos humanos já havia sofrido um sério atentado contra sua vida, segundo a publicação “Graves violações à liberdade de expressão de jornalistas e defensores dos direitos humanos“ de 2012.

O estudo traz o resultado das investigações realizadas pela entidade com relação aos crimes de homicídios, tentativas de assassinato, ameaças de morte, sequestros e desaparecimentos em todo o país. Ao todo, 52 jornalistas e defensores de Direitos Humanos sofreram graves violações à liberdade de expressão em 2012 no Brasil, uma por semana, em média.

O emblemático caso do jornalista Lúcio Flávio Pinto e os números revelados pelas organizações Artigo 19, Repórteres sem Fronteiras e Google contradizem o aparentemente absoluto direito de expressão e informação que muitos defendem existir no Brasil. Apesar da representação da pluralidade social brasileira nos meios de comunicação ainda estar longe de ser realidade, o relativo respeito à independência da mídia por parte do governo rendeu ao Brasil a nota 7 no indicador de Liberdade de Mídia da SGI.

Projetos importantes para a liberdade de expressão  e, em última instância, para a democracia - como o marco regulatório das comunicações e o marco civil da Internet -, permanecem engavetados, dependentes da vontade política exatamente daqueles que se beneficiam com sua não aprovação. Só com as devidas reformas legislativas e o cumprimento dos preceitos fundamentais da Constituição a liberdade de expressão poderá cumprir de forma efetiva seu papel de termômetro do Estado Democrático.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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