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Newsletter pop-up narrativa conta história de jornalista brasileira que colaborou com WikiLeaks

A história começa em novembro de 2010 com um grupo de jovens jornalistas, desenvolvedores e advogados que "acreditavam estar mudando o mundo", reunidos na "friorenta mansão de Ellingham Hall, no norte da Inglaterra", num cenário que a autora descreve como saído da série do Netflix “The Crown”.

"O casarão era rodeado de pastos, criação de faisões, pombos brancos e pôneis", relata a jornalista brasileira Natalia Viana. Mas era lá que estava sendo gestada a investigação e publicação de telegramas secretos americanos, o “Cablegate”, considerado um dos maiores vazamentos de documentos da história do jornalismo.

Com uma narrativa em primeira pessoa, que prende a atenção do assinante, a newsletter "O ano em que o WikiLeaks mudou o mundo" conta como Viana trabalhou diretamente com Julian Assange nos dias anteriores à publicação do extenso material por jornais como Der Spiegel, Le Monde, The New York Times, The Guardian e El País, além dos brasileiros Folha de S.Paulo e O Globo.

Natalia Viana

Natalia Viana, autora da newsletter e codiretora da Pública. Foto: Arquivo pessoal.

Na época, o WikiLeaks disponibilizou mais de 250 mil telegramas diplomáticos do Departamento de Estado dos EUA, com revelações sobre a política externa americana, o que teve repercussões em diversos países.

Os três episódios da newsletter publicados até agora envolvem o leitor com trechos de mistério, que lembram filmes de espionagem, informações inéditas e até pequenas confissões da autora, que na época trabalhava como freelancer. Viana conta, por exemplo, sobre o medo que sentiu ao levar, sozinha, as cópias dos documentos em um pen drive até o Brasil – "passei tremendo pela checagem do aeroporto", conta Viana, no texto.

A newsletter, lançada em 4 de janeiro, é enviada toda segunda-feira e tem prazo para acabar – a previsão é de um total de seis episódios. Quem se inscreveu após o início, recebe um por dia até alcançar o capítulo atual, quando passa a receber um por semana. A newsletter é uma parceria da agência brasileira de jornalismo investigativo Pública, e o Canal Meio, especializado na produção de newsletters.

A ideia surgiu no final do ano passado, quando Viana, que é codiretora da Pública, buscou o Meio para tocar o projeto. Além do marco dos dez anos do Cablegate, o julgamento de Assange estava no radar. Em janeiro de 2021, um tribunal em Londres decidiu que o fundador do WikiLeaks não seria extraditado para os Estados Unidos, mas o governo americano deve recorrer da decisão.

Para Viana, esse era um bom momento para retomar o tema, que "faz parte da história recente da humanidade". Além disso, ela já tinha escrito um longo relato na época, provavelmente para um futuro livro, que nunca tinha sido publicado.

"Acho que é uma história muito importante para as pessoas conhecerem, primeiro porque acho que a história do Assange e do WikiLeaks foi muito mal contada. Os filmes [sobre isso] são muito ruins, muito míopes em relação ao trabalho do WikiLeaks, que eu vi de perto e não é nada daquilo", disse ela à LatAm Journalism Review (LJR).

Viana acredita que a imagem de Assange foi deturpada e, de certa forma, desumanizada. E isso faz com que seja mais difícil que as pessoas se identifiquem com ele. "Não é à toa que ele está preso há quase dois anos sem que haja grandes críticas dos jornais e das organizações de direitos humanos. Ele não roubou, não matou, não é um criminoso, ele publicou documentos secretos americanos, que ajudam até hoje jornalistas e pesquisadores do mundo inteiro", afirma.

Por isso, ela defende que é preciso conhecer melhor a história de Assange. "Importa muito pouco se ele é uma pessoa legal ou não, embora ele seja, até onde eu conheci, uma pessoa bacana. Ele é extremamente brilhante, importante para o jornalismo mundial e está preso efetivamente há mais de uma década sem ter cometido nenhum crime, sem ter sido condenado por nenhum crime".

Julian Assange

Ilustração para a newsletter "O ano em que o WikiLeaks mudou o mundo". Imagem: Helton Mattei/Agência Pública

Para o projeto, a jornalista procurou o Meio, pela sua expertise em newsletters, e a proposta foi bem recebida. "Achamos o tema relevante, tem uma questão de propósito. Eu e o Pedro [Doria, cofundador do Meio], achamos sensacional, especialmente porque a Natalia tem um texto muito bom, e a história que ela está contando é muito engajante, te faz querer ler mais", disse o CEO do Meio, Vitor Conceição, à LJR.

A opção de publicar como newsletter, ao invés de uma série no site da Pública, por exemplo, foi por acharem que a narrativa se encaixava melhor nesse tipo de formato. "Não é exatamente uma reportagem, é um relato em primeira pessoa. Coisa que não fazemos na Pública, temos poucas reportagens em primeira pessoa, porque focamos muito em jornalismo investigativo, fazemos um trabalho muito técnico, baseado em dados e documentos. Não publicamos nem opinião, então senti que a newsletter era um formato melhor para isso", diz Viana.

Ela acredita também que, por ser chegar diretamente na caixa de email do assinante, a newsletter é um formato mais pessoal e intimista, de maior proximidade com o leitor. E, como autora, comenta que está se sentindo "muito confortável" nesse canal.

"Pensamos que talvez fosse um espaço adequado para eu me abrir desse jeito, porque estou contando coisas muito pessoais, reflexões íntimas, que eu não sei se conseguiria fazer em um espaço mais aberto. Estou gostando muito, justamente porque me sinto em um ambiente mais íntimo, falando direto com as pessoas. Acho que a newsletter conseguiu, nos últimos anos, reencontrar um espaço de acolhimento, digamos, num mundo do jornalismo e da Internet que anda muito agressivo", pondera Viana, que considera o projeto "um experimento".

Vitor Conceição

O CEO do Meio, Vitor Conceição. Foto: Divulgação.

Conceição encara a iniciativa da mesma forma e explica que estão constantemente fazendo testes. Isso porque o modelo de newsletter narrativa pop-up é bem diferente dos atuais produtos no mercado e também do que o Meio está acostumado a fazer, que são boletins informativos diários.

"Tem duas coisas que tornam essa newsletter diferente. Primeiro, ela tem um tempo de vida, embora a gente não tenha uma data fixa para acabar, sabemos que vai acabar. Segundo, embora você possa começar a ler pela metade, isso não faz sentido, ela tem uma ordem. Então estamos o tempo todo testando e aprendendo", afirma Conceição.

Até agora, o resultado tem sido bastante positivo, diz ele. A newsletter está com quase 5 mil assinantes e uma taxa de cancelamento de menos de 1%. "Está indo super bem, lógico que ela é mais nichada, então não vai ser um público gigantesco. Mas a aceitação está muito boa. Alguns episódios estão com uma taxa de abertura de mais de 60%, e essa taxa para newsletter de jornalismo é, em média, de 22%, segundo o MailChimp".

Outra observação interessante é que há uma disposição dos assinantes para ler textos longos nesse formato, segundo a experiência do próprio Meio. "Os episódios variaram entre 14, 13 e 9 minutos de tempo médio de leitura. As nossas edições de sábado têm mais ou menos esse tamanho e elas são lidas, porque nós temos várias ferramentas para medir isso e sabemos que as pessoas clicam nos links no final da newsletter, ou seja, elas chegam até o final do scroll", garante Conceição.

A parceria, além de aumentar a divulgação do projeto, feita nos canais da Pública e do Meio, tem sido um aprendizado, diz Viana. "O pessoal do Meio é muito profissional, são experts em newsletter, sabem em detalhes como se faz, o approach com o público. Estamos aprendendo bastante. E para mim está sendo muito gratificante, finalmente poder contar a minha história".

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