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No Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, jornalistas são agredidos no Brasil em manifestação pró-Bolsonaro

No Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, comemorado no último domingo, 3 de maio, jornalistas brasileiros foram agredidos, insultados e expulsos de uma manifestação a favor do governo Jair Bolsonaro e contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, realizada em Brasília.

Os jornalistas faziam a cobertura do ato, que teve a presença do presidente da República, quando foram atacados por manifestantes.

O fotógrafo do O Estado de S. Paulo, Dida Sampaio, foi derrubado de uma pequena escada, que usava para fazer fotos de Bolsonaro, de acordo com uma matéria do jornal e de outros veículos. Ele caiu no chão, bateu a cabeça e foi cercado por apoiadores do presidente, que o agrediram com socos, chutes e tapas, ainda segundo o jornal. Os manifestantes gritavam "fora Estadão" e "lixo". O jornal publicou uma sequência de fotos do ataque. O fotógrafo trabalha no Estadão desde 1994 e é vencedor de dois prêmios Esso e três Vladimir Herzog.

O motorista do jornal, Marcos Pereira, que estava junto com a equipe, também foi agredido com uma rasteira. O repórter da Folha de S.Paulo Fábio Pupo foi empurrado e insultado ao tentar defender Sampaio, segundo diversos veículos, incluindo o Estadão. Nivaldo Carboni, repórter do Poder360 que também fazia a cobertura no local, levou um chute e foi hostilizado diversas vezes, de acordo com o site.

O fotógrafo Orlando Brito, de 70 anos, também tentou defender o colega e foi agredido, segundo noticiou o Poder360. “Fui socorrer o Dida e acabaram me pegando. Me deram uma porrada e meus óculos voaram longe. Pisaram nos óculos. Tentaram tomar uma das minhas câmeras para quebrar. ‘Quebra, quebra!’. Eu falei: ‘Não, meu irmão’. Enfim, aí consegui fugir”, disse Orlando Brito, ao Poder360. Brito é "um dos mais destacados e premiados repórteres fotográficos do país", afirmou a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).

"Com 54 anos de profissão e passagens por diversos veículos do país, registrando alguns dos mais importantes episódios da política brasileira, inclusive o período da ditadura militar, Brito cobria o ato (...) para o website Os Divergentes", afirmou a associação, em nota.

Alguns dos jornalistas precisaram ser escoltados e retirados da manifestação em uma viatura da Polícia Militar. Mesmo assim, os manifestantes não se acalmavam e batiam nos vidros do carro, ainda de acordo com a Abraji. Após o ataque, Sampaio registrou um boletim de ocorrência. Os repórteres Júlia Lindner e André Borges, do Estadão, que cobriam a manifestação de outro ponto, foram insultados, segundo o jornal.

O Estadão publicou uma nota de repúdio, chamando o ataque de "agressão covarde contra o jornal, a imprensa e a democracia".

"A violência, mesmo vinda da copa e dos porões do poder, nunca nos intimidou. Apenas nos incentiva a prosseguir com as denúncias dos atos de um governo que, eleito em processo democrático, menos de um ano e meio depois dá todos os sinais de que se desvia para o arbítrio e a violência", disse.

O Estadão pediu que as agressões sejam investigadas por "agentes públicos independentes, não vinculados às autoridades federais que, pela ação e pela omissão, se acumpliciam com o processo em curso de sabotagem do regime democrático".

No momento da manifestação, a alguns metros de distância dos jornalistas atacados, Bolsonaro foi alertado por um auxiliar de que representantes da imprensa estavam sendo expulsos, de acordo com imagens da sua própria live transmitida em rede social. O presidente não repreendeu as agressões e ainda reforçou as críticas. "Pessoal da Globo vem aqui para pegar um cara ou outro falar besteira. Essa TV realmente foi longe demais', disse.

Após as críticas, no entanto, Bolsonaro condenou os ataques. No dia seguinte, 4 de maio, ele se manifestou sobre o assunto, mas colocou em dúvida as agressões e atribuiu a violência a infiltrados no protesto. Também aproveitou para criticar, novamente, o espaço dado ao tema pelo programa da TV Globo, Fantástico, segundo publicou o Estadão e a Folha.

"Vocês viram que o Fantástico deu um espaço enorme para me criticar. Teria havido uma agressão lá. Teria havido, não sei. Nós condenamos qualquer agressão", disse Bolsonaro. "Eu não vi nada, eu estava dentro do Palácio, estava na rampa, não vi. Recriminamos qualquer agressão que porventura tenha havido. Se houve agressão, alguém que está infiltrado, algum maluco, deve ser punido. Não existe agressão da nossa parte. Agora, vaia, apupo, isso é natural da democracia", afirmou.

Também em 4 de maio, o procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou um ofício ao Ministério Público do Distrito Federal pedindo que as agressões sejam investigadas, segundo noticiou o G1.

Associações e autoridades repudiam ataques

A Abraji e a Associação Nacional de Jornais (ANJ) condenaram os ataques e pediram que as autoridades identifiquem e punam os agressores.

"Além de atentarem de maneira covarde contra a integridade física daqueles que exerciam sua atividade profissional, os agressores atacaram frontalmente a própria liberdade de imprensa. Atentar contra o livre exercício da atividade jornalística é ferir também o direito dos cidadãos de serem livremente informados", afirmou a ANJ, em nota.

Abraji disse que as agressões são resultado da postura de Bolsonaro. "Tais acontecimentos evidenciam o risco cada vez maior ao qual o discurso belicoso e ultrajante do presidente da República expõe os repórteres brasileiros", disse a associação em nota conjunta com o Observatório da Liberdade de Imprensa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

As entidades lembraram ainda que jornalistas foram alvo de apoiadores do presidente no dia 2 de maio, durante a cobertura de manifestações em Curitiba, quando o ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, foi prestar depoimento na Polícia Federal. Na ocasião, um manifestante empurrou o equipamento de um cinegrafista da afiliada da TV Record em Curitiba (RICTV) e tentou acertá-lo no rosto, mas foi contido, de acordo com vários veículos, inclusive o UOL.

Episódios de violência também foram registrados no feriado do Dia do Trabalhador, 1 de maio, em Brasília. Apoiadores do presidente tentaram agredir equipes de reportagem que cobriam um protesto de enfermeiros, de acordo com a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).

A Abraji diz que jornalistas também foram atacados por militantes bolsonaristas em 19 de abril em ao menos três cidades. A associação afirma que autoridades eleitas e servidores públicos estão deteriorando a liberdade de imprensa, o que é "um risco grave para a democracia".

"Tais agressões são incentivadas pelo comportamento e pelo discurso do presidente Jair Bolsonaro. Seus ataques aos meios de comunicação, teorias conspiratórias e comportamento ofensivo fomentam um clima de hostilidade à imprensa, além de servirem de exemplo e legitimarem o comportamento criminoso de seus apoiadores. É inaceitável que militantes favoráveis ao governo saiam às ruas com objetivo expresso de intimidar os profissionais de imprensa", diz a nota da Abraji.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, publicou em sua conta no Twitter que o Brasil luta contra o coronavírus e o "vírus do extremismo". "Ontem enfermeiras ameaçadas. Hoje jornalistas agredidos. Amanhã qualquer um que se opõe à visão de mundo deles. Cabe às instituições democráticas impor a ordem legal a esse grupo que confunde fazer política com tocar o terror", afirmou.

Os ministros do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes também se manifestaram em defesa da liberdade de imprensa. "As agressões contra jornalistas devem ser repudiadas pela covardia do ato e pelo ferimento à Democracia e ao Estado de Direito, não podendo ser toleradas pelas Instituições e pela Sociedade", afirmou Moraes, no Twitter. Lúcia disse, em evento, que as agressões eram "inaceitáveis" e que "quem gosta de ditadura gosta de silêncio", segundo a revista Época.

O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, disse que os ataques eram uma "covardia". "Sou contra qualquer tipo de covardia e agredir quem está fazendo seu trabalho não faz parte da minha cultura", afirmou ele, à Folha de S.Paulo.

Em 4 de maio, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, publicou nota condenando os ataques. "A liberdade de expressão é requisito fundamental de um País democrático. No entanto, qualquer agressão a profissionais de imprensa é inaceitável", disse.

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