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Políticos condenados e mudanças de paradigmas para jornalistas estão entre os efeitos da Lava Jato

Em 12 de julho, um juiz federal brasileiro condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a nove anos e meio de prisão por corrupção, obstrução da justiça e lavagem de dinheiro em relação ao caso Lava Jato, um esquema de corrupção em pelo menos 12 países envolvendo várias empresas brasileiras e políticos na América Latina.

Apenas um dia depois, o ex-líder peruano Ollanta Humala se rendeu às autoridades em seu país, após um juiz ter ordenado a sua detenção por 18 meses enquanto ele é investigado por lavagem de dinheiro e conspiração, acusações também relacionadas à Lava Jato.

Da Silva e Humala são as duas pessoas mais importantes atingidas pela Lava Jato até agora, mas não são as únicas. Dezenas de funcionários e empresários na América Latina foram sentenciados ou estão sob investigação.

Jornalistas que investigam a Lava Jato na região dizem que tais prisões, sentenças e investigações judiciais são o resultado de uma cobertura intensa e ágil da imprensa sobre o caso.

A primeira parte deste artigo discutiu o papel fundamental das colaborações transfronteiriças e as parcerias estruturadas entre jornalistas para cobrir a Lava Jato. Na segunda parte, os jornalistas explicam como conseguiram ir além da agenda das autoridades, com investigações usando suas próprias fontes, e como compartilharam as ferramentas usadas para facilitar a compreensão do assunto entre seus leitores.

Para esta terceira parte da série sobre a cobertura da Lava Jato, jornalistas disseram ao Centro Knight como o seu trabalho impactou a sociedade e a vida política em seus países, as descobertas mais importantes de suas investigações e como o caso influenciou a maneira como os jornalistas trabalham juntos.

Cobertura de impacto

As investigações jornalísticas da Lava Jato tiveram muitos efeitos na vida política e social dos países afetados pela rede de corrupção, alguns mais visíveis do que outros.

Em países como o Peru – o segundo, após o Brasil, a ser mais impactado por essa rede de corrupção– as investigações jornalísticas levaram as autoridades a abrir os olhos para o assunto.

"Quando nós publicamos as nossas primeiras histórias, o Procurador-Geral da República decidiu nomear um promotor para fazer todas as investigações relacionadas à Lava Jato", disse ao Centro Knight Romina Mella, jornalista da organização peruana de jornalismo investigativo IDL-Reporteros. "Como resultado de cada uma de nossas investigações, os promotores as usaram e realizaram suas próprias investigações".

Quase 80% dos processos judiciais abertos nos países que compõem a rede latino-americana de jornalismo investigativo, organizada pela IDL-Reporteros, foram produto de reportagens publicadas pela aliança, de acordo com os jornalistas.

Os comunicadores concordam que um dos resultados mais importantes da sua parceria é encontrar padrões de corrupção em diferentes países, o que ajudou a abrir mais caminhos para novas pesquisas sobre o labirinto da Lava Jato.

"Existem padrões comportamentais das empresas que precisamos investigar em conjunto para entender o fenômeno em todos os seus aspectos", disse Flávio Ferreira, jornalista da Folha de S. Paulo, ao Centro Knight. "Se eu posso conversar com meus colegas e explicar que aqui, no Brasil, os contratos públicos foram fraudulentos por causa disso e aquilo, eles também podem fazer suas investigações levando em conta esses padrões e contribuindo para suas sociedades".

Os padrões de corrupção encontrados em países como o Brasil e o Peru ajudaram principalmente os jornalistas de países onde as investigações não são tão avançadas ou onde o escândalo não teve um impacto tão grande.

"As circunstâncias no Peru são muito mais fortes e mais graves do que no Chile", disse Alberto Arellano, jornalista da organização chilena CIPER, ao Centro Knight. "Eles têm uma sensibilidade e uma compreensão do caso que é muito maior do que nós podemos ter, por isso estar próximo deles nos ajuda a entender globalmente o que está acontecendo e ver se podemos encontrar padrões de corrupção no Peru que são repetidos no Chile".

Seja devido à falta de recursos ou à cobertura diária, a maioria dos meios de comunicação tradicionais da região não se aprofundou na questão Lava Jato para além das notícias quentes. Por outro lado, a cobertura investigativa de veículos digitais independentes se tornou um modelo sobre o assunto para jornais e programas de rádio e televisão. Os representantes desses meios de comunicação independentes são freqüentemente entrevistados como especialistas pela mídia tradicional.

"Toda vez que publicamos algumas dessas investigações, a maioria dos meios de comunicação replica o assunto. Isso é um sinal de que há interesse ", disse Raúl Olmos, jornalista do site Mexicanos contra la Corrupción y la Impunidad. Ele afirma que, no México, a questão ainda é vista como algo distante pela sociedade. "O que nos impressiona é que não há uma pesquisa aprofundada por parte da mídia tradicional".

O nível de cobertura em diferentes países também é desigual. Enquanto em países como o Brasil, o Panamá e a Argentina, a mídia tradicional está envolvida no assunto em profundidade, no México, Peru e Colômbia, a mídia independente assumiu a liderança.

"Meios de comunicação como Convoca ou Mexicanos contra a Corrupção estão fazendo uma cobertura muito melhor", disse Ferreira. "Parece-me que principalmente no México, nossos colegas estão fazendo o trabalho que os investigadores deveriam fazer. No Peru, temos a mídia independente fazendo um trabalho muito importante, além de Convoca, há IDL-Reporteros e Ojo Público. É um país muito interessante porque a mídia independente é muito poderosa."

O quanto o público se apropria do caso e a intensidade das mobilizações sociais também varia de país para país. Enquanto em algumas nações a Lava Jato provocou protestos, em outros, o caso é pouco conhecido.

"No Brasil, (a Lava Jato) mobilizou pessoas nas ruas. Na Colômbia, é uma questão que permaneceu nas elites. No Peru, é uma questão para a mídia, mas não para as pessoas, enquanto na República Dominicana os meios de comunicação não fizeram nada e as pessoas já foram para as ruas", disse Carlos Eduardo Huertas da Connectas.

No âmbito profissional, a colaboração na cobertura da Lava Jato também levou a grandes lições e mudanças de paradigmas para jornalistas. Vários concordam que, a partir dessa forma de trabalho, aprenderam a deixar de lado a concorrência e o ciúme profissional, abandonaram a idéia de que o jornalista é um "lobo solitário", e adotaram uma maior generosidade profissional.

"Existe uma generosidade espontânea que é muito gratificante. [Esse trabalho colaborativo] tem sido muito satisfatório, porque não há egoísmo, nem maldades. Existe uma vontade franca de ajudar uns aos outros ", disse Arellano. "Não há nenhuma competição, apenas o espírito de ajudar uns aos outros, para nos ajudar a todos com o mesmo fim: revelar tudo até o último detalhe, conhecer a verdade".

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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