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Programa de criação jornalística impulsiona 12 veículos da América Latina a criar produtos digitais

Um bot do WhatsApp para ajudar as vítimas, um aplicativo para ouvir os jogos da Copa do Mundo, módulos de recomendação de conteúdo com inteligência artificial, um site para imigrantes nos Estados Unidos e um software para criar formatos de scrolly-telling são alguns dos protótipos de produtos digitais que surgiram a partir do primeiro grupo do programa News Product Design Sprint.

O Projeto de Jornalismo da Meta e a Escola de Pós-Graduação em Jornalismo Craig Newmark da Universidade da cidade Nova York (CUNY) se uniram para dar vida a este programa que consistiu em treinamentos online gratuitos no qual 12 redações da América Latina, durante o segundo trimestre deste ano, prototiparam produtos de notícias orientados por treinadores especializados. A última sessão do programa foi realizada no final de julho.

A criação de produtos nos meios de comunicação baseia-se em responder a uma necessidade clara do público e, a partir daí, conceber soluções eficazes. A jornalista e diretora de produto do veículo argentino Cenital, Agustina Gewerc, explica em seu blog que trabalhar na área de produto de um veículo vem “da interseção que ocorre entre o conteúdo, ou seja, o jornalismo tradicional, a audiência (leitores) e o negócio (o dinheiro que paga nosso salário)”.

No caso deste programa, o Gerente de Alianças Estratégicas com a Mídia do Projeto de Jornalismo da Meta no Cone Sul, Franco Piccato, explicou à LatAm Journalism Review (LJR) que as equipes participantes se concentraram "em testar hipóteses por meio de protótipos simples, repetir com base em testes com o público e tomar decisões com base em dados”.

Além disso, as sessões globais contaram com um sistema de tradução simultânea para espanhol, português e inglês, para que as equipes e instrutores pudessem interagir sempre em seus idiomas nativos.

Piccato disse que “foi inspirador participar na concepção do programa e em todo o processo de aprendizagem ao longo de 12 semanas. Na sessão final, as equipes mostraram uma repetição de seus protótipos, com o desafio de alinhar seus projetos às estratégias de sustentabilidade. Os participantes apresentaram ideias únicas e inovadoras, projetos com grande potencial para atrair um público ou comunidade engajados e iniciativas poderosas focadas na geração de receita.”

 

Produtos projetados para o público 

Participaram desta primeira edição do programa equipes de veículos de renome, como Grupo Semana da Colômbia, RPP Noticias do Peru, Grupo Bandeirantes do Brasil, Grupo AM do México, além de iniciativas jornalísticas independentes como Reportar Sin Miedo de Honduras e Chequeado da Argentina. 

12 rostos diferentes com o logotipo de sua mídia

Durante o programa, 12 redações de toda a América Latina criaram protótipos de produtos de notícias orientados por instrutores especializados. (Foto: Craig Newmark Graduate School of Journalism at CUNY)

Os participantes consultados para este artigo asseguram que durante o programa foi dada ênfase à análise das audiências de cada uma das redações participantes e buscou-se que as equipes alcançassem a sustentabilidade de curto prazo com seus produtos.

O Reportar Sin Miedo, um meio de comunicação hondurenho criado em 2020 e focado em populações de diversidade (sexual, étnica e cultural), foi a única equipe participante da América Central. “Durante o programa criamos um protótipo através do WhatsApp com inteligência artificial que responde imediatamente às reclamações. Todos os dias recebemos reclamações de todos os tipos em nossas redes sociais. As pessoas confiam em nós. Estamos focados em jovens ignorados pelo sistema que encontram um espaço seguro em nossa plataforma”, disse Dunia Orellana, diretora do Reportar Sin Miedo, à LJR.

A ferramenta será lançada e começará no WhatsApp em meados de agosto, mas espera-se expandir para Facebook e Instagram no futuro. O Reportar Sin Miedo vem, nos últimos dois anos, trazendo histórias sobre crimes de ódio, migração ou desastres naturais em Honduras. Produzem conteúdo em diferentes plataformas com alcance de mais de 100 mil usuários por mês. É uma pequena equipe de 10 pessoas, todas com menos de 30 anos. 

“A ideia do bot do WhatsApp nasceu por necessidade. Nos inspiramos em outras organizações da sociedade civil que contam com esses serviços de ajuda”, explicou Orellana. Honduras é um país de quase 9 milhões de habitantes, e aproximadamente 4 milhões têm celular, mas nem todos têm internet. De qualquer forma, decidimos fazer do WhatsApp o centro da nossa ferramenta. Também porque nosso público é muito jovem”, acrescentou o jornalista.

Nem todos os protótipos de produtos de notícias precisam ser baseados em tecnologia ou inovação. Um produto também pode ser focado apenas em satisfazer uma necessidade específica do usuário. Podem incluir a criação de newsletters, podcasts, portais web ou simplesmente conteúdos para redes sociais.

Foi o caso da equipe participante do veículo digital mexicano Sopitas, formada por Aaron Rubio Manuel, Alejandro G. Vargas, Iván González Hernández e Sebastián Gutiérrez. Durante o programa, eles se dedicaram a fazer uma análise de mercado para conhecer as necessidades de seu público e criaram um site espelho com temas de interesse para os mexicanos que vivem nos Estados Unidos, especialmente para pessoas sem documentos ou que estão fora do país há muitos anos.

“Durante o programa contemplamos diferentes metodologias e técnicas de experiência do usuário. Nosso protótipo foi fruto do interesse que nós da sopita.com temos em expandir para outros lugares. Estou muito feliz, aprendi muito”, disse o jornalista da Sopitas Aaron Rubio Manuel à LJR.

O especialista em produtos digitais jornalísticos e formador deste programa, Germán Frassa, ressaltou todos os protótipos apresentados, mas destacou o valor daqueles que mudaram de rumo ao longo do caminho. “Se eu tivesse que destacar alguns, preferiria as equipes que chegaram com uma ideia pré-concebida, aquelas que de alguma forma estavam 'apaixonadas por uma solução' e tiveram agilidade e profissionalismo para 'pivotar' quando a aplicação dos conceitos compartilhados no programa fez eles perceberem que não estavam atendendo adequadamente às necessidades de seus usuários”, disse Frassa à LJR.

 

A situação na América Latina 

A mídia na América Latina perdeu impacto e influência social. Políticos como Nayib Bukele, em El Salvador, ou Gabriel Boric, no Chile, mostraram que o poder pode ser alcançado sem o apoio dos meios de comunicação de massa. Além disso, a nova mídia independente enfrenta o desafio de encontrar um modelo de negócios sustentável sem afetar sua credibilidade.

chamada de zoom

A última sessão do programa foi realizada no final de julho. As sessões globais contaram com um sistema de tradução simultânea para espanhol, português e inglês. (Foto: Craig Newmark Graduate School of Journalism at CUNY)

“No México, e basicamente em toda a América Latina, a mídia sobrevive com poucos recursos. Esses tipos de programas, como o News Product Design Sprint, nos conscientizam de que às vezes precisamos de uma equipe maior e que precisamos colaborar uns com os outros. Também nos ajuda a entender a importância da fase de experimentação para o lançamento de um produto, porque uma coisa é o que você planeja e outra é o que acaba sendo”, disse Rubio Manuel. 

Conforme publicado na apresentação oficial do programa, o Meta e a Escola de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade de Nova York buscam “oferecer às redações as ferramentas necessárias para enfrentar os desafios e oportunidades da era digital”. Isso considerando que na América Latina é raro ver departamentos de produtos totalmente funcionais que permitam a geração de novas fontes de receita. 

“Para fazer produtos inovadores você precisa de duas coisas: audácia para detectar oportunidades e disciplina para executar ideias. A América Latina vive em permanente turbulência política, social e cultural, para melhor e para pior. Um bom aspecto dessa fervura é que ela nos predispõe favoravelmente à ousadia. Mas essa efervescência também tem um lado obscuro, que afeta a disciplina”, explicou Frassa. Ele também destacou o problema na América Latina com o papel de "gerente de produto", uma posição-chave em qualquer startup nativa digital de sucesso e que é quase inexistente na região. 

“Acho que o News Sprint Program e a Meta deixaram claro que dos três 'Ps' formulados por Marty Cagan (produto, pessoas e processo), os dois primeiros estão claramente presentes: há pessoas no setor de mídia que são apaixonadas por inovação e, com o apoio adequado, podem criar produtos de valor”, disse Frassa. “O desafio é que suas organizações abracem a mudança e criem papéis e processos que sustentem a transformação e a ampliem até torná-la algo cotidiano."

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