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Relatório evidencia conexão entre violência contra imprensa na Amazônia e destruição da floresta

“Não vai ter floresta se não tiver quem defenda a floresta.” A frase é de Darlon Neres, comunicador de 23 anos ameaçado por denunciar a extração ilegal de madeira no oeste do Pará, estado no norte do Brasil. Em setembro de 2023, ele teve que deixar a comunidade em que vivia e chegou a ter escolta policial por orientação do Ministério Público Federal.

Neres é um dos dez jornalistas e comunicadores que relatam ameaças e agressões por reportar atividades predatórias na Amazônia brasileira no relatório “Fronteiras da Informação”, realizado pelo Instituto Vladimir Herzog (IVH). O documento traz as histórias desses profissionais e evidencia a conexão entre a violência contra a imprensa na região e a destruição da floresta. Também oferece dicas de segurança para jornalistas e apresenta recursos de proteção aos quais os profissionais podem recorrer caso estejam em perigo.

O relatório também compila dados da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), que registrou 230 casos de violência contra a imprensa nos nove estados da Amazônia brasileira entre 2013 e 2023. O Pará é o estado com mais registros (89 casos), seguido por Amazonas (38), Mato Grosso (31) e Rondônia (20). O ano de 2022, quando houve a eleição presidencial em que Jair Bolsonaro, então presidente, disputava a reeleição e foi derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva, foi aquele com mais casos registrados: 45.

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O relatório foi lançado no dia 23 de abril durante evento na Universidade Federal do Pará (UFPA). (Foto: Maycon Nunes / Instituto Vladimir Herzog)

Dyego Pegorario, supervisor de articulação do IVH e da Rede Nacional de Proteção de Jornalistas e Comunicadores, disse à LatAm Journalism Review (LJR) que o cenário de violência contra comunicadores na Amazônia vem se “complexificando” nos últimos anos. Especialmente depois dos assassinatos do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, em junho de 2022, organizações de defesa da liberdade de imprensa entenderam que era necessário olhar para a Amazônia “com maior foco”, disse ele.

“A partir dessa necessidade, estabelecemos estratégias para compreender melhor como está esse cenário hoje. Esse relatório vem nesse sentido. Queremos construir essa compreensão um pouco mais ampla e atual sobre os desafios presentes na Amazônia para jornalistas e comunicadores”, afirmou.

Poderes econômicos contra jornalistas

O jornalista Hyury Potter, nascido e criado no Pará e dedicado à cobertura da Amazônia, editou e coordenou a produção do relatório, que contou com outros dois repórteres, Fábio Bispo e Ariene Susui. Ao ouvir as histórias dos jornalistas, a equipe buscou entender o contexto das ameaças.

“Sempre que a pessoa estava sendo ameaçada, normalmente era um poder econômico, alguma atividade econômica que estava por trás disso, que financiava isso. Quando esse comunicador ou jornalista incomodava esse poder econômico, vinha ameaça. Então começamos a relacionar [as ameaças] com as atividades econômicas que são flagrantemente ilegais ou algumas que têm suspeita [de ilegalidade], como criação de gado [em terras indígenas], corte de madeira, garimpo”, explicou ele à LJR.

O garimpo, segundo o relatório, é a atividade econômica por trás de ameaças e agressões a vários jornalistas em Roraima. O estado é onde está situada a maior parte da Terra Indígena (TI) Yanomami, onde a explosão do garimpo ilegal provocou uma crise humanitária nos anos do governo Bolsonaro (2019-2022) que ainda não foi sanada pelo atual governo Lula.

A jornalista Emily Costa foi uma das que precisaram deixar o estado por conta das ameaças.

“Eu me deitava para dormir no meu quarto e me lembrava de uma liderança garimpeira que tem milhões de reais, que tem vários helicópteros, muito dinheiro, capangas armados, fazendas, e possui realmente uma grande estrutura. Tinha e tem, porque ainda está solto. E eu olhava para a fresta da minha porta, do quarto, e eu pensava o quão fácil seria entrar na minha casa e me levar, porque a segurança era praticamente zero”, conta ela no relatório.

No caso de Neres e do meio digital Tapajós de Fato, as ameaças vieram após denunciarem a extração ilegal de madeira na região de Santarém, no Pará.

“Fazer comunicação na Amazônia é muito desafiador. Você não tem segurança, você fica à mercê. Precisamos melhorar instrumentos de defesa desses comunicadores. Às vezes temos que passar dois dias em um barco para poder dar voz e visibilidade àquelas comunidades. E conseguimos dizer o que se passa lá, que estão sofrendo ameaças. Quando algum comunicador é ameaçado e violentado porque denunciou uma ilegalidade, a gente não sabe para quem recorrer”, disse Neres à equipe do relatório.

Criadores de gado dentro da TI Uru-Eu-Wau-Wau foram os responsáveis por um cerco a comunicadores indígenas em maio de 2023, segundo o relato da líder indígena Txai Suruí.

Um grupo de comunicadores indígenas do território e uma equipe de documentaristas iria gravar um ato contra a invasão do território por fazendas de gado. Cerca de 50 homens, alguns armados, cercaram o grupo na estrada e durante cinco horas os impediram de seguir viagem, contou Txai Suruí.

Ela disse que os homens que os cercavam ficaram surpresos quando viram os indígenas com câmeras filmando o ocorrido. Ela considera que a ação dos fazendeiros foi “premeditada e organizada”.

“O cineasta que estava com a gente tinha duas câmeras grandes. Ele começou a filmar as pessoas. Aquilo ali assustou eles, amedrontou, na verdade”, disse ela no relatório.

Além desses casos, o documento traz relatos de censura judicial a reportagens, ameaças contra jornalistas por parte de fiscais ambientais e policiais, e o ataque a tiros à sede de um site de notícias em Rondônia.

Potter, responsável pelo relatório, também já viveu situações em que se sentiu em risco enquanto fazia seu trabalho na região.

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O jornalista Hyury Potter durante o lançamento do relatório, em Belém, Pará. (Foto: Maycon Nunes / Instituto Vladimir Herzog)

“Infelizmente acontece com certa frequência, se você viaja para a Amazônia e está apurando algum tipo de cadeia [de produção] ilegal”, disse ele.

“Em 2021 eu fui a pistas [de pouso de aviões] de garimpo para uma investigação (...) Algumas situações eram bem estranhas. Em uma fazenda, o segurança ficou rodeando a gente. Não foi nada amigável, estávamos no meio do nada, né? (...) Em outra situação, fui falar com um piloto e bati na porta da casa dele, do lado da pista. Ele saiu com uma arma na mão. Eu falei ‘oi, tudo bem? Não precisa de arma’ e tal. Tentei ficar tranquilo, mas por dentro eu estava morrendo de medo.”

Potter apontou que, embora alguns meios tenham desenvolvido protocolos de segurança para seus jornalistas em campo, “não há um protocolo geral de segurança para jornalistas e comunicadores em viagens na Amazônia”.

“Isso é um problema. As redações têm que trabalhar melhor isso”, disse.

Ele também lembrou que as redações não têm políticas de atendimento psicológico para traumas que jornalistas podem sofrer ao serem ameaçados ou passar por situações de risco no terreno.

“Ainda temos que avançar muito nisso”, disse Potter.

Reestruturando políticas públicas

O relatório também faz uma análise das duas principais políticas públicas de proteção a jornalistas e comunicadores no Brasil: o Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), criado em 2005 e que passou a incluir comunicadores e jornalistas em 2018, e o Observatório Nacional da Violência contra Jornalistas, criado em janeiro de 2023.

Alguns jornalistas entrevistados pelo relatório denunciaram as ameaças e agressões que sofreram às autoridades, mas disseram não ter tido retorno sobre as investigações. Pelo menos um deles buscou o PPDDH – e está há sete meses aguardando resposta.

“Ficou evidente que há uma uma lentidão no atendimento a essas pessoas”, disse Potter.

Ele lembrou que, nas últimas décadas, muitos dos defensores da Floresta Amazônica que foram assassinados haviam denunciado as ameaças e até apontado seus algozes antes de morrer – o indigenista Bruno Pereira, com quem o jornalista britânico Dom Phillips foi assassinado, é um deles.

“[Essas mortes] nunca foram uma surpresa. Se você olhar o histórico, essa pessoa já tinha falado que estava sob ameaça e denunciado as pessoas que a ameaçavam e nada aconteceu. Essa lentidão na proteção acaba levando a uma tragédia”, disse Potter.

Segundo Pegorario, organizações da sociedade civil têm conseguido oferecer um suporte para jornalistas ameaçados. Mas esse apoio tem “uma abordagem limitada”.

“A construção de uma política pública de proteção tem que estar a cargo do Estado, e o Estado tem que oferecer a estrutura necessária para que esse trabalho de proteção tenha efetividade”, afirmou.

Ele considera que o Brasil está hoje em um momento de reestruturação das políticas existentes, como o PPDDH, e de construção de novas políticas públicas com esse fim, como o Observatório Nacional da Violência contra Jornalistas. Nesse sentido, o relatório oferece recomendações para o Estado brasileiro aprimorar suas iniciativas de proteção a jornalistas e comunicadores. Haverá um evento de lançamento do relatório em junho em Brasília, quando o IVH pretende apresentá-lo a representantes do governo federal responsáveis por essas políticas públicas.

“Jornalistas e comunicadores da região Amazônica têm sido importantes na denúncia de atividades ilegais e, no limite, na proteção da floresta. São os jornalistas e comunicadores que estão levando ao mundo imagens e informações sobre a devastação da floresta”, disse Pegorario.

“O relatório traz esses dados e essas histórias de jornalistas e comunicadores ameaçados na região Amazônica. A partir desses dados ilustrativos do cenário, vamos construir esse diálogo com órgãos públicos para ampliar essa perspectiva da proteção e esse olhar mais voltado para a região Amazônica.”

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