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Repórter brasileira Daniela Arbex ganha Prêmio Knight de Jornalismo Internacional (entrevista)

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  • 17 novembro, 2010

Por Maira Magro

Desde que começou a carreira de jornalista em Juiz de Fora, aos 22 anos, Daniela Arbex escutava dos colegas que, para ter impacto e visibilidade, deveria se mudar para um grande centro - diga-se Rio de Janeiro, São Paulo ou Brasília. Mas preferiu apostar no trabalho de repórter do jornal Tribuna de Minas, uma publicação com tiragem de 15 mil exemplares diários, que circula em uma cidade com 600 mil habitantes. E foi dali que ela se tornou uma referência no jornalismo investigativo brasileiro. Daniela acaba de receber o prestigioso Prêmio Knight de Jornalismo Internacional, entregue pelo International Center for Journalists (ICFJ) durante uma cerimônia em Washington, no dia 9 de novembro. Ao lado dela estava mais um premiado, o indonésio Tosca Santoso. Os dois foram selecionados entre 120 indicações do mundo inteiro.

A comissão julgadora destacou sete reportagens de Daniela, que tratam de temas como falta de acesso ao tratamento preventivo da Aids para mulheres vítimas de estupro, maus-tratos a pacientes em um hospital psiquiátrico, a descoberta do corpo de um desaparecido durante a ditadura, um caso de venda de drogas dentro de uma escola, e a prova da inocência de um pai acusado injustamente de estuprar a filha de 1 ano e 7 meses. A homenagem se soma a outras 16 premiações nacionais e internacionais que a repórter de 37 anos já recebeu em sua carreira, sempre na Tribuna de Minas. Daniela falou sobre seu trabalho nesta entrevista ao Centro Knight:

Centro Knight: Como conseguir destaque internacional fora dos grandes jornais?
Daniela Arbex: Sempre ouvi dizer que não existia jornalismo de qualidade, que pudesse ter impacto na sociedade, fora dos grandes centros. Mas estou na Tribuna de Minas há 15 anos e acho que consegui fazer matérias que tiveram repercussão e impacto nacional. Muitas conseguiram mudar a realidade, chamando a atenção do governo federal. Acho que é por causa de um esforço pessoal para que as coisas aconteçam. Minha preocupação maior sempre foi mudar a realidade.

CK: Você também escolhe pautas que tenham apelo nacional?
Daniela: Trabalho muito com temas que envolvem violação de direitos humanos, corrupção, violência e questões relacionadas à infância, e isso é relevante em qualquer lugar. Além disso, há a força das histórias que eu conto, a força das descobertas.

CK: Que exemplo você destacaria?
Daniela: No ano passado, fui ao Peru receber um prêmio do Instituto Prensa y Sociedad (Ipys), de melhor reportagem investigativa da América Latina, por uma reportagem sobre corrupção na Câmara em Juiz de Fora (a reportagem revelou um esquema de corrupção por meio de contratos públicos favorecendo uma empreiteira que pertencia ao então presidente da Câmara Municipal de Juiz de Fora, Vicente de Paula Oliveira, conhecido como Vicentão – leia aqui a primeira reportagem da série, em formato PDF). O que mais chamou a atenção dos jurados foi como uma investigação tão artesanal conseguiu ser tão eficiente e ter tanto impacto. Quando perguntaram quanto custaram as matérias finalistas, algumas chegavam a 10 mil dólares, sendo que a nossa só custou 50, que foi o preço para xerocar os documentos. Nós não temos grandes recursos, é um trabalho de garimpagem.

CK: Como foi o processo de apuração dessa matéria?
Daniela: Um dia eu estava atrasada para uma pauta e os carros do jornal estavam todos ocupados, então precisei pegar um táxi. No caminho, fui conversando com o taxista sobre política e assuntos da cidade, quando ele soltou uma frase: “até vereador tem construtora em Juiz de Fora, você vê a Koji”. Fiquei curiosa em saber o que era aquilo, nem conhecia a empresa. Descobri que ela não só existia, como havia ganhado licitações na prefeitura nos últimos cinco anos. Fui à Junta Comercial ver quem eram os sócios e cheguei a seis nomes que a princípio não diziam nada. Então pesquisei os históricos profissionais dessas pessoas no Ministério do Trabalho e descobri que as qualificações eram muito baixas – eram vigias da prefeitura, por exemplo, movimentando milhões. Mas não havia ali nenhum documento vinculando esses nomes ao Vicentão. Ele estava no poder havia 20 anos e nunca tinha assinado um documento da Koji. Identifiquei o vínculo num processo na Justiça do Trabalho movido por uma doméstica contra o Vicentão. Uma das sócias listadas da Koji era preposta dele na ação. Ou seja, ela tinha plenos poderes para representá-lo no processo, e na Koji atuava como laranja.

CK: Era um caso que poderia não ter dado em nada…
Daniela: Sim, mas resolvi insistir. Nem sempre dá certo. Já fiquei investigando algumas pautas por até dois meses e no final não deu em nada. Mas muitas dão certo também.

CK: Há espaço para esse tipo de jornalismo investigativo hoje?
Daniela: É complicado. Claro que tem a pressão para dar resultado, de ter que produzir. Somos 40 repórteres na Tribuna de Minas. Embora eu fique com matérias especiais a maior parte do tempo, às vezes preciso parar tudo para cobrir assuntos do dia. Mas eu tenho que reconhecer que consegui esse espaço todo porque tive muito apoio do jornal. Muitas vezes eles bancaram minhas sugestões. E quando não estava dando resultado, pressionaram para parar. É muito ruim quando uma investigação não dá certo, mas a gente tem sempre muito cuidado com a informação porque estamos lidando com a vida das pessoas, como um médico. Uma informação errada compromete a vida das pessoas e prejudica o próprio jornal, que pode sofrer um processo e até ter que fechar.

CK: Você já pensou em trabalhar nos maiores jornais brasileiros?
Daniela: Estou há 15 anos na Tribuna de Minas e já fui convidada várias vezes para sair, mas até hoje isso ainda não aconteceu, embora alguns convites fossem bem tentadores. O que aconteceu é que desde o começo eu fui conseguindo o espaço que eu queria no jornal e fazendo coisas que eu gostava. Por isso, não sentia necessidade. Depois virou uma coisa mais pessoal, pois tenho família aqui e há 20 anos sou voluntária de uma entidade que atende crianças carentes, eu durmo com elas uma vez por semana. Eu sei que poderia ter mais visibilidade, mas, sinceramente, me sinto feliz aqui. Claro que não posso fechar portas e nem dizer que nunca deixarei minha cidade. Estou aberta a todas as oportunidades que me ajudem a ser uma jornalista melhor a cada dia.

CK: Como foi a entrega do prêmio?
Daniela: Foi muito emocionante ser encontrada num lugar tão pequenininho para um prêmio tão grandioso. Também fiquei feliz em ouvir as pessoas me dizerem que ficaram encantadas com o trabalho que eu faço com tantas dificuldades. É que, honestamente, eu nunca parei pra pensar nas dificuldades. Meu foco não é esse. Tem que fazer, vamos fazer. Foi uma honra muito grande. O jantar de premiação aconteceu no edifício Ronald Reagan com 500 pessoas, incluindo jornalistas dos Estados Unidos e de outros países, autoridades, estava o embaixador do Brasil em Washington, o Mauro Vieira… Assessores da (secretária de Estado americana) Hillary Clinton perguntavam o que poderiam fazer pelo jornalismo no Brasil. Achei importante representar meu país divulgando o jornalismo de qualidade, falando de coisas que dão credibilidade ao jornalismo e, principalmente, que podem ajudar os jornalistas investigativos a terem mais segurança. O que eu sempre procuro é ser útil para a sociedade, fazendo um jornalismo responsável e de qualidade. Sempre quando tenho a oportunidade de fazer algo que tem um impacto positivo na comunidade, eu penso: é por isso que sou jornalista.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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