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Documentário investiga desinformação na eleição presidencial de 2018 no Brasil

O documentário brasileiro “A Verdade da Mentira” acompanha o trabalho de diversos profissionais que atuaram no combate à desinformação durante a eleição presidencial de 2018, no Brasil, que culminou na eleição de Jair Bolsonaro. Através de entrevistas com esses profissionais jornalistas e pesquisadores e também com psicanalistas, operadores do direito, especialistas em marketing digital e programadores, o filme investiga como operam os mecanismos de criação, distribuição e consumo de desinformação.

“A gente quis entender como as estruturas de desinformação online estavam operando nas redes sociais, qual a influência que a desinformação e a mentira no ambiente digital podem ter numa campanha eleitoral e no processo democrático e quais os esforços que de fato estão sendo feitos para coibir os abusos,” disse a diretora do filme, Maria Carolina Telles, à LatAm Journalism Review (LJR).

O documentário foi lançado no dia 26 de outubro em plataformas de streaming, mas as entrevistas foram feitas entre setembro e outubro de 2018. Na época, em plena campanha eleitoral e durante uma onda de desinformação que polarizou o país. A ideia, segundo a diretora, era usar um momento “quente” como pano de fundo para contribuir para a educação midiática do público.

Maria Carolina Telles, diretora do documentário: apoio à alfabetização midiática

Maria Carolina Telles, diretora do documentário: apoio à alfabetização midiática

Para isso, a jornalista Petria Chaves foi escalada para conduzir a investigação e apresentar de forma didática como a desinformação circulou e influenciou decisões políticas durante as eleições de 2018 no Brasil. Há entrevistas com aqueles que estão na linha de frente do combate à desinformação, como jornalistas das agências de checagem Aos Fatos e Lupa, e também quem está do outro lado:

Conversamos, por exemplo, com equipes de marketing nas redes que nos explicaram como os políticos vêm buscando esse serviço, muitas vezes num desserviço à sociedade. Nossa intenção era dissecar o fenômeno das chamadas ‘fake news’ para trazer mais consciência sobre nosso voto e nossas escolhas em tempos de tanta polarização,” disse Chaves em entrevista a um grupo de jornalistas pela internet.

Jornalista Petria Chaves: conscientização sobre ‘fake news’ para o público geral.

Jornalista Petria Chaves: conscientização sobre ‘fake news’ para o público geral.

O documentário também acompanha o trabalho da Sala da Democracia Digital, um centro de operações e monitoramento do discurso político nas redes sociais. Lá, especialistas da Fundação Getúlio Vargas, no Rio, medindo em tempo real o engajamento de notícias falsas nas redes sociais. No último mês da campanha, os conteúdos que mais circularam falavam de suposta fraude nas urnas eletrônicas e o ‘kit gay’, temas que faziam parte do repertório da campanha de Bolsonaro.

"Nós, como jornalistas, estamos falando muito sobre isso [desinformação]. Mas isso precisa ir para pessoas que não são profissionais de comunicação e que hoje têm tanta responsabilidade quanto, se bobear mais ainda [do que os jornalistas], mas não têm o mesmo senso de responsabilidade,” disse Chaves.

A fala da jornalista indica a principal proposta de combate à desinformação defendida no documentário: identificar as estruturas de informação sobre como funcionam as redes sociais e o discurso político-eleitoral. Aliado, sim, a medidas para coibir o uso enganoso, tal como é feito na propaganda tradicional. 

“Costurando essas pontas acho que conseguimos dar uma contribuição, ser mais uma peça da engrenagem de algo muito necessário na nossa sociedade: a alfabetização midiática,” disse Telles.

O fato de o documentário estrear dois anos depois da eleição permite também uma oportunidade para avaliar o impacto e a influência das redes sociais. Como, por exemplo, na recente decisão de Twitter e Facebook de restringir a disseminação de uma notícia sobre o suposto tráfico de influência do filho de Joe Biden [candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos] na Ucrânia.

Jornalista Pedro Dória: dois anos depois, plataformas de redes sociais tem atuação mais ativa contra desinformação.

Jornalista Pedro Dória: dois anos depois, plataformas de redes sociais tem atuação mais ativa contra desinformação.

Segundo o jornalista Pedro Dória, um dos entrevistados do filme, algo assim era impensável por parte das plataformas há dois anos, ou há quatro, na eleição que Donald Trump venceu em 2016. Ele acredita que a atuação mais pró-ativa das plataformas contra a desinformação enfraquece o que ele chama de “máquinas organizadas'', ou seja, campanhas estruturadas com o objetivo de influenciar o resultado eleitoral.

“[No entanto] a máquina desorganizada de desinformação, as teorias conspiratórias que brotam espontaneamente... Essas, as redes sociais, [as plataformas] não estão conseguindo agir contra elas, [apesar de] estarem tentando cortar acesso a esses grupos,” disse Dória em entrevista a jornalistas antes do lançamento do filme. 

“Hoje podemos dizer que já temos um diagnóstico. Sabemos da existência dos perfis automatizados, dos perfis falsos, sabemos da tecnologia combativa, de todas essas linhas de frente, de como os interessados no jogo político se utilizam dessas vias de acesso para o soft power, para a propaganda,” disse Telles.

A diretora do filme disse ainda que o documentário é “um alerta para ajudar as pessoas a estarem mais conscientes dos riscos que estão correndo. E como esses riscos podem afetar o nosso exercício democrático.”

A lista de plataformas que fazem o streaming de “A Verdade da Mentira” pode ser conferida no site do documentário.

Nota do editor: Júlio Lubianco, o autor deste artigo,  trabalhou como pesquisador durante a produção deste documentário

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