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Ataques contra jornalistas no México são símbolo de uma democracia danificada, diz Carmen Aristegui

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  • 5 novembro, 2016

Por Mariana Muñoz

Carmen Aristegui, uma das jornalistas mais reconhecidas do México, disse que o seu país vive “uma crise profunda em matéria de direitos humanos, feita de assassinatos e desaparecimentos de jornalistas e de [outras] pessoas”.

Para Aristegui, os maus-tratos aos jornalistas no país são um símbolo de uma democracia danificada.

Aristegui, apresentadora do programa Aristegui na CNN em Espanhol e fundadora do site Aristegui Noticias, ministrou a "Conferência de Austin sobre o México contemporâneo" em 2 de novembro, em um evento organizado pelo Instituto Lozano Long de Estudos Latino-americanos da Universidade do Texas em Austin. Aristegui falou sobre democracia e liberdade no México e sobre o complicado caminho que o país tem adiante.

Grande parte do discurso da jornalista foi focado nas violações de direitos humanos que o país tem enfrentado nos últimos anos, incluindo a questão dos desaparecimentos. No último mês de julho, o Registro Nacional de Dados de Pessoas Extraviadas ou Desaparecidas (RNPED) registrou um total de 28.474 pessoas, segundo Aristegui.

“Estamos falando de violações de direitos humanos realmente muito graves”, disse Aristegui.

México foi classificado como um país “não livre" pela organização de direitos humanos Freedom House. Somente em 2016, 11 jornalistas já foram assassinados no México. Em outro caso, um jornalista foi atropelado por um carro da polícia em Oaxaca.

“A liberdade de expressão, a liberdade de informação, o direito de dizer, de se informar está absolutamente danificado, com casos de jornalistas assassinados, censurados, desaparecidos, em uma lista longa demais e impune demais nos últimos anos”, afirmou Aristegui.

A jornalista destacou que o assassinato não é a única forma de prejudicar a liberdade de expressão, mas também há outras, como o uso de ferramentas jurídicas.

Aristegui fez referência ao caso do jornalista Sergio Aguayo, que foi processado pelo ex-governador de Coahuila, Humberto Moreira, seis meses depois de ter publicado uma matéria sobre a detenção de Moreira na Espanha por uma investigação sobre lavagem de dinheiro, caso que levou o ex-governador à prisão por uma semana.

“Humberto Moreira enfrenta, finalmente, uma justiça: a espanhola, que com esse ato mostra que as instituições mexicanas são ótimas na proteção dos corruptos […] é uma vergonha que as instituições mexicanas não punam Moreira por deixar Coahuila -seu estado- com uma dívida de 36 bilhões de pesos mexicanos (cerca de R$ 5,8 bilhões), enquanto na Espanha ele foi detido pela transferência irregular de somente três milhões e meio de pesos!”, escreveu Aguayo na nota publicada em Reforma.

Sobre o processo, que exige uma indenização de 10 milhões de pesos mexicanos (cerca de R$1,7 milhão), Aguayo declarou em seu site que “será uma batalha jurídica longa e desgastante, mas tenho elementos para montar uma boa defesa nos tribunais”.

Aristegui também enfrenta um acúmulo de processos. Entre eles, uma ação de Joaquín Vargas, proprietário da empresa MVS, onde Aristegui dirigiu e apresentou um programa durante seis anos. No processo, “por dano moral”, o proprietário exige retirar de circulação o livro “A Casa Branca de Peña Nieto, a história que abalou um governo”, publicado em outubro de 2015, e retirar o prólogo escrito pela jornalista antes de voltar a vender a publicação.

“Se trata de intimidar, incomodar e impedir que os jornalistas continuem fazendo o seu trabalho. Pretendem fazer uso do poder judicial para impor a censura, prejudicar os jornalistas e aplacar sentimentos de vingança”, declarou Aristegui em um vídeo publicado em julho no Aristegui Noticias, em que fala sobre o processo.

Mas há ainda mais sobre a história de Aristegui e MVS. Em 2015, MVS demitiu dois jornalistas da equipe de investigações especiais do programa de rádio de Aristegui na empresa. Alguns dizem que as demissões estavam ligadas às investigações feitas por tais repórteres, incluindo a reportagem sobre a Casa Branca. Aristegui foi demitida depois de pedir que seus jornalistas fossem recontratados.

O caso de Apatzingán

Apesar de ter sido demitida e retirada do ar por MVS, Aristegui continua a sua luta por uma imprensa livre no México.

Aristegui Noticias, uma plataforma digital criada por ela no ano 2012, permitiu que jornalistas pudessem fazer reportagens que antes eram rejeitadas por outras publicações, como foi o caso de Laura Castellanos e a sua matéria sobre o massacre de Apatzingán.

Na madrugada de 6 de janeiro de 2015, agentes federais dispararam contra um grupo de civis desarmados em  Apatzingán, Michoacán, deixando 16 mortos e dezenas de feridos.

As vítimas eram parte do grupo de autodefesa Fuerza Rural, que realizava uma ocupação na entrada do Palácio Municipal de Apatzingán. O acontecimiento inicialmente foi classificado por Alfredo Castillo, ex-comissário para Michoacán, como produto de “fogo amigo”, mas a reportagem de Castellanos revelou outra verdade de um crime contra a humanidade.

Ao receber o Prêmio Nacional de Jornalismo pela reportagem, intitulada #FueronLosFederales (Foram os Federais), Castellanos disse que, quando entregou a matéria ao jornal El Universal, o diário se recusou a publicar o texto - a jornalista acredita que tenha sido por questões políticas e eleitorais. Castellanos é uma repórter ‘freelance’ que produzia reportagens especiais para El Universal.

No seu discurso, Aristegui declarou que Castellanos a procurou, e com sua equipe de notícias revisou a reportagem e decidiu que era importante publicar a matéria. Assim, em conjunto com a revista Reforma e a rede Univision nos Estados Unidos, prepararam um pacote de informações. Mas tiveram antes que enfrentar novamente as repercussões.

“Veio uma coisa que também já faz parte dos nossos tempos, e que fala das nossas vulnerabilidades", disse Aristegui. “O nosso portal recebeu um ataque digital de tal forma que nos tirou do ar no dia anterior da publicação”.

O portal de notícias sofreu dois ataques cibernéticos, que o mantiveram fora do ar durante mais de 7 horas na primeira vez e aproximadamente 5 horas na segunda. Aristegui pediu à organização Artigo 19 que hospedasse a informação enquanto o problema era resolvido. Sobre o fato, a organização fez um pedido de que as autoridades garantissem o livre fluxo de informação, com especial atenção aos meios digitais.

“Me pareceu muito importante a decisão de Laura de contornar um fenômeno de censura dessa forma [...] E esses três meios de comunicação concordaram que era preciso publicar [a reportagem] sim. Em primeiro lugar pela própria informação, mas também como uma possibilidade de profissionais e jornalistas abrirem espaço a essa jornalista que, se não fosse assim, não teria conseguido mostrar para a sociedade mexicana um massacre tão terrível como o de Apatzingán”, acrescentou Aristegui.

Aristegui explicou que a reportagem depois foi retomada pela organização Human Rights Watch e por outros organismos internacionais. Segundo ela, as fontes se sentiram vulneráveis e temerosas das consequências dos seus testemunhos.

“O medo está instalado nas vítimas, o medo está instalado nos veículos, e o medo é um fator que claramente não favorece a liberdade de informação e a difusão de assuntos relevantes para a sociedade mexicana”, concluiu a jornalista.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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