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Braulio Jatar completa três meses em prisão venezuelana enquanto campanha internacional por sua libertação avança

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  • 7 dezembro, 2016

Por Silvia Higuera and Katia Cardoza

Ana Julia Jatar compartilhou uma foto de seu irmão Braulio 82 dias após ele ser preso pela primeira vez na Venezuela. Ele parece magro; sua cabeça, geralmente coberta de cabelo grisalho, está raspada; seu rosto carrega uma expressão triste.

O dia 3 de dezembro marcou três meses desde que o jornalista e advogado Braulio Jatar Alonso foi preso e levado a uma prisão venezuelana. Durante esse período, sua família e seus advogados denunciaram não apenas irregularidades no processo de detenção, como também o tratamento desumano no presídio, que afetou a saúde do jornalista "gravemente".

A última notícia é que Jatar está sofrendo de um "carcinoma basocelular presuntivo, lesão de câncer (câncer de pele) que, sem tratamento adequado, pode se espalhar para outros tecidos e crescer em músculos e ossos", informou a defesa de Jatar, em publicação no jornal El Universo.

Desde que Jatar foi preso, no dia 3 de setembro, membros da família denunciaram todo tipo de irregularidades no processo judicial do jornalista. Por exemplo, os parentes afirmam que ele desapareceu por 12 horas depois de ser detido e que uma busca na casa de Jatar foi feita neste período sem uma ordem judicial. Supostamente, funcionários "plantaram" dinheiro no carro do jornalista para acusá-lo do crime de lavagem de dinheiro.

Para a família, assim como para organizações de direitos humanos, os acontecimentos desde o dia 3 de setembro ocorreram em retaliação a um vídeo que Jatar publicou no veículo que dirige, o Reporte Confidencial. O vídeo mostra um protesto popular contra o presidente Nicolás Maduro na noite anterior, do dia 2 de setembro.

"Na verdade, a prisão do meu irmão só começa 72 horas depois, quando ele é apresentado pela primeira vez a um tribunal, e finalmente ele entende qual é a acusação da promotoria, de lavagem de dinheiro", disse Ana Julia ao Centro Knight no dia 30 de novembro. "Vale a pena esclarecer que nos 45 dias [que foram dados], depois de investigarem todas as contas bancárias do meu irmão, não encontraram nenhuma evidência de que ele pudesse ter 25 mil dólares em dinheiro".

Ana Jatar explicou que seu irmão permaneceu na prisão mesmo que não tenham sido encontradas evidências "confiáveis" dos crimes dos quais Jatar é acusado. Segundo Ana, a única coisa que "liga" seu irmão ao caso são dois testemunhos, que ela questiona. A irmã descreveu uma das testemunhas como uma pessoa sem-teto com problemas psiquiátricos, enquanto a outra testemunha, que também tem problemas psiquiátricos,  "nem sequer estava no lugar onde tudo aconteceu, na Ilha Margarita, no momento em que meu irmão foi seqüestrado pelas forças de segurança do Estado e pela polícia política".

A defesa pediu prisão domiciliar para Jatar, por ele sofrer de hipertensão. A acusação aceitou o pedido, mas o juiz do caso o rejeitou.

Nesses três meses, Jatar foi transferido de prisão pelo menos três vezes. Na primeira vez, ele foi levado de madrugada da Ilha Margarita para uma prisão no estado de Guárico. De acordo com Ana Jatar, seu cabelo foi raspado e ele teve que usar o uniforme manchado de sangue de outro prisioneiro, além de ficar sem acesso a água potável, em confinamento solitário "acompanhado de ratos e baratas".

"É por isso que digo e repito que as prisões venezuelanas não são prisões, mas centros de tortura", disse Ana Jatar.

Ana Jatar conta que a saúde de seu irmão se deteriorou: além de a hipertensão ter se tornado mais aguda, novos problemas surgiram devido às condições em que o jornalista é detido. Ela disse que, segundo informações transmitidas pela esposa e pela filha de Braulio, ele é submetido a "assédio" e "humilhação", e ainda está em isolamento, sem direito à luz do sol, à leitura ou à visita de qualquer homem. Na prisão onde ele está sendo mantido, ele tem que suportar temperaturas acima dos 40ºC.

A falta de luz solar tem afetado a pele e a visão do jornalista. "Eles não permitiram os comprimidos de vitamina D que a família e eu tentamos levar para ele, porque essas pílulas supostamente não tem prescrição médica, embora a falta de vitamina D seja óbvia", disse a irmã.

No dia da primeira conversa com o Centro Knight, Ana Jatar disse que seu irmão estava passando por uma biópsia para um melanoma que apareceu em seu ombro, "que poderia ser um câncer de pele muito agressivo", disse ela, entre lágrimas. Dias depois, em outra conversa, ela disse ao Centro Knight que o médico confirmou ser câncer de pele, mas a família ainda espera os resultados dos testes para determinar que tipo de câncer é.

"Isso é muito sério. Esta não é mais uma questão política, é uma questão humanitária", disse Ana Jatar.

Apesar dos três meses na prisão, o caso de Jatar não avançou. Ele ainda não teve uma audiência preliminar, na qual as acusações contra ele seriam apresentadas oficialmente, e durante a qual sua defesa espera que ele possa sair da prisão devido à falta de evidências. A segunda tentativa de conduzir uma audiência foi cancelada a pedido da defesa, devido ao estado de saúde de Braulio.

Em entrevista ao jornal El Nacional, a esposa de Braulio, Silvia Martínez, disse que a juíza do caso tinha até o dia 29 de novembro para tomar uma decisão sobre o estado de saúde do marido e sobre a petição dela para que ele recebesse atendimento especializado. "A saúde do meu marido é uma bomba-relógio nas mãos do governo", disse Martínez à imprensa.

Para Ana Jatar, é claro que o caso de seu irmão é político, e que ele permanecerá na prisão "independente do processo judicial, até que seja mais custoso para o governo de Nicolás Maduro mantê-lo na prisão do que liberá-lo".

Por isso, a família sabe que a única maneira de conseguir a libertação é através da pressão internacional. Eles tentaram diferentes métodos: o primeiro, pelo governo chileno, país onde Braulio Jatar nasceu e, portanto, tem segunda cidadania.

Esta ação tem funcionado com outros prisioneiros, libertados graças à pressão internacional por terem outras nacionalidades, como Gabriel San Miguel e Francisco Márquez.

Organizações como a Human Rights Watch (HRW) têm o mesmo entendimento. Em uma coluna de opinião recente, José Miguel Vivanco, diretor executivo da Divisão das Américas da HRW, disse que tanto o Chile quanto o Vaticano devem se unir para pressionar a Venezuela, o que permitirá, entre outros, a libertação de Jatar.

"A abordagem proposta pelo Senado chileno pode ser a melhor forma de libertar os prisioneiros políticos da Venezuela e restaurar o Estado de Direito", escreveu Vivanco. "A administração Bachelet deve manter a pressão internacional junto com outros líderes, mas também deve abordar especificamente o caso Jatar - inclusive pedindo ao Vaticano para mediar com o governo venezuelano para liberá-lo imediatamente e retirar as acusações contra ele".

A HRW lançou recentemente uma campanha para conseguir a libertação de várias pessoas, incluindo Braulio Jatar. Usando a hashtag #Freethem em redes sociais, a organização convidou todos a participarem da campanha.

"Braulio Jatar é refém de Maduro, e está preso apenas por dar destaque ao descontentamento generalizado do povo venezuelano com seu governo. Em um país onde a concentração de poder é tão grande que não há uma única instituição disposta a conter os abusos do executivo, um caso como este só será resolvido se houver forte pressão internacional", disse Vivanco ao Centro Knight.

"É essencial que os líderes democráticos da região e o Vaticano dupliquem a pressão sobre o governo venezuelano para liberar imediata e incondicionalmente Jatar. Ele não é mais um prisioneiro político; pedir a sua libertação é defender a liberdade de expressão e de imprensa, dois valores fundamentais numa sociedade democrática".

Vale lembrar que os crimes pelos quais Braulio Jatar é acusado podem levar a até 15 anos de prisão, de acordo com a HRW.

Jatar "não é um comunicador": diz o estado venezuelano

Durante a audiência "Situação do direito à liberdade de expressão e de informação na Venezuela", perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), no marco de seu 159º período de sessões, do dia 2 de dezembro, o Estado venezuelano negou que o caso de Jatar esteja relacionado à liberdade de expressão.

De acordo com William Castillo, vice-ministro venezuelano de Comunicação Internacional, Jatar não é um comunicador, mas "um político de idade acusado de crimes de corrupção por muitos anos”.

“Ah, é que as pessoas que são acusadas de outros crimes, como lavagem de dinheiro, por terem uma rádio, um blog ou um site na internet em que dizem coisas, são comunicadores. O homem está sendo investigado por outros crimes, que não são crimes de opinião. Não há prisioneiros de pensamento na Venezuela", disse Castillo.

Larry Devoe, secretário-executivo do Conselho Nacional de Direitos Humanos da Venezuela, disse que o caso de Jatar "é um assunto que está sendo discutido dentro de nossos tribunais com todas as garantias do devido processo".

No entanto, o Relator Especial para a Liberdade de Expressão da CIDH, Edison Lanza, lembrou ao Estado venezuelano que a condição de comunicador não pode ser determinada por ele ser ou não profissional, e convidou o Estado a aderir às normas internacionais de liberdade de expressão, uma vez que a detenção de Jatar ocorreu depois de ele "publicar um vídeo com informações de grande interesse público".

Por sua vez, os peticionários da audiência expressaram preocupação com a condição de Jatar na prisão. "O homem foi submetido a um tratamento cruel. Seu direito à saúde e nutrição está sendo violado ", disse Ligia Bolívar, diretora do Centro de Direitos Humanos da Universidade Católica Andrés Bello, que acrescentou que Jatar perdeu cerca de 33 quilos durante sua detenção.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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