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Da redação ao palco: jornalistas mexicanos contam suas histórias de resiliência por meio das artes cênicas

Desde o assassinato do jornalista mexicano Javier Valdez em 2017, sua colega e esposa por 27 anos, Griselda Triana, tem estado em todos os tipos de plataformas defendendo as famílias de jornalistas assassinados ou desaparecidos.

Este ano, Triana acrescentou o teatro a essa lista.

“Las periodistas cuentan” (“As jornalistas contam”) é um projeto da companhia teatral mexicana Teatro Línea de Sombra, em aliança com o meio nativo digital independente Elefante Blanco, do estado de Tamaulipas. O projeto busca aumentar a conscientização sobre as diferentes situações pelas quais os jornalistas no México estão passando a partir de uma abordagem teatral na qual o jornalismo, a arte e o ativismo convergem.

“Estamos desenvolvendo estratégias além do jornalismo para continuar fazendo jornalismo e para continuar cuidando uns dos outros”, disse Carlos Manuel Juárez, diretor do Elefante Blanco e outro dos jornalistas no palco, à LatAm Journalism Review (LJR).

 

Mexican journalist and activist Griselda Triana speaks during the stage production “The journalists tell”, in Mexico City.

Griselda Triana fala sobre como reconstruir a vida após ser vítima colateral de um crime contra a liberdade de imprensa.  (Foto: Sandra Perdomo)

 

A produção é estrelada por um grupo de oito jornalistas que narram no palco experiências de suas vidas no jornalismo, que retratam diferentes aspectos do que significa trabalhar na profissão no México, em meio a todos os tipos de hostilidades.

Triana e Juárez são dois dos oito jornalistas do elenco, que estreou em outubro deste ano com quatro apresentações na Cidade do México. O grupo é completado por Blanche Petrich, Reyna Haydee Ramírez, Mónica González, Marcela Turati, Marcos Vizcarra e Félix Márquez.

Em sua narração, Triana fala sobre como ela reconstrói e dá um novo significado à sua vida depois de ser vítima indireta de um crime contra a liberdade de expressão no México.

“Eu digo que sou uma mulher de muita sorte porque minhas redes de apoio foram ativadas desde o momento em que Javier foi assassinado. Minhas redes de apoio são justamente colegas jornalistas que estão em todo o país, que estiveram muito próximos de mim e de minha família”, disse Triana à LJR, ”Mas minhas condições são muito diferentes das da maioria das famílias de jornalistas assassinados e desaparecidos. Eu gostaria que as famílias que passaram pela mesma situação pudessem ter o mesmo acompanhamento”.

Em seu discurso, que dura aproximadamente 15 minutos, Triana também conta como sua busca por justiça pelo assassinato de Valdez a levou a se tornar uma defensora dos direitos humanos. Atualmente, ela é a coordenadora nacional da rede Tejidos Solidarios, que oferece apoio às famílias de jornalistas assassinados e desaparecidos. Triana também fala sobre como a indignação com a falta de justiça é um fator recorrente entre a maioria das famílias de jornalistas assassinados.

“É uma questão que atravessa o jornalismo: eles são assassinados ou desaparecem e nós é que somos deixados para trás. A maioria das famílias passou pelo processo sozinha, invisível, abandonada pelas instituições responsáveis pela busca de justiça”, disse Triana. “O que todos nós queremos é justiça e, para isso, as famílias precisam ser o melhor que puderem. Portanto, falo sobre essa parte nesta peça, na qual é minha vez de encerrar”.

“Las periodistas cuentan” faz parte de um programa maior do Teatro Línea de Sombra chamado “Fragmentos de verdad”, sob a ideia de que jornalistas e ativistas trabalham na busca de algum tipo de verdade, disse Eduardo Bernal, membro da companhia, à LJR.

“Fragmentos de verdad” começou em 2022 com a instalação artística “Zona Clausurada”, também feita em conjunto com o Elefante Blanco, que foi um primeiro exercício de aproximação do jornalismo com a arte e o ativismo. Esse projeto abordou o fenômeno do desaparecimento forçado no México e a tomada de territórios pelo crime organizado com elementos de performance, uma investigação jornalística e um filme de média-metragem, entre outros.

Mexican journalist Marcos Vizcarra speaks during the stage production “The journalists tell”, in Mexico City.

Marcos Vizcarra conta como seu jardim foi um refúgio da violência que ele viveu como jornalista em Culiacán, Sinaloa. (Foto: Sandra Perdomo)

“Las periodistas cuentan” também é um projeto de performance multidisciplinar, embora, nesse caso, ele se concentre especificamente nas diferentes faces do jornalismo no México.

“Encontramos muitas afinidades entre a ideia de jornalismo investigativo e o que agora queremos delinear como 'teatro investigativo'”, disse Bernal. “Neste último trabalho ['Las periodistas cuentan'], falamos sobre jornalismo porque é um assunto que nos interessa muito e porque o jornalismo no México de hoje se tornou muito importante.”

Os participantes de “Las periodistas cuentan” concordam que não se trata de uma peça de teatro propriamente dita, nem de uma série de apresentações individuais. Trata-se de um trabalho de palco que não se baseia em dramaturgia, mas nas experiências reais de seus protagonistas.

Juárez descreveu o projeto como “uma exploração do jornalismo por meio das artes cênicas”.

“Este ano começamos a trabalhar pensando em falar sobre as diferentes formas de viver o jornalismo, a partir de diferentes fontes, das diferentes situações que nos aconteceram, de resistência ao abandono do jornalismo”, disse ele. “Também estamos falando sobre as estratégias que cada um de nós adotou para poder continuar fazendo jornalismo ou para continuar apoiando a liberdade de expressão para que ela não decline ainda mais”.

Histórias em contexto

O título “Las periodistas cuentan” (onde “las” se refere a pessoas jornalistas) é um jogo de palavras em que o verbo “cuentan” se refere a jornalistas contando suas histórias, mas também à ideia de que esses profissionais são importantes, explicou Bernal, como uma forma de reivindicar o trabalho dos membros da imprensa.

Os temas das histórias no palco são variados, assim como os tons e estilos de cada narrativa. A intervenção de Juárez trata de seu processo psicológico após ter sido ameaçado por seu trabalho jornalístico em 2017, a fim de separar em sua mente o jornalista que cobre a violência da pessoa que vivencia essa mesma violência. Reyna Haydee Ramírez – que foi vítima de violência digital após questionar diretamente o ex-presidente Andrés Manuel López Obrador – narra de forma cômica como foi participar de uma das famosas conferências matinais do ex-presidente.

A parte cênica busca acrescentar às narrativas o contexto pessoal de cada jornalista, disse Alicia Laguna, produtora executiva do projeto e diretora artística do Teatro Línea de Sombra, à LJR.

“São intervenções em um espaço cênico que projetamos e facilitamos. São histórias de vida pessoais, do contexto do jornalista”, disse Laguna.

Assim, Félix Márquez, um fotojornalista da equipe da Associated Press que ganhou o Prêmio Pulitzer deste ano na categoria Fotojornalismo, usa parte de seu arquivo fotográfico para contar sua história. Um grupo de plantas acompanha Marcos Vizcarra, que conta como seu jardim representou uma fuga da violência que ele vivenciou como jornalista em Culiacán, Sinaloa.

Marcela Turati faz uma apresentação audiovisual e conta a história de uma oficina de segurança para jornalistas que ela criou. Triana entra no palco com um aguachile, um prato de frutos do mar típico da costa oeste do México, que ela prepara minutos antes de sua intervenção e entrega ao público no final da apresentação.

Mexican journalist Carlos Manuel Juárez speaks during the stage production “The journalists tell”, in Mexico City.

Carlos Manuel Juárez é diretor de Elefante Blanco, meio digital que organiza o projeto com a companhia Teatro Línea de Sombra. (Foto: Sandra Perdomo)

Diferentemente de outros trabalhos teatrais, “Las periodistas cuentan” não usa um roteiro tradicional, nem houve ensaios antes da estreia, disse Laguna. Entretanto, houve reuniões prévias em que os participantes se organizaram e o diretor, Jorge Vargas, elaborou um roteiro técnico. Os jornalistas, acrescentou Laguna, tiveram a possibilidade de construir suas intervenções livremente, tendo o tempo como único limite.

“O que há em 'Las periodistas cuentan' é um espaço de liberdade para falar, pensar e colocar ali o que cada um deles quisesse”, disse Laguna. “Estávamos apenas procurando que isso acontecesse, algo realmente espontâneo. No início, há um narrador que diz que essa peça não foi ensaiada. É uma improvisação, o que não significa que seja improvisada. Jorge elabora uma base e um esboço geral, e eles só sabem em que ponto entram.”

Sem papel de vítima

Em um momento em que o jornalismo está sob constante ataque e descrédito no México, um projeto como “Las periodistas cuentan” é um exercício de sinceridade com o público, disse Juárez.

“Acho que levar o jornalismo para fora das redações é muito importante agora. E esse encontro com o público também é importante”, disse ele. “Vale muito a pena, diante da crise do jornalismo, que o público saiba quem somos nós que fazemos jornalismo e que somos iguais a eles.”

Embora as histórias que compõem a peça teatral tenham em comum o fato de envolverem eventos difíceis e até trágicos, Juárez deixou claro que o projeto não é um exercício de vitimização, mas uma forma de reivindicação e defesa da profissão.

“Não é um exercício para se fazer de vítima, é um exercício para reivindicar que muitos de nós assumimos o que significa defender a liberdade de expressão, fazer jornalismo”, disse Juárez. “Não se trata de ser vítima, mas de ser cada vez mais estratégico, assumindo e aumentando a conscientização.

O público que assistiu às apresentações de “Las periodistas cuentan” em outubro era composto principalmente de pessoas da profissão de jornalista, bem como de organizações de direitos humanos. Mas a companhia está buscando atingir outros públicos e, por isso, está em negociações para apresentar a peça em outros palcos.

Poster promoting the "The journalist tell" stage production.

O espetáculo será apresentado no Festival LATAM de Meios Digitais e Jornalismo em 8 de novembro na Cidade do México. (Imagem: Divulgação/Teatro Línea de Sombra)

O projeto será apresentado novamente em 8 de novembro como parte do Festival LATAM de Meios Digitais e Jornalismo, organizado pela organização Factual, em parceria com a DW Akademie. Juarez disse que eles não descartam a possibilidade de integrar outros jornalistas ao elenco para que possam se alternar em futuras apresentações.

Para Triana, quanto mais diversificado for o público que as histórias de “Las periodistas cuentan” alcançarem, mais consciência será gerada sobre as situações pelas quais os jornalistas passam.

“Se todos esses anos recentes me ensinaram alguma coisa, é que não podemos desperdiçar nenhuma plataforma, nenhum espaço, nenhum fórum a partir do qual possamos aumentar a conscientização entre outros públicos, como o público de teatro, mas também entre as pessoas que vão a uma passeata ou a um protesto”, disse Triana. “Temos que estar em todos os espaços para falar sobre o que acontece com os jornalistas.”

 

Traduzido por Carolina de Assis
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