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Ano começa com ataques contra meios independentes na Venezuela e jornalistas temem aprovação de leis contra imprensa

Como se não bastassem a pandemia global de COVID-19 e a crise econômica e humanitária na Venezuela, jornalistas no país passam por uma nova provação no início de 2021. Em janeiro e fevereiro, foram registradas diversas violações contra meios de comunicação independentes venezuelanos, no que a organização Repórteres sem Fronteiras (RSF) chamou de uma “nova onda de censura” contra a imprensa crítica.

Nos primeiros meses do ano, jornalistas e meios foram vítimas de campanhas de estigmatização, ataques e bloqueios a sites, bem como apreensão de bens e equipamentos.

Jornalistas e especialistas ouvidos pela LatAm Journalism Review (LJR) atribuem o aumento dos ataques a um padrão repressivo do governo e ao momento político da Venezuela, de retomada da Assembleia Nacional pelo chavismo. Eles temem ainda a aprovação de leis que visem criminalizar o jornalismo e sufocar economicamente meios independentes. Ao mesmo tempo, se preparam para uma nova onda de agressões e reforçam protocolos de segurança.

"Com o início do ano de 2021 e a instalação da Assembleia Nacional em 5 de janeiro, começou uma campanha orquestrada de estigmatização e assédio contra jornalistas, meios de comunicação e organizações [...], na qual têm participado ativamente meios de comunicação privados com uma linha editorial governista e meios de comunicação oficiais e estatais, ativistas nas redes sociais e altos funcionários do governo de Nicolás Maduro, incluindo o próprio presidente e seu ministro das Relações Exteriores, Jorge Arreaza", afirmou a Diretora Executiva do Instituto Prensa y Sociedad de Venezuela (IPYS), Marianela Balbi, à LJR.

Muitas das violações ocorreram de forma concentrada, no dia 8 de janeiro. Nesse dia, o veículo digital TalCual sofreu um ataque DDoS [de negação de serviço], que tirou o portal do ar. O editor-chefe do TalCual, o jornalista Víctor Amaya, contou à LJR que o ataque foi realizado por servidores registrados na Suíça.

O jornalista Victor Amaya, da Venezuela

O jornalista Victor Amaya. Foto: Fabiola Ferrero

"Isso não quer dizer que estejam na Suíça, eles podem estar usando VPN, seja lá o que for. Em um momento teve mais de 30 mil visitas, passou para 100 mil, 200 mil. E obviamente isso fez o servidor colapsar. Conseguimos, após algumas horas, colocar um front end do site no ar, para ter a marca ali, mas não conseguimos entrar para atualizar o conteúdo", explicou. A equipe ficou mais algumas horas sem poder editar o site, até solucionarem o problema.

Amaya destaca que as investidas contra o TalCual são constantes, mas muitas vezes o sistema de proteção consegue evitar danos maiores. Poucos dias depois do ataque de 8 de janeiro, o TalCual foi novamente alvo de uma ofensiva.

"Este último foi dos servidores da CANTV [provedora estatal de internet e telefonia]. Porque o Cloudflare informa de onde vêm as visitas, e elas foram registradas como de Caracas, como servidores CANTV. Foram dez mil solicitações em um segundo. Isso tornou o site mais lento, mas não nos tirou do ar", disse.

Os relatos de bloqueios por parte da CANTV são comuns na Venezuela. Em fevereiro, o observatório de internet VE Sin Filtro alertou que a estatal tinha bloqueado o site de jornalismo InSight Crime, logo após a publicação de um relatório sobre homicídios na América Latina.

À LJR, a diretora editorial do Efecto Cocuyo, Laura Weffer, disse que seu veículo sofre bloqueios constantes por parte da CANTV. "Ouso dizer que todos os principais meios digitais já sofreram esse bloqueio. Eles nos bloqueiam por uma semana, param e bloqueiam de novo".

De acordo com um estudo do IPYS, lançado no início de fevereiro, de 30 portais e plataformas avaliados, incluindo 25 sites informativos, dois sites de instituições e as redes sociais Twitter, Instagram e Facebook, todos sofreram bloqueios dos provedores públicos e privados, CANTV, Movilnet, Digitel e Movistar entre os meses de dezembro de 2020 e janeiro de 2021.

Além das restrições digitais, em 8 de janeiro autoridades venezuelanas apreenderam câmeras, computadores, equipamentos de transmissão e documentos da sede em Caracas do canal televisivo digital VPITV. O veículo, cuja sede principal fica em Miami (EUA), emprega cerca de 150 pessoas na Venezuela. Segundo nota do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), as autoridades ordenaram ainda que o canal encerrasse suas operações no país.

No mesmo dia, no estado de Zulia, o jornal Panorama, distribuído há mais de 106 anos, precisou fechar a sua sede por cinco dias, após uma inspeção do Serviço Nacional Integrado de Administração Aduaneira e Tributária (Seniat), que alegou violação de regras fiscais.

Essas medidas foram tomadas enquanto, na mesma semana, meios alinhados ao chavismo e funcionários do governo acusavam meios independentes, como Efecto Cocuyo, Caraota Digital, El Pitazo e a Radio Fe y Alegría, de serem "mercenários do jornalismo" – na ocasião, organizações internacionais como Anistia Internacional e Human Rights Watch condenaram as campanhas de estigmatização em um comunicado conjunto.

Poucos dias depois das acusações, sujeitos encapuzados invadiram e roubaram a sede da Rádio Fe y Alegría, também em 8 de janeiro, segundo a organização Espacio Público.

Sobre todos os ataques, Amaya afirma que, quer sejam uma ação coordenada ou uma coincidência, eles "mandam uma mensagem, no início do ano, de como pode ser a atitude do governo agora".

A ofensiva contra Efecto Cocuyo continuou em fevereiro. No último dia 10, o vice-presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), Diosdado Cabello, considerado o número dois do chavismo, sugeriu que o Ministério Público abrisse uma investigação contra o site, por publicar um tuíte sobre uma reportagem da revista colombiana Semana.

Ainda em janeiro, a campanha contra o meio chegou ao seu ápice quando contas oficiais do Twitter difundiram um vídeo, com símbolos da Aviación Nacional Bolivariana (braço das Forças Armadas), que acusava Efecto Cocuyo e outros de serem "info-mercenários" e de receberem dinheiro do Reino Unido para "contribuir para a derrubada do governo Venezuelano".

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em nota condenando os ataques, disse que "toda pessoa tem direito, individual ou coletivamente, de solicitar, receber e utilizar recursos com a finalidade expressa de promover e proteger, por meios pacíficos, os direitos humanos e as liberdades fundamentais".

Laura weffer

La directora editorial de Efecto Cocuyo, Laura Weffer

Efecto Cocuyo também emitiu um comunicado em que reforça que "nenhuma instituição ou ente condicionam ou intervêm na linha editorial". Weffer, diretora editorial do veículo, disse que esses ataques são "recorrentes e sistemáticos", mas que esse caso foi diferente por ter envolvido instituições de Estado. "É importante ressaltar que não é a conta do Ministério da Agricultura, é muito diferente quando se trata de uma conta de um organismo militar".

A jornalista afirma ainda que a campanha parecia coordenada. "Não é a primeira vez que altos funcionários atacam os meios de comunicação, isso começou desde o primeiro dia com Hugo Chávez, estamos nisso há 20 anos. O que acontece é que desta vez usaram a Aviação, e foi um ataque muito rápido e sistemático, organizado."

Sobre a ameaça de Cabello, Weffer diz que essas investigações não costumam ir adiante, mas servem para intimidar os jornalistas. "Claro, existe uma espécie de espada de Dâmocles que fica acima de sua cabeça".

Para Balbi, os primeiros meses de 2021 trouxeram "uma nova faceta de ataques, um novo padrão de criminalizar os meios independentes", que se somam à "violência, detenções arbitrárias, limitações no acesso à informação e processos judiciais que ocorreram em 2020".

"Embora em ocasiões anteriores alguns porta-vozes do governo tenham se referido a essa forma de desacreditar a mídia por receber recursos da cooperação internacional, agora vemos isso de forma sistemática e por parte de altos porta-vozes do poder", disse ela. "Esses mecanismos de controle e opressão executados pelas autoridades estatais contra jornalistas, meios de comunicação e cidadãos foram os padrões de silenciamento que mais fragilizaram as liberdades fundamentais de expressão e informação na Venezuela."

Amaya, de TalCual, afirma que as investidas contra o Efecto Cocuyo contribuem para gerar um clima de medo entre todos os meios de comunicação. "O ataque discursivo ao Efecto Cocuyo, com o tema do suposto dinheiro que receberam para derrubar o governo, pode se estender a outros meios de comunicação que recebam algum tipo de financiamento internacional. Porque na Venezuela a maioria dos meios digitais trabalham com fundos internacionais."

Além disso, Amaya diz que tem recebido relatos de ameaças a jornalistas no interior do país e inclui a fala de Cabello como um ingrediente a mais nesse cenário de intimidação.

"Uma sugestão de Diosdado Cabello costuma ser levada a sério neste país. Isso é uma criminalização do trabalho jornalístico. [...] Na verdade, acreditamos que uma arremetida maior pode ocorrer e que devemos estar muito mais atentos".

Para Amaya, os veículos estão em alerta e trocam informações para melhorar protocolos de segurança. Ele caracteriza esses momentos de tensão como ondas.

"Tem hora que sobe, depois desce, mas não quer dizer que acabou, e sim que se acalma para voltar a ter outro momento mais forte".

Weffer concorda que a repressão vem em ondas e, por isso, Efecto Cocuyo aumentou suas medidas de proteção. Uma delas é não assinar mais as reportagens. "Se você entrar na nossa página agora [as matérias] estão assinadas como Efecto Cocuyo em geral".

Algo semelhante foi feito no TalCual. Um documentário do veículo, que foi lançado em dezembro e demorou mais de um ano para ser realizado, não saiu com o nome de quase nenhum dos autores. O documentário "La república que tortura" tem seis episódios e é motivo de orgulho para a equipe. Mas só o narrador e o ilustrador, que moram em Miami, aparecem.

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Aerial View of the Legislative Palace. Caracas, Venezuela. (PAULINO MORAN, CC BY-SA 2.0, via Wikimedia Commons)

"O documentário é sobre as torturas praticadas pelos órgãos de segurança venezuelanos. E tem roteirista, editores, direção e nada disso foi assinado. Justamente para evitar qualquer retaliação", diz Amaya, que conta como a falta de identificação dos autores dificulta a inscrição do trabalho em prêmios. Além dos textos anônimos, a equipe desenvolveu algumas medidas extras de proteção, como ter uma lista de contatos para acionar em caso de emergência.

Os jornalistas ouvidos pela LJR coincidem que essa onda repressiva está ligada a um novo momento político, em que o chavismo reconquistou o controle da Assembleia Nacional, que tinha perdido em 2015. As eleições legislativas, realizadas em dezembro, foram controversas, já que boa parte da oposição se recusou a participar e houve uma abstenção de mais de 80%.

Para Weffer, de Efecto Cocuyo, ao assumir uma maioria de mais de 90% da Assembleia, o governo já não encontra muita resistência para atacar a imprensa.

"Regimes como o que existe na Venezuela geralmente desmontam e desarticulam partidos políticos, instituições e depois se voltam contra a sociedade civil", diz ela.

Amaya afirma que, após controlar todas as instituições de poder, o governo vai focar sua atenção na imprensa. "Agora o governo pode agir contra a única coisa que faz oposição a ele".

Balbi, do IPYS, diz que a onda repressiva "prepara o terreno" para a criação de leis que limitem a liberdade de associação, bem como o direito de receber recursos do exterior.

Amaya acredita que esse é um risco real. Ele teme a aprovação de leis contra ONGS e a imprensa, a exemplo do que ocorreu na Nicarágua.

"O que se espera é que possam sair desta Assembleia dois caminhos legais, um é colocar em questão a lei do exercício do jornalismo, com reformas adicionais, e a outra é fazer uma lei dos agentes estrangeiros, para registrar quem recebe fundos internacionais, e isso incluiria a mídia", disse.

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