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Aos 23 anos, jornalista guatemalteco Carlos Kestler dá visibilidade ao jornalismo de seu país com especial premiado internacionalmente

Pouco mais de um ano depois de se formar na universidade, o jornalista guatemalteco Carlos Raúl Kestler já irritou o presidente de seu país, foi nomeado para um prêmio internacional e fez tremer as autoridades de comunicações da Guatemala com uma reportagem investigativa.

Este ano, Kestler tornou-se um dos três finalistas do prêmio Jovem Jornalista do Ano da Thomson Foundation, na premiação da Associação de Imprensa Estrangeira de Londres (FPA, na sigla em inglês), realizada na capital britânica em 28 de novembro. Mais de 300 participantes com menos de 30 anos idade e vindos de países em desenvolvimento se candidataram ao prêmio, com o primeiro lugar outorgado a Yashraj Sharma, da Índia.

"A oportunidade do trabalho que fazemos na Guatemala ser visto internacionalmente é algo muito bom, especialmente porque na Guatemala a imprensa está trabalhando em uma situação muito complicada", disse Kestler em uma entrevista com a LatAm Journalism Review (LJR) em seu retorno de Londres.

Guatemalan journalist Carlos Kestler accepting an award by the Foreign Press Association of London

Carlos Kestler recebeu um diploma como finalista do prêmio Jovem Jornalista do Ano na London Foreign Press Association. (Foto: Cortesia Carlos Kestler)

 

 

Ao longo de 2022, vários jornalistas tiveram que fugir da Guatemala devido a pressões, intimidações, ataques ou ameaças. Isto se soma ao fato de que sob o governo do presidente Alejandro Giammattei, o acesso à informação pública tem sido dificultado.

"Apesar de todas as complicações, é muito bom para mim que o trabalho do jornalismo guatemalteco se destaque internacionalmente e que jornalistas de todo o mundo possam vê-lo", disse Kestler.

O trabalho pelo qual Kestler recebeu o prêmio é intitulado “Conectividad rota”. Trata-se de uma série de quatro reportagens sobre como o mau estado das estradas do país centro-americano cobra um alto custo nas vidas dos guatemaltecos. As reportagens foram publicadas tanto no jornal Prensa Libre como em vídeo no Noticiero Guatevisión, meios nos quais Kestler trabalha como repórter.

“Conectividad Rota” foi elogiada pelo júri da FPA por sua narrativa fresca e acessível sobre uma questão séria que afeta milhões de pessoas.

"[O trabalho de Kestler] me pareceu um retrato assombroso da Guatemala através da qualidade de suas estradas. Me cativou por completo", disse Alessandro Alocca, jornalista do diário italiano La Repubblica, um dos membros do júri, à LJR. "Encontrei alegria e felicidade no meio do desastre que são as estradas. Carlos injetou humor em uma situação grave com grande efeito".

Em um momento em que a hostilidade e a violência são o pão de cada dia do jornalismo na Guatemala, Kestler diz que "Conectividad Rota" representa o tipo de jornalismo que ele quer fazer: jornalismo fresco que atraia novos públicos, mantendo os valores básicos da profissão e colocando as pessoas no centro das histórias.

Collage of images from the "Broken Connectivity" report printed version

A versão impressa de "Conectividad Rota" foi publicada no jornal guatemalteco Prensa Libre. (Foto: Prensa Libre)

"Talvez esta seja a maneira de alcançar aquelas pessoas que evitam as notícias, que é um grupo que está crescendo cada vez mais", disse ele. "Jornalismo que não é tão quadrado, esquematizado e não tão sério, no sentido de chato e inacessível. Talvez essa seja a maneira das pessoas continuarem a confiar nos jornalistas e no trabalho que fazemos, porque no final das contas é isso o que buscamos, servir ao público.”

Kestler sabe que ser finalista dos prêmios da Thomson Foundation e ganhar notoriedade para uma investigação aos 23 anos de idade estabelece uma barra muito alta e eleva a a exigência para o futuro de sua carreira. No entanto, o jornalista toma como motivação continuar produzindo histórias que lhe permitam empatizar com os problemas que afetam seus compatriotas.

"Sim, sinto a pressão para continuar a atingir altos níveis de qualidade em meu trabalho, mas tento torná-la motivação em vez de pressão", disse ele. "Há muitas realidades e histórias de vida que merecem ser ouvidas e que merecem ter o microfone por um momento. [O prêmio] me motiva a continuar fazendo jornalismo onde a pessoa humana seja o centro de tudo.”

Intenso trabalho de reportagem no terreno

Muito tem sido dito nos meios de comunicação guatemaltecos sobre o mau estado da rede viária e como é difícil acessar algumas comunidades. Entretanto, nunca antes um jornalista havia viajado por esta rede rodoviária e captado por escrito e em vídeo as dificuldades de viajar para o interior do país.

Para fazer "Conectividad Rota", Kestler, o fotojornalista Carlos Hernández e um motorista percorreram mais de 3.600 quilômetros de estrada durante um mês. Isso é cerca de um quarto do total de estradas na Guatemala.

Guatemalan journalist Carlos Kestler during the making of the "Broken Connectivity" special report

Kestler e sua equipe viajaram pelas estradas da Guatemala durante um mês para as reportagens. (Foto: Captura de tela do YouTube)

"Estamos falando de mais de 30 [estradas] a nível nacional, portanto, a magnitude na qual mostramos o problema e o fato de termos percorrido 25% da rede rodoviária do país nunca havia sido feito antes", disse ele.

Entretanto, para Kestler, a principal inovação de seu trabalho é o fato de que ele foi além de denunciar o mau estado da infraestrutura viária. Desde o início, a equipe do Prensa Libre e Guatevisión decidiu que cada uma das reportagens teria como protagonistas homens e mulheres guatemaltecos.

"Tivemos que dizer, bem, sim, esta estrada tem buracos, mas o que as pessoas dizem sobre isso? Como isso afeta as pessoas que dependem do turismo, ou pessoas que trabalham com transporte, ou pessoas que vivem em lugares onde não há estradas?", disse ele. "Atrás de cada buraco tinha que haver alguém que pudesse relatar porque aquele buraco é um grande problema, além do fato de haver um buraco no caminho".

A primeira parte de "Conectividad rota" conta como o mau estado da rede rodoviária afeta áreas da vida econômica da Guatemala, como o turismo. A segunda parte narra como estradas defeituosas prejudicam o desenvolvimento social do país. A terceiro reportagem enfoca as consequências para o comércio interno e externo, enquanto a quarta parte fala sobre a responsabilidade do Ministério das Comunicações pelo problema.

Quando as reportagens foram publicadas, entre junho e julho de 2022, elas tiveram repercussão imediata nas redes sociais, principalmente por causa da indignação das pessoas ao conhecer a magnitude do problema, de acordo com Kestler. Além disso, após a publicação da série, as autoridades começaram a reparar pelo menos dois dos trechos de estrada mencionados nas reportagens.

"Não posso dizer com certeza que a decisão de adiantar o conserto dessas duas estradas foi por causa da reportagem, mas isso aconteceu depois [da publicação] da história", disse Kestler. "Seria preciso perguntar às autoridades, mas se pode ver essa diferença".

‘Bronca’ presidencial por questionar

O Presidente Alejandro Giammattei realizou uma coletiva de imprensa em 12 de outubro deste ano nas instalações da Coordenadoria Nacional de Redução de Desastres (CONRED), por ocasião da passagem da tempestade "Julia" pela Guatemala.

Após falar sobre a situação de emergência e responder a algumas perguntas da imprensa, o presidente encerrou abruptamente a coletiva de imprensa após algumas perguntas de Kestler.

O jornalista questionou algumas das decisões que o presidente havia tomado para combater a emergência que, no passado, haviam se mostrado ineficazes e, ao contrário, haviam servido para atos de corrupção.

Giammattei ficou incomodado, elevou seu tom de voz e acusou o jornalista de sugerir que ele não deveria ajudar as vítimas.

"Parabéns para você, não façamos nada e deixemos as pessoas continuarem a morrer. [...] A resposta é ‘não vamos dragar [os rios para evitar enchentes] e deixar o povo morrer’? Desculpe-me, senhor jornalista. Isso me parece uma posição totalmente irresponsável", respondeu o presidente, e depois se levantou e foi embora.

Guatemalan journalist Carlos Kestler accepting an award by the Foreign Press Association of London

A cerimônia de premiação ocorreu em 28 de novembro em Londres, Inglaterra. (Foto: Cortesia FPA)

O desencontro entre Kestler e Giammattei foi retirado dos canais oficiais da Presidência guatemalteca. Esta coletiva de imprensa foi uma das poucas em que o presidente permitiu perguntas de repórteres.

Para Kestler, a reação do presidente ao seu questionamento reflete com precisão a postura de opacidade e pouca transparência que tem existido ao longo de sua administração.

Giammattei participou de eventos públicos até quatro vezes por semana desde que tomou posse em janeiro de 2020. No entanto, ele raramente responde às perguntas dos jornalistas e, se responde, ele escolhe os repórteres que podem questioná-lo, de acordo com a análise "Giammattei, o presidente que não fala com a imprensa", preparada pelo jornal La Hora.

"Essa pequena anedota é apenas uma pequena amostra da atmosfera tensa para jornalistas na Guatemala", disse Kestler. "Talvez ele [Giammattei] me respondeu mal e interrompeu a conferência por minha causa, mas outros [jornalistas] estão ameaçados de morte, intimidam suas famílias, espalham conteúdo privado, têm suas redes sociais invadidas ou são colocados na prisão.”

Em 29 de julho de 2022, o jornalista e fundador do jornal ElPeriódico, José Rubén Zamora, foi detido sob acusações de lavagem de dinheiro e tráfico de influência pela Procuradoria Geral da Guatemala, poucos dias após lançar fortes críticas ao governo de Giammattei em seu jornal.

A casa do jornalista e a redação do ElPeriódico foram invadidas e as contas bancárias do meio de comunicação foram congeladas pelas autoridades. Em 8 de dezembro, um juiz ordenou que Zamora fosse a julgamento em um caso que as organizações internacionais de defesa da liberdade de imprensa descreveram como uma tentativa de silenciar vozes críticas na Guatemala.

Para Kestler, o caso de Zamora e elPeriódico é um reflexo de como está se tornando perigoso exercer o jornalismo na Guatemala.

"É uma consequência de constante e crescente perseguição e assédio a jornalistas que acabam deixando de contar as coisas em plataformas tão importantes como elPeriódico", disse ele. "[O caso de Zamora] é visto como um precedente muito, muito ruim para este governo e para o jornalismo na Guatemala, que esperamos não se repita com outros meios de comunicação".

Longe de optar por deixar de revelar a corrupção para evitar ser alvo do governo, Kestler acredita que os jornalistas devem se proteger com trabalho irrefutável, com dados precisos e verificados.

"[Deixar de cobrir a corrupção] não é uma medida que eu queira tomar, porque isso seria como não fazer nosso trabalho e no final das contas é isso que as pessoas no poder querem, que não se fale delas e que não se contem as histórias que as expõem", disse ele.

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